Capítulo 1

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"Você tem uma nova mensagem"

Ouvir essas poucas palavras me deu um calafrio, talvez fosse um pressentimento. Mas, sendo prática, o prédio em que eu trabalhava era novo, então, certamente esse frio repentino era um problema no ar condicionado, por isso, ignorando meu sexto sentido, eu apertei o botão verde no celular para escutar a mensagem.

"Querida, aqui é a mamãe! Você sabe que essa semana é a reunião anual da nossa família, e eu vou ajudar a sua tia com o evento! Então, estarei na cidade, meu bem. Vou chegar nessa segunda, você pode me buscar? Estou louca para conhecer seu namorado. E não me venha com essa de que não há ninguém, porque eu não quero ver você nessa festa sozinha. Sua tia Judy vive se gabando do noivado da sua prima Gabi... Enfim, chegarei pelo fim da tarde, beijos querida e fique bem."

Eu deveria ter seguido meu palpite de mau agouro e apagado a mensagem, porque essa animação toda na voz da minha mãe não poderia trazer nada de bom para mim.

Uma visita da mamãe. Quem não iria querer isso? Acho que qualquer pessoa que não fosse eu.

Nem um "eu te amo" ou um "estou tão orgulhosa de você, filhinha" durante a ligação inteira. Mas, isso não era incomum, já que para ela, ser uma das advogadas mais jovens a pertencer ao escritório de maior credibilidade do estado não era o suficiente. Pois, para a minha mãe me faltava uma aliança e um marido para que eu pudesse agradá-la. Sinceramente, eu não entendo o que minha mãe tem com os casamentos...

Mais uma reunião de família, apenas para acabar ouvindo a mesma pergunta de todos os parentes, enquanto eu sou forçada a manter aquele sorriso falso no rosto para ser educada.

E os namoradinhos? Quando é que você vai se casar? Vai acabar pra titia!

Será que só a minha família vive no século passado?

Somente em pensar sobre essa tortura anual, meus nervos já começavam a ficar abalados e eu já sentia o suor na pele. Mas, eu deixaria esse assunto para mais tarde, pois havia trabalho a se fazer.

Meu chefe havia marcado uma reunião de última hora e não me atrasar é uma das minhas regras pessoais, então, rapidamente juntei alguns papéis e saí da minha sala.

Adoro o meu trabalho, ser advogada sempre foi o meu sonho. E fazer parte da equipe gerida pelo Seu Epitácio é uma grande realização para mim. O dono da empresa, com seu nome peculiar, me contratou como estagiária e com o tempo acabou se tornando um segundo pai para mim, ele me ensinou as artimanhas do negócio e sempre me tratou como um membro da sua família.

— Bom dia, chefe! — eu disse com bom humor, quando o encontrei no corredor, sabendo a sua opinião sobre o apelido que eu costumava usar.

— Lilian, aqui todos somos amigos. Nada de chefe e empregado... Mas, vá e me traga um café. — ele disse com um erguer de sobrancelha travesso, entrando na brincadeira.

— Nada de empregados, hein? — eu dei um meio sorriso.

— Você sabe como as coisas são na selva de pedra! — ele deu um aperto paternal no meu ombro, enquanto caminhávamos. — Mas, vamos para a sala de reunião, tenho uma excelente notícia para dar!

Há pouco tempo, a diretoria do escritório decidiu se modernizar, e como consequência nós nos mudamos para um edifício todo sustentável e com ar moderno. E eu sempre acabava admirada com todos os ambientes em que eu entrava, pois tudo era tão grandioso e bonito. E a sala de reunião não era uma exceção, já que ela contava com uma bela visão da cidade, com os enormes painéis de vidro que fechavam o lugar.

— Lili, vamos esperar só uma pessoa para começarmos. — o seu Epitácio é um doce, mas quando se trata dos negócios eu o imagino como um Dom Corleone, na verdade, só faltava um gato em seu colo para completar o cenário.

— Tudo bem, mas você não pode me adiantar nada? — eu pedi fazendo os olhinhos de cãozinho abandonado na chuva.

— Nada disso garota! Eu quero ser o mais justo possível! Tenha paciência...

Um som vindo do lado de fora me impediu de mendigar mais um pouco por informações.

— Desculpe a demora, fiquei preso no fórum.

Essa voz e o dono dela era tudo o que eu não queria no meu já cinzento dia, pois sendo sincera, o homem que acabava de invadir a sala não era a minha pessoa preferida no mundo. Não que eu seja hipócrita ou cega para dizer que o Adalberto não era um bom advogado, com o bônus de ter olhos verdes e cabelos negros. Na verdade, eu torcia para que ele se tornasse um desses modelos de roupa íntima e abandonasse a carreira no escritório. Mas, eu sabia que meu desejo não se realizaria e nós continuaríamos com a nossa coexistência profissional, onde nossa relação é uma mistura de educação com toques de grosseria e rispidez, o que definitivamente nos torna o gato e rato desse escritório. Mas obviamente, ele é o rato.

— Sem problemas, Beto. Agora que você está aqui, vamos começar. — nosso chefe era muito cortês com todos, mas o nosso modelo aqui era o afilhado dele e por mais que ele tentasse disfarçar, todos sabiam quem era a menina dos olhos por aqui.

— Seremos apenas nós três, Epitácio? — eu perguntei enquanto todos se ajeitavam ao redor da enorme mesa na sala, rezando internamente para que resposta me trouxesse um raio de sol nesse dia cinza.

— Sim, Lili. Você e o Beto são os melhores advogados que eu tenho aqui no escritório para esse caso. Vocês são jovens e capazes de cravar as garras em muitas jugulares. E em breve teremos um caso grande em mãos, o divórcio de uma celebridade da nossa política, com uma bagagem bem pesada.

— Mas, se é só um divórcio, onde está a grandiosidade?

Eu já disse que o modelo também tinha cérebro?

— Estamos falando de um caso que se tornará público, com muito dinheiro e repercussão na mídia. E eu atribuirei esse caso a um de vocês. — o senhor de terno respondeu com um olhar estranho no rosto.

Essa era, sem dúvidas, uma chance do tamanho da Rússia, um caso grande como esse, era difícil de cair nas mãos de um novato. Porém, ganhar a causa nos tribunais seria mais fácil do que arrancar essa oportunidade do menino de ouro da Torquato Advogados Associados. Eu era boa, mas não era da família de verdade, e embora o seu Epitácio tivesse um senso de justiça impecável, era óbvio que a corda iria pender para um lado.

— E como será decidido quem vai ficar com o caso? — os olhos verdes de Beto nunca passaram por mim.

Será que ele estava com medo de perder? Ou estava apenas querendo me irritar?

— Eu irei assistir ao desempenho de vocês, além de esperar um estudo sobre o caso. — o chefe nos lançou um sorriso que transparecia diversão. — Vamos meninos, eu sei que vocês são mais do que capazes, então, só deem o melhor de si.

— É só isso? Que vença o melhor? — eu perguntei meio pasma com essa competição.

— Acho que você conseguiu simplificar tudo, Lili! — o tom de voz soou com diversão, mas eu sabia que havia mais por trás.

Há muito tempo não ouvia o meu apelido sendo dito por essa voz meio rouca. E se eu não soubesse a quem ela pertencia e que cada palavra na verdade era uma provocação, eu teria me derretido toda.

Uma risada rouca me tirou do jogo de encarar, que eu tinha começado com o homem de olhos verdes.

— Eu vou deixá-los crianças, tenho um compromisso agora. — o Seu Epitácio se levantou do seu lugar na cabeceira, ajeitando o terno. — Juízo, meninos, e boa sorte!

Antes que pudéssemos protestar, nosso chefe havia partido e nos deixado sozinhos na sala, com o peso da animosidade pairando no ar.


Trato Feito #1 (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora