que me aperta o dia inteiro como um abraço sufocante

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~Talvez esse capítulo possa ser um gatilho para algumas pessoas~

Desculpa, mas nada que você falar vai ser pior do que as coisas que eu falo para mim mesma.

Eu ando evitando os reflexos por meses, mas essa semana tem sido difícil. Fecho os olhos ao passar pela porta da sala porquê nela tem uma janelazinha refletora, quando ando pela rua não olho para os carros estacionados com medo de ver meu corpo desfigurado nas janelas, portas de vidro são quase uma ofensa, os espelhos, em qualquer lugar que seja, também.

Eu sinto fome o dia inteiro mas toda vez que me permito comer penso coisas que não falaria para a pior pessoa do mundo. As vezes, quando tudo está muito calmo, o corselete exala o cheiro de couro me lembrando de me sentir culpada por estar fazendo isso de um jeito tão errado.

Eu queria ser bonita como as pessoas dizem, eu queria poder concordar e acreditar. Ah, amor, mas é tão difícil, você não faz ideia. Migrei a balança para meu banheiro, antes ela ficava no quarto dos meus pais, era difícil me pesar todas as manhãs sem acorda-los. Agora posso fazer minha tortura matinal sem me preocupar.

A cinta modeladora, que me aperta o dia inteiro como um abraço sufocante, me ajuda a esquecer a fome, só consigo pensar nela. Penso no meu pulmão espremido, no meu estômago roncando abafado por debaixo do couro quente, o modo como ela dobra na altura do meu umbigo e em como dói, sento que estão todos a vendo por debaixo do uniforme, ou que as tiras de ferro estão mais que evidentes. Quando me perguntam porque estou usando, mudo de assunto.

Eu me sinto cansada todo o tempo, me apoio nas paredes quando ando com medo das minha gigantes, gordas, flácidas e nojentas pernas não me sustentarem. Faz quatro dias que todo banho sentada, meu pai pergunta porque demoro tanto. Não consigo lavar o cabelo sem ter a vontade de querer arranca-los então penso que eles estão oleosos e bagunçados o dia todo.

Não faz muito tempo que estou sem comer, dois dias é muito pouco para tanta fraqueza.

Meus dois pulsos estão com as marcas das minhas unhas, quando não consigo me controlar me machuco e quando me machuco choro igual uma criança me culpando por estar fazendo isso.

É um ciclo vicioso, algum dia eu saio dele. Obrigada pela preocupação, mas não preciso dos seus julgamentos, eu já me torturo o bastante, com pesar, Ganna.

Mil e Uma PalavrasOnde histórias criam vida. Descubra agora