Sabemos que os primeiros passos para se alcançar a felicidade se dão no reconhecimento individual de cada ente. No momento resoluto do pensar, atribuímos significados para a realidade e por assim dizer, nos situamos no mundo. Bem como Sartre dizia, "a existência precede a essência", isto é, primeiramente o indivíduo se localiza na linha da existência, garante que o mesmo "É" e "Está" presente na realidade. Descartes mesmo dizia cogito, ergo sum [penso, logo existo]. Para que o sujeito entenda sua essência, é necessário primeiro que ele afirme sua existência no mundo.
Com isso, essa confirmação no mundo gera o que Heidegger, ontologicamente, chama de Ser-ai ou Dasein. A partir desse processo de autoafirmação de quem somos, construímos, pois, nossas vidas. No existencialismo de Heidegger, Sartre e Kiekegaard, somos autores majoritários da nossa história. A partir de nossas escolhas, sejam elas boas ou ruins, construímos nossa essência. Nesse interím, conhecemos a dor, a angústia. Angústia tal, de lidar com quem de fato 'somos' em via do que escolhemos ser. Por conseguinte, a dimensão da angústia, é algo inerente da natureza humana. Somos seres da angústia, como dizia Sartre, pois carregamos a responsabilidade de lidar com as escolhas que fundamentam a realidade ontológica de cada ente.
Ao longo de nossa vivência, estamos constantemente construindo nossa identidade. Todavia, construir essa identidade, gera dor, pois a cada escolha que fazemos, modificamos quem 'éramos' anteriormente. A angústia de Ser, é aquela na qual nos situamos em dor por mudar. Ou melhor, por destrinchar quem somos de verdade. A dor faz com que o homem sinta a realidade da vida. Ela traz autenticidade para o que é real em meio a um mundo de ilusões. Portanto, viver acaba se tornando um ato heroico, como bem dizia o filósofo romano Sêneca, visto que, requer resiliência em enfrentar os fatos da vida. Quando aceitamos a dor de Ser, vivenciamos o 'peso' da existência. A vida é um risco, e se nós não arriscarmos, nunca iremos sentir a veracidade do viver.
"[...] o peso é o elemento que dá facticidade para a vida" (HEIDEGGER, Ser e Tempo).
Todavia, como visto anteriormente, a felicidade proposta pela sociedade moderna apenas cria ilusões materiais. Ela oferece uma felicidade que se encontrá isolada do sujeito. Ela apresenta o discurso o qual o indivíduo não necessita da dor para viver. Na modernidade a angústia deve ser a todo instante evitada.
A sociedade, molda uma realidade que não pertence ao sujeito. Pois ela induz que procuremos preencher a essência de nosso Ser apenas com aparatos materiais. Esquecemo-nos dos dilemas da existência e abdicamos da dor em via do prazer.
Vivemos, assim, apenas uma vida 'estética'. Assumimos apenas o que 'aparenta Ser', nunca o que de fato 'É'. São criados papéis sociais para cada um de nós. Fingimos assim, que existimos. Fugimos do nosso verdadeiro Eu. Com isso, ao fugirmos da dor, fugimos do 'peso' do viver. Entrelaçados em uma realidade de felicidade externa ao Ser, não sentimos a real essência das coisas. Não sentimos o 'fardo' e o 'enterro' da vida. Não lidamos com nossos sentimentos, não sabemos lidar com a perda. Somos uma geração doente que vive em uma bolha de um mundo ilusório.
Essa fuga da realidade do Ser é, pois, o paradigma vivenciado da modernidade. Uma fuga a qual, nos aliena. Que impõe uma realidade que não pertence ao sujeito. Nesse viés, em via de tal contexto, o sujeito intercalado em tal cenário catastrófico encontra-se em duas opções: (1) sujeitar-se a bolha e vivenciar uma realidade imanente ao prazer e a felicidade momentânea; (2) re-descobrir a realidade e alcançar a facticidade do Ser, enfrentando assim a dor e a angústia.
Escolher a segunda opção não é nem um pouco fácil. Destituir da realidade ilusória, requer que afastemos de nossas inclinações imanentes. Requer que, nos afastemos do sistema. Kant afirma que, "o caminho para a moral, é marcado pela dor". Alcançar o 'bem supremo', é lidar com nossas escolhas, com as inclinações. A busca da verdade é, pois, dor. Ela nos faz arrancar a epiderme falsa que nos reveste. Nós faz encarar quem de fato somos.
Como pois, alcançar a felicidade em uma realidade de apenas dor? Seria pois a vida apenas o sofrimento de Ser?
Essas perguntas podem ser respondidas de duas formas:
1. O Ser alcança a felicidade quando conhece quem de fato É a partir da angústia. Contudo, como estamos em constante metamorfose, a dor volta a vir. Nessa perspectiva, a vida seria pautada de duas vias: a negativa (dor, angústia, paixão) e a positiva (alegria, autoafirmação, felicidade).
Com isso, nesse viés, a angústia se torna uma ferramenta metodológica, na qual o sujeito se retira da realidade ilusória da vida e por consequência, assume sua existência. A vida se torna uma via dupla. Após a angústia, sobrepõe a felicidade de superar o dilema da existência. Assim, o sujeito está sempre se descobrindo e isso o torna feliz. A angústia de Ser, portanto, reside nessa auto confirmação eterna.
Sem essa angústia, o Ser não sente a necessidade de renúncia, não sente culpa e não sente o 'peso' da vida. Portanto, sem a angústia, ele não vive verdadeiramente. Todos nós precisamos passar pelo caminho da angústia para vivermos de forma plena.
2. O segundo ponto, reside no fato da dor como eterna e constante, mas de maneira diferente a primeira citada. Esse ponto de vista, defendido por Heidegger aponta que o fato de lidarmos com o 'peso' da vida, se torna algo demasiadamente alto para o indivíduo suportar. Com isso, ao nos retirarmos do mundo das ilusões (mundo moderno), e vivenciarmos os fatos da vida, isso geraria uma angústia que 'rasgaria' o indivíduo.
"A rasgadura no pensamento é a abertura para o 'grande', que é grande demais para o ser humano suportar" - (HEIDEGGER, Ser e Tempo).
Essa 'rasgadura' que o sujeito encontra no caminho da dor, é a descoberta do real peso da vida, isto é, a própria morte. "Estamos, pois, diante do não-ser como essência da existência". O peso da vida é o findar do existir. Ao se deparar com essa realidade, o ser humano então enfrenta a verdadeira dor do existir.
Nesse sentido, para solucionar tal dilema, a dor se transcende. O grande demais, se torna Deus. Para Heidegger, a abertura para o 'peso da morte' é demasiada grande e por isso, o sujeito por si só não pode aclamar a dor do existir. Com isso, na dor, Deus emerge. No desespero da vida, Deus trás leveza para o existir. A dor então, se torna uma paixão transcendente. A dor se torna Deus.
Apêndices de Frases
"Na angústia a pre-sença [Dasein] se dispõe frente ao nada da possível impossibilidade de sua existência" (HEIDEGGER, Ser e Tempo).
"A angústia nunca anuncia o perigo, mas é provocada por um existir determinado"(HEIDEGGER)
"O desespero humano está ligado ao fracasso da condição, do absurdo, do paradoxo, ou seja, o homem é finito e ao mesmo tempo deseja o infinito [...]". (KIERKEGAARD).
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Ensaios filosóficos sobre a Existência
EspiritualEm tempos de incerteza e liquidez, perguntamo-nos acerca do real sentido da vida. Qual é a essência do existir? O que fazer em meio a um mundo encoberto de materialismos e ilusões? A felicidade pode ser alcançada? Ou é apenas um devaneio humano? Qua...