Capítulo 3

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As minhas ameaças surgiram efeito no homem que se encolheu como um rato sob as pressas de um gato, dirigindo-se para fora da sala. Os outros homens quiseram rir de seu comportamento e sua covardia após a ameaça, mas foram impedidos pelos olhares de advertência de Yakov e Mikhail, saindo um por um da sala, posteriormente.

O dia tinha sido cheio, sem dúvidas.

Ansiando em chegar ao meu pequeno apartamento no centro de Cazã, o meu verdadeiro refúgio, peguei a chaves do carro, despedindo-me somente de Yakov, e a bolsa em cima da mesa que continha elementos essenciais para minha sobrevivência.

Armas, dinheiro e drogas.

Lancei um olhar para o meu soldado que fazia a função de motorista naquele momento, deixando explícito que não desejava companhia e por isso, iria sozinha. Para o meu azar, Yakov achava que era responsabilidade dele a minha segurança, para garantir a máfia estável e muita das vezes, ditava regras e colocava soldados ao meu dispor, enchendo a porra do saco de quem gostaria de ficar um pouco sozinha para esquecer a realidade. Eu sabia que a minha vida tinha acabado assim que jurei meu sangue, os meus desejos de viver uma vida boa e digna. Não havia esperanças para mim, estava corrompida desde o ventre, mesmo não desejando estar lá.

Eu não odiava a organização, eu odiava fazer parte dela.

Para mim, era uma verdadeira tortura estar dentro, presenciar certos momentos e também ter que liderar diversos homens os quais não tinham escrúpulos. Não era uma posição confortável viver sob extremo perigo o tempo todo. Aquele pequeno apartamento me refletia uma vida normal. Meus vizinhos não tinham a ideia de quem era e o que fazia, diferente da mansão em Moscou, cercada de soldados por todo portão, onde não havia sequer pessoas por perto. A polícia havia chegado bem perto uma vez, entretanto, éramos bem mais espertos que eles, comprando muitos agentes que ousavam em ser ousados conosco. Além do mais, as diversas atuações cibernéticas do hacker também contribuíram para despistar, falsificando, muita das vezes, provas. Uma vez, nós nos divertimos quando eles alegaram que um velhinho, dono de um pequeno supermercado, havia furtado 200 kg de cocaína e mais alguns armamentos da força nacional russa. Algumas pegadinhas como essa valeram a pena os mais de cinco milhões pagos para encobrir o esquema.

Cheguei à pequena moradia alguns minutos depois, não deixando de tirar o salto alto, que fazia enormes calos nos pés, e correr para o sofá bege, o qual tinha trago até o lugar para lembrá-lo, para que me trouxesse paz quando fosse ao meu refúgio, o móvel do escritório do meu pai. Podia até mesmo sentir o cheiro de seu charuto e seu uísque barato impregnado. Todas as vezes que me deitava, não podia evitar a aproximação do meu nariz no móvel, sentindo uma enorme saudade do homem que mais amei na vida. Para a organização, ele podia ter sido o chefe, o uzhasnyy (sanguinário), como era apelidado pelos seus companheiros. Sem dúvidas, ele havia sido o Don mais sanguinário de toda família. Porém, em casa, ele era só meu pai a quem admirava completamente por sua confiança e liderança.

— Não sabia que a líder de uma das organizações mais perigosas do mundo cheirava sofás. — Assustei-me com a voz rouca e pulei do sofá, tendo como a primeira reação apontar a arma para a direção em que ouvi o som.

O rapaz de olhos verdes me encarou com o semblante sério há poucos metros do sofá, vestia uma camisa social branca com alguns botões abertos, mostrando uma parte de seu peitoral definido, e uma calça preta com um cinto da mesma cor. Questionei-me como havia entrado no apartamento e praguejei, pensando o pesadelo que seria o ter em minha rotina. O apartamento continha inúmeros sistemas de segurança, apesar de ser simples, fazendo ser incrível a habilidade dele em entrar sem ser percebido.

— O que você está fazendo aqui?! — Perguntei, ainda apontando a arma para o homem a minha frente que franziu a testa. Ele colocou os braços para cima como uma rendição e eu abaixei a arma com irritação. — Está sendo inconveniente, não acha?! — Falei, jogando-a sobre a mesa de centro, consequentemente, ouvindo o barulho do vidro em reação ao contato com o objeto.

Estava claro a falta de noção do subchefe e minha irritação àquelas atitudes. Primeiro, demorou quatro anos para ocupar o cargo. Depois, não respondeu aos questionamentos de extrema importância. E ainda, teve a audácia de invadir meu apartamento.

— Você não acha que tem muito dinheiro e poder para fugir para um apartamento simples como esse? — Desviou o assunto como de costume, analisando cada detalhe do imóvel. — Pessoas como nós costumam ir para Las Vegas...

— Quem é você para dar opinião de onde devo ir? — Ele riu da minha resposta rápida e áspera.

Fiquei completamente sem reação quando ele se aproximou um pouco mais do sofá, fazendo que evitasse curtas distâncias, tendo como reação mover meu corpo até a janela.

— Só estou dizendo que é estranho, levando em conta que seus vinhos dão mais prejuízo financeiro que este imóvel. — Disse com humor, ao mesmo tempo em que observava a garrafa vazia na mesa de centro em que havia colocado a arma. Sentou-se no sofá de maneira folgada e colocou os pés, ainda protegidos pelos sapatos sociais pretos, sob o vidro.

— O que não lhe diz respeito. — Falei sem tom de humor, fixando meu olhar sobre os pés dele em cima da mesa, fuzilando-os pela atitude.

— Certo. — Tirou os pés de cima do móvel, entendendo o recado dado pelo olhar ameaçador. Levantou-se, ajeitando o colarinho da camiseta e posteriormente, abotoou seus botões. — Precisamos conversar.

— E já não estamos? — Perguntei, alternando o olhar entre seus movimentos e a vista belíssima que a janela dava.

— Atena. — Chamou-me, repreendendo minha ignorância. — Um Don não é ignorante com os seus aliados, tenha consciência disso.

— Quem é você mesmo para ensinar alguma coisa? Ah, o subchefe que está sendo acusado de traição por abandonar a família por quatro ANOS. —Enfatizei no final, irritada por ser invasivo e querer ensinar atitudes a qual já havia sido treinada.

O homem bufou com a arrogância e silenciou-se. Passou suas mãos pelo rosto e deixou a expressão de cansaço e preocupação tomar conta de seu semblante. Cruzei os braços, observando-o, prestando atenção em como abaixou o olhar enquanto devia procurar palavras para começar.

— Mikhail, me diga. Que merda você fez nos últimos anos? — Procurei respostas. Talvez, tivesse me procurado para respondê-las. E também, tivesse voltado justamente porque estava com problemas.

— Não se preocupe com meu passado — Falou firme, dando uma pausa. — O problema não se refere a isso. — Avisou, voltando ao silêncio.

— Então?! — Preocupei-me com seus rodeios para falar.

Ele se aproximou novamente, desta vez, deixando nossos corpos a poucos centímetros um do outro, tendo olhares ainda mais ardentes do que mais cedo. Não obstante, as palavras proferidas por ele posteriormente não foram de desejo e malícia, mas de uma ameaça extrema para a família.

Um puta perigo, como diria meu pai.

— A máfia japonesa está declarando guerra contra nós pelo atentado à Tóquio. — Podia sentir seu suspiro profundo em meu rosto enquanto ainda me olhava fixamente, tentando se esquivar dos desejos para passar a informação com seriedade. — Precisamos de uma estratégia urgente para não colocar os países em risco. Uma guerra seria fatal para ambos os lados e as autoridades não iriam perdoar o prejuízo causado por isso. — Colocou a mão na janela, em apoio. — Um dos informantes já avisou sobre o atentado que farão a nós, você sabe, eles estão conosco até não pesar no bolso deles. — Referiu-se aos políticos e juízes. — Por isso, pense na melhor solução. Ajudarei em tudo o que decidir.

O Perigo FascinaOnde histórias criam vida. Descubra agora