Capítulo 4

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A moça da recepção era bem amigável, até ela descobrir que eu tinha ligação com a "senhora do mapa astral". Sim, minha mãe pretendia pagar a conta do hotel desenhando o mapa astral de todos os funcionários.

— Sinto muito, mas nada de astros por aqui! Vocês aceitam débito, não?

Acho que consegui constranger a moça tanto quanto eu me sentia envergonhada. Se você é filha da minha mãe, isso se torna um hábito, e com o tempo você aprende que desviar o constrangimento para outra pessoa é o caminho mais ameno a se seguir, mesmo que isso signifique ser arrogante, mal educada ou apresentar um super sorriso amarelo.

— Senhora, aqui está a conta. Uma diária na suíte presidencial.

Creio que fui grossa demais com a atendente, porque aquela conta com quatro zeros no final só podia ser crueldade. Até um quarto na Casa Branca deveria ser mais barato do que esse!

— Moça, você tem certeza de que está no nome da pessoa certa?

— Tenho sim, esse quarto estava até reservado, mas tivemos uma desistência e encaixamos a senhora Estela.

— Não tem como eu ter um desconto? Afinal, ela nem usou o quarto! — usei meu tom especial que mendigava piedade e uma ajudinha.

— Sinto muito moça, é contra a política do hotel oferecer descontos com contratos já assinados. Eu posso apenas parcelar no cartão de crédito.

Sabe aquele momento em que você se encontra sem ação? Eu sabia que poderia armar um barraco e até mesmo processar o hotel, mas isso seria apenas desgastante e mais uma nuvem negra no meu dia nublado. Então eu apenas peguei a carteira e entreguei meu cartão.

Você pode chamar isso de conformismo, mas eu chamo de escolher suas batalhas. E eu teria uma conversa com meu pai em breve.

Oi, estou procurando o hóspede do presidencial.

Essa voz, por mais que não fosse dirigida a mim, me era familiar.

Ser discreta é um pequeno dom meu, mas nesse momento eu não pude me conter. Não pela bela forma de Adônis com pinta de bad boy que estava ao meu lado no balcão da recepção. Não, isso tudo era um detalhe, um detalhe suculento com olhos caramelos e uma voz melodiosa. O que chamou minha atenção mesmo foram o capacete e as roupas à la Hell Angels.

Esse era o cara que estragou o meu carrinho lindo.

Senhor, acabaram de fazer o check out desse quarto.

Ouvir a conversa dos outros não é tão errado assim quando mal se presta atenção no assunto. Os lábios se mexiam e sons eram emitidos, mas nada fazia sentido, eu só ficava repassando a cena de destruição do meu amado Cerejinha. Não podia deixá-lo fugir, ainda mais agora que eu fiquei um bocado mais pobre.

— Com licença, desculpe atrapalhar, mas você quebrou o meu carro! — usei minha voz de tribunal, clara e direta.

Minha interrupção na conversa alheia me rendeu um olhar confuso da recepcionista e do motoqueiro. E olhando mais de perto, o meu alvo era muito bonito para um destruidor de carros, e eu quase me distraí com esse fato bem emoldurado num a jaqueta de couro.

— Sinto muito moça, mas eu nunca te vi na minha vida. Você deve estar me confundindo...

— Você tem uma Harley Forty-Eight?

— Tenho, mas...

— E você veio dirigindo ela até aqui?

— Vim, só que...

— O senhor gritou com alguém no trânsito?

— Ei, calma aí moça! Você está me acusando de alguma coisa?

— Acusando não, apenas constatando fatos. O senhor há aproximadamente meia hora passou ao lado do meu carro a mil por hora e quebrou o meu espelho, além de me insultar! — eu cruzei os braços na frente do peito, desafiando-o. — Agora me corrija se eu estiver errada...

O olhar dele passou por surpresa, incerteza, culpa e resignação durante o meu pequeno discurso inflamado. Geralmente eu não sou assim impulsiva, na verdade se fosse outro dia eu simplesmente iria arcar com os gastos, sem incomodar ninguém nem armar um barraco, mas hoje era hoje.

— Moça, por que a senhora não liga para o seguro?

Acho que a minha expressão neste momento foi como a daquelas pessoas que tem apenas um minuto para decidir entre o fio azul ou vermelho. Talvez o item "assinar o contrato de renovação do seguro do carro" deveria ter sido o primeiro tópico da minha lista de tarefas. Era apenas um rabisco e eu esqueci!

Mas, espera um segundinho... E aquela cara que ele fez de culpa?

— O senhor fez o dano! Por que eu deveria arcar com ele?

E ele riu, não uma gargalhada do tipo lágrimas e contorcionismo, mas um riso de escárnio acompanhado com o sorriso cafajeste que alguns tipos têm.

— A senhora não tem seguro, não é?

Não sei se foi o fato de ter sido descoberta, o momento ou o sorriso dele o que me deixou ainda mais irritada.

— Sabia que você ia apelar para esse machismo ridículo! Só porque eu sou mulher não teria seguro?! Só falta dizer que eu coloquei o carro na sua frente, porque mulher não sabe dirigir!

O bonitão simplesmente me ignorou e voltou a falar com a recepcionista. Sério?!

— Moça, aqui está o meu telefone e endereço. Quando o conserto for feito, me manda a conta.

Ele me entregou um papel com o timbre do hotel. Quando eu vi o endereço fiquei um pouco impressionada, o homem morava em um dos condomínios de luxo da cidade. Ao levantar o meu olhar do papel para confirmar que o faria pagar a conta, vi minha mãe e prima atrás dele, vindo em nossa direção.

Sabe nos desenhos animados quando uma lâmpada acende na cabeça do coiote e você sabe que ele teve uma ideia? E você sabe também que não vai ser uma boa ideia, mas o coiote ainda acha que é genial? Bem, eu estava me sentindo igual a ele quando fiz provavelmente a coisa mais estúpida possível.

Meu pai sempre me disse: "Viu a oportunidade? Agarre-a!".

Bom, foi o que eu fiz. Só que eu tive que ficar na ponta dos pés para agarrar uma oportunidade de um metro e noventa.


Trato Feito #1 (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora