Iria chover.
As nuvens se amontoavam no céu pálido, atraídas uma para outra como se imãs invisíveis as puxassem, movendo-se em uma harmonia perfeita até que um pedaço encontrasse outro, e outro, e outro, e outro, e então formasse um único aglomerado cinza e ameaçador. Por um segundo me imaginei como aquele céu nublado e triste, com diversos pedaços espalhados dentro de mim, pedaços escuros e intimidadores. Mas que ao contrário daquelas nuvens, não iriam se juntar.
Não, eles iriam continuar espalhados por todo meu peito, contaminando cada canto até que não restasse nenhuma luz. Se eu precisasse realmente descrever a situação que se desenrolava dentro de mim, não usaria a palavra nuvens. Nuvens eram suaves. Macias. E aquilo dentro de mim era pontiagudo. Letal. Tive essa certeza quando senti meu peito estremecer de dor quando os ruídos que eu tentava tão arduamente bloquear, me alcançou.
Não eram nuvens. Eram como cacos de vidro, me fazendo sangrar. Me fazendo sofrer.
Iria chover. Bom. Se eu enxergasse um céu azul e um sol brilhante eu iria rugir como uma selvagem. Aquele dia merecia estar feio e pesado. A terra tinha perdido a coisa mais bonita e merecedora que a habitava. Meu pai.
—...Meu marido foi ótimo, em todos os sentidos da palavra. — a voz de minha mãe estremeceu e um soluço entrecortado escapou por ela. Minha própria garganta reclamou, querendo ultrapassar a barreira que eu coloquei e soltar todos os meus urros de dor, de ultraje. Não desviei o olhar do céu. — Ele foi um bom filho, um bom marido, um bom pai, um bom irmão e um bom amigo. Honestamente, eu jamais imaginei que alguém com tanta luz e gentileza pudesse existir. Até ele chegar. Micah me conquistou no primeiro olhar, e mesmo depois de décadas ainda consigo lembrar de como me senti quando reparei a atenção daquele homem bonito e elegante em mim. Éramos tão jovens e ele já tinha aquele sorriso de quem já tinha vivido tanto e ao mesmo tempo nada. Quando percebi que estava me apaixonando por ele, pensei estar doente, de início. Era uma sensação completamente desconhecida e intensa, que tomou conta de tudo em mim, desde meu coração acelerado até meu cérebro que recapitulava cada momento que estivemos juntos. Eu o amei. Eu amei meu marido com cada fôlego, eu o amei com tudo que eu tinha e era tão bom... tão bom saber que eu era amada de volta. — Minha mãe chorava abertamente agora, exibindo a cascata feroz de lágrimas sem vergonha. Seus soluços traziam o som de mil anos de dor e sofrimento. Apertei as unhas contra a palma da mão com força, sentindo a pele rasgar. Ironicamente, a dor me impediu de gritar de agonia.
Um movimento repentino à minha direita capturou minha atenção; vovó se debatia nos braços de meu tio, enterrando a cabeça em seu peito para abafar os grunhidos. Eu perdi meu pai, minha mãe perdeu o marido e meu tio perdeu o irmão mas minha vó.... minha vó perdera o filho. Sua cria, sua prole. Uma pedaço dela.
Engoli em seco.
— Eu sei, com toda certeza do mundo, que os dias nunca mais serão os mesmo sem o amor da minha vida aqui comigo e talvez eu jamais deixe de sentir essa dor, mas me traz certo conforto saber que Micah veio nesta terra para mudar vidas. Ele amou, foi amado, foi feliz, me fez feliz e como a alma caridosa que sempre foi, me deixou o melhor presente que poderia me dar; nossa filha.
Cabeças viraram em minha direção mas eu não me movi. Os óculos escuros os impediram de me ver fechar os olhos e a minha distância os impediu de escutar o único soluço escapando de meu controle.
— Vá em paz, meu amor. — Minha mãe sussurrou para o grande retrato posicionado ao lado do estande improvisado, onde meu pai sorria, exibindo um riso eterno gravado na fotografia.
Acompanhei com o olhar turvo de lágrimas ela ir até o caixão, colocar uma rosa vermelha e se debruçar sobre ele, murmurando algo tão baixo que ninguém pôde escutar, mas todos sabiam que era proposital. Que era algo somente deles. Alguns dos presentes até mesmo viraram o rosto, desviando o olhar para dar um pouco mais de privacidade á ela.
Eu não.
Eu encarei, observei minha mãe sussurrar e acariciar o caixão, como se ainda pudesse sentir a pele quente e macia de seu amado, observei ela estremecer violentamente e por fim despejar seu lamento. Seu choro fora elegante. Baixo, como se até mesmo aquilo fosse algo particular entre ela e meu pai. E então observei ela se erguer, secar as lágrimas, suspirar uma última vez e caminhar de volta até mim. Não a toquei, não a abracei, nem encarei seus olhos. Eu conhecia o suficiente de minha mãe para saber que qualquer contato meu faria com que uma nova onda de choro se libertasse, e ela conhecia o suficiente de mim para saber que eu lidaria com o luto sozinha.
— Persephone, você gostaria de dizer algo? — sua voz ainda estava trêmula.
Enrijeci a coluna, e respondi:
— Sim.
E então caminhei até o caixão, para dizer meu último adeus ao meu melhor amigo.
oi. aqui é a pardus.
...não sou muito boa nisso. em escrever.
mas como preciso dizer algo aqui que prenda vocês e os faça dar uma chance pro meu livro, aqui está: tem amor sáfico. tem música. tem um pouquinho de mitologia. e tem eu—que desfiz pedacinhos de mim para colocar nessa história, para que mesmo que não seja ótima, seja real.é isso.
boa leitura.
obrigada.
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A Canção de Persephone
RomansaPersephone Hall nunca gostou do normal. Quase tudo em sua vida era o oposto daquilo, e tudo bem por ela, normal era superestimado. Desde o seu nome, até mesmo a forma que ela se portava em um enterro, os parâmetros da normalidade não eram o sufici...