CHEGUEI SÓ CINCO MINUTOS ATRASADOS

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Ou por acaso não é? Por acaso isso é verossímil? Por acaso alguém é capaz 
de dizer que isso é possível? A troco de quê, para que essa mulher foi morrer? 
Ah, acreditem, eu entendo; mas para que ela foi morrer—isso, apesar de 
tudo, ainda é uma questão. Assustou-se com o meu amor, perguntou-se a sério: 
aceitar ou não aceitar, e não suportou a questão, e achou melhor morrer. Eu sei, 
eu sei, não adianta ficar quebrando a cabeça: fez promessas demais, teve medo 
de que fosse impossível cumpri-las—é evidente. Aqui existem certas 
circunstâncias absolutamente terríveis. 
Pois para que ela foi morrer? apesar de tudo, a questão permanece. Essa 
questão não para de martelar, não para de martelar no meu cérebro. Eu a teria 
deixado simplesmente assim, se ela quisesse que tudo ficasse assim. Ela não 
acreditou nisso, aí é que está! Não—não, eu estou mentindo, não é nada disso. Foi 
apenas porque comigo teria que ser honesta; se é para amar, então é amar por 
inteiro, e não como teria amado o comerciante. E, como ela era casta demais, 
pura demais para concordar com o tipo de amor que convinha ao comerciante, 
então também não quis me enganar. Não quis fazer passar um meio-amor sob a 
aparência de amor, tampouco um quarto de amor. Muito honesta mesmo, aí é 
que está, meus senhores! E eu que naquele tempo queria infundir-lhe grandeza 
de coração, lembram-se? Ideia estranha. 
É terrivelmente curioso: será que ela me respeitava? Não sei, será que ela me
desprezava ou não? Não creio que me desprezasse. É terrivelmente estranho: por
que nem uma única vez me passou pela cabeça, durante todo o inverno, que ela
me desprezava? Eu estava plenamente convencido do contrário até aquele exato
minuto em que ela olhou para mim então com um severo espanto. Severo,
justamente. Foi aí que entendi na mesma hora que ela me desprezava. Entendi de
uma vez por todas, para sempre! Ai, e daí, e daí que me desprezasse, nem que
fosse pela vida inteira, mas—contanto que vivesse, vivesse! Agora mesmo ainda
andava, falava. Não consigo entender de jeito nenhum como é que ela foi se
jogar da janela! E como é que eu podia sequer imaginar uma coisa dessas cinco
minutos antes? Chamei Lukéria. Agora não deixo Lukéria ir embora por nada
desse mundo, por nada!
Ah, nós ainda poderíamos chegar a um acordo. Apenas nos desabituamos
terrivelmente um do outro no inverno, mas por acaso era impossível retomarmos
o hábito? Por que, por que não poderíamos nos afinar e recomeçar uma vida
nova? Eu sou generoso, ela também—eis aí um ponto em comum! Mais algumas
palavras, mais dois dias, se tanto, e ela teria entendido tudo.
O que dói, principalmente, é que tudo não passou de um acaso—um mero,
bárbaro, corriqueiro acaso. Isso é o que dói! Cinco minutos, só isso, cheguei só
cinco minutos atrasado! Tivesse eu chegado cinco minutos antes—e o momento
teria passado ao léu como uma nuvem, e depois nunca mais lhe viria à cabeça. E
por fim ela entenderia tudo. Agora, porém, de novo os cômodos vazios, de novo
eu sozinho. Aí está o pêndulo batendo, ele não tem nada a ver com isso, não tem
nada a lamentar. Não há ninguém—essa é a desgraça!
Eu ando, eu não paro de andar. Eu sei, eu sei, nem precisam dizer: os
senhores acham ridículo que eu me lamente do acaso e dos cinco minutos? Mas é
óbvio. Julguem o seguinte: ela nem sequer deixou um bilhete, que dissesse assim,
"não culpem ninguém pela minha morte", como todos deixam. Será que ela não
foi capaz de supor que talvez viessem molestar até mesmo Lukéria: "estava
sozinha com ela, vão dizer, então foi você que a empurrou". De qualquer modo,
teriam-na apertado sem motivo de culpa, se lá fora quatro pessoas não
houvessem visto das janelas da casa dos fundos e do pátio que ela se pôs de pé ali
com o ícone nas mãos e pulou sozinha. Mas foi também um acaso o fato de que
as pessoas estivessem ali e vissem. Não, tudo isso—é um momento, apenas um
momento de irreflexão. Um repente e uma fantasia! E daí que rezava diante do
ícone? Isso não quer dizer que estava diante da morte. Todo esse momento não
deve ter durado mais do que cerca de uns dez minutos, e toda a decisão—
precisamente o tempo em que estava junto da parede, a cabeça apoiada na mão,
e sorria. O pensamento esvoaçou-lhe na cabeça, rodopiou e—e diante dele não
conseguiu segurar-se em pé.
Aqui há um equívoco evidente, como queiram. Ainda poderia ter vivido
comigo. E se foi a anemia? E se foi simplesmente a anemia, um esgotamento da
energia vital? Fatigou-se durante o inverno, foi isso...
Cheguei atrasado!!!
Como ela está franzina no caixão, como se afilou o seu narizinho! Os cílios
parecem setas. E do jeito que caiu—não amassou, não quebrou nada! Só essa
"mancheia de sangue". Isto é, uma colher de sobremesa. Comoção interna.
Pensamento estranho: e se fosse possível não enterrá-la? Porque, se a levarem
embora, então... ah não, levá-la embora é quase impossível! Ah, eu sei que vão
ter que levá-la embora, não estou louco e não estou delirando de maneira
nenhuma, ao contrário, a minha mente nunca foi tão lúcida—mas como assim
ninguém em casa outra vez, outra vez dois cômodos, e outra vez eu sozinho com
os penhores. Delírio, delírio, aí é que está o delírio! Eu a esgotei—foi isso!
O que são agora as vossas leis para mim (Nessa passagem, o narrador
mistura "vós" e "você". (N. do T.))? De que me servem os vossos usos, os vossos
costumes, a vossa vida, o vosso Estado, a vossa fé? Que me julgue o vosso juiz,
que me levem para um tribunal, para o vosso tribunal público, e eu vou dizer que
não confesso nada. O juiz vai gritar: "Cale-se, oficial!". E eu vou lhe gritar:
"Quem dá a você agora o poder que me faça obedecer? Por que a tenebrosa
casmurrice destruiu aquilo que era mais caro que tudo? De que me valem agora
as vossas leis? Eu me aparto". Ah, tanto faz!
Cega, cega! Está morta, não ouve! Você não sabe com que paraíso eu teria te
cercado. O paraíso estava na minha alma, eu o teria plantado em volta de você!
Bem, você não me amaria—e daí, o que importa? Tudo seria assim, tudo ficaria
assim. Faria confidências apenas para mim, como amigo—e então ficaríamos
alegres, e riríamos alegremente, olhos nos olhos. Viveríamos assim. E se você se
apaixonasse por outro—e daí, e daí! Iria com ele, rindo, enquanto eu olharia do
outro lado da rua... Ah, fosse o que fosse, contanto que ela abrisse os olhos uma
única vez! Por um só momento, um só! que me lançasse um olhar, assim como
ainda há pouco, quando estava diante de mim e jurava que seria uma esposa fiel!
Ah, num único olhar ela teria entendido tudo!
A casmurrice! Ah, a natureza! Os homens estão sozinhos na terra—essa é a
desgraça! "Há algum homem vivo nesses campos?"—grita o bogatir (Herói
épico russo, uma espécie de Hércules popular. (N. do T.)) russo. Também grito
eu, que não sou bogatir, e ninguém dá sinal de vida (É possível que essa seja uma
citação modificada do romance Quem é culpado? (1846), de Alieksándr
Ivánovitch Hertzen (1812-1870): "A minha vida não teve êxito, vamos deixá-la
de lado. Eu sou como o herói das histórias do nosso povo (...) andava por todas as
encruzilhadas e gritava: 'Há algum homem vivo nesses campos?' Mas homem
vivo nenhum deu sinal de vida..." (trata-se de uma fala da personagem Vladímir
Bieltov, uma encarnação do "homem supérfluo" russo). (N. do E.)). Dizem que o
sol anima o universo. O sol vai nascer e—olhem para ele, por acaso não é um
cadáver? Tudo está morto, e há cadáveres por toda a parte. Há somente os
homens, e em volta deles o silêncio—essa é a terra! "Homens, amai-vos uns aos
outros"—quem disse isso? de quem é esse mandamento? O pêndulo bate
insensível, repugnante. Duas horas da madrugada. As suas botinhas estão junto da
cama, como que esperando por ela... Não, é sério, quando amanhã a levarem
embora, o que é que vai ser de mim?


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⏰ Last updated: Sep 04, 2019 ⏰

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UMA CRIATURA DÓCILWhere stories live. Discover now