Prólogo: O Tempo e o Destino

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Diz a lenda que, nos primórdios da humanidade, o Destino se apaixonou.

O Amor chorava frequentemente com as perturbações de seu parceiro Ódio, e o Cupido era o único responsável por acalmá-lo e manusear suas poderosas lágrimas de paixão. A ninguém era permitida entrada na Câmara dos Sentimentos além do Cupido. Sem ele, o Amor e o Ódio seriam incontroláveis, trazendo caos a todos os seres vivos na Terra, afinal, suas existências haviam se iniciado há pouco tempo e permaneciam em estado bruto, como um diamante não lapidado.

Um dia, quando o Cupido saiu em uma grande missão para o povoamento da Terra, o Destino, responsável por escrever todas as sinas do mundo, se viu andando em direção à Câmara dos Sentimentos, perturbado pelo choro inconsolável do Amor e, sem perceber o erro que cometia, abraçou a criança com ternura, buscando apaziguar o pequeno coração que ansiava por liberdade.

Quanto mais tempo o Destino passava com o Amor, mais a essência intoxicante das lágrimas do ser recém criado invadia cada canto do Destino, o levando a um grande banho de paixão e êxtase. Bastava apenas um encontro, com qualquer ser que aparecesse, para que aquela paixão repentina se libertasse e se acabasse nos braços de alguém. Não era culpa do Amor, ele não podia controlar seu eu interior.

O próprio Tempo quase parou ao perceber que o Salão das Escrituras do Destino estava vazio, imaginando que o mesmo finalmente havia sucumbido à sua curiosidade imatura de conhecer o Amor e estava na câmara proibida. De todas as entidades existentes, não havia nenhuma tão irresponsável quanto o jovem Destino, muito menos uma que tivesse coragem suficiente para ver pessoalmente o Amor e o Ódio, pois todos sabiam os riscos que aquilo poderia trazer.

Ao chegar na câmara, uma onda de paixão o atingiu, arrastando-o para os braços do Destino como um ímã atraído pelo metal. Nenhum dos seres magníficos era imune aos sentimentos em seu estado puro, exceto o Cupido e o próprio Universo, dono de tudo; por conta disso, ninguém poderia sequer se aproximar da Câmara dos Sentimentos, sob o risco de serem punidos e até mesmo substituídos.

Quando a Vida notou que muitas almas humanas estavam sendo transferidas de uma linha do tempo para a outra sem que fosse notificada, ela soube que algo estava errado e contatou imediatamente o grandioso Universo, que saiu de seu eterno descanso para verificar pessoalmente a situação alarmante que se passava no Reino Estelar. Ele raramente saía para resolver os problemas dos seres magníficos, mas aquilo era algo que nunca havia acontecido com um impacto tão grande. Embora ele soubesse de antemão o que estava se passando, decidiu ver com seus próprios olhos o crime inadmissível que o Tempo e o Destino estavam cometendo na Câmara dos Sentimentos.

Era estritamente proibido se envolver com os sentimentos designados à Terra. Aquela era uma regra que até mesmo o próprio Universo seguia à risca.

Como punição, os dois criminosos, agora não mais apaixonados, foram obrigados a buscar as almas perdidas e as colocar em seus devidos lugares. O Destino, incapaz de descobrir as sinas de quem se perdeu, buscou incessantemente pelas almas marcadas por seu erro. O Tempo, impedido de utilizar suas próprias habilidades para acelerar a busca, precisou esperar vagarosamente para alcançar cada alma atingida.

Do ano zero ao ano em que a humanidade finalmente se extinguiria, os dois buscaram e coletaram quase todas as almas alteradas, e estão ainda hoje percorrendo a vastidão temporal, esperando que os perdidos já encarnados vivam até que retornem a ser meras almas, assim os colocando em seus devidos caminhos.

Até que o tempo nos separe (ou não)Onde histórias criam vida. Descubra agora