Maio de 2023.
Fernando.Empurro a porta com o pé enquanto equilibro vinte sacolas nos meus braços e costas.
Mal consigo me mexer e quase perco o equilíbrio levantando a perna tentando empurrar a porta.
"Jura? Jura que tinha que fazer a compra do mês todo justo no domingo a noite, amor?" Eu reclamo para a minha namorada mandona e organizada.
"Sim, ué. Nós não tínhamos absolutamente nada em casa para essa semana. Não custava já fazer a compra grande." ela me lança um olhar de reprovação.
Amo essa menina de um jeito avassalador, mas juro, juro de coração que as vezes me dá nos nervos esse jeitinho todo metódico e organizado. Vivo dizendo que isso é toc, que ela exagera, mas confesso que se não fosse por isso, nossas vidas e nossa casa seriam a maior bagunça.
"Certo." Ela abre a bolsa e retira um caderninho que imagino tenha uma lista sobre tudo o que compramos. Ela anda com esse negócio para todo lado, juro que é capaz dela escrever nele até quantos minutos pode ficar no banheiro fazendo xixi."Produtos de limpeza ok; ferro de passar roupa ok; frutas e legumes ok... Ué, a onde está o detergente?" Ela olha de sacola em sacola procurando os vidrinhos com cheiro de capim limão que ela tanto ama. Depois de dois minutos olhando, revirando e olhando mais uma vez só para confirmar, ela me olha frustrada. "Você lembra se nós guardamos? Eu jurava que sim, mas não está em lugar nenhum." Ela me pergunta virando uma sacola vazia de ponta cabeça como se isso fizesse algum produto sair magicamente de lá.
Eu reclamo da sua organização, mas é muito fofo a forma como ela se concentra toda e vive fazendo listas para tudo. Ela fica muito bonitinha assim: com esse coque frouxo, usando minhas camisetas que parecem vestido nela de tão grandes, segurando esse caderninho pequeno numa mão e com uma caneta na boca.
"Lembro, sim. Eu guardei." Respondo. "Deve ter caído no carro ou coisa assim, eu vou lá ver", acrescento.Observo enquanto ela esboça um sorriso e morde o lábio – eu simplesmente amo quando ela faz isso – e me dá um beijo na ponta do nariz.
"Obrigada, bebê", me diz.Pego as chaves do carro e vou caminhando pelo corredor pensando que amanhã preciso ligar para os meus pais já que faz tempo que não converso com eles. A Carol tem esse costume de ligar todos os dias para sua mãe e passa o dia falando com as amigas dela, que ela chama de "m-girlz". Sempre ri desse nome porque nunca entendi o girls que era com z, mas ela me garantiu que era uma piada interna que fazia sentido para elas, então não perguntei mais. Eu gosto das meninas, elas fazem bem para a Cá e sei que de certa forma, ela se sente um pouco sozinha aqui. Só faz alguns meses que viemos para a Inglaterra e, desde que descemos daquele avião, não nos desgrudamos mais. Ela ouviu pacientemente todo o meu discurso sobre os Raimundos – e eu lembro bem que falei além da conta, como sempre, me empolgando pela minha banda favorita – agindo como se fosse o assunto mais interessante do mundo. Me contou que achou engraçado a confusão com a aeromoça sobre o whisky e confessou que quando meu irmãozinho a acertou, um dia antes daquela viagem, na verdade ela tinha ganhado um galo na cabeça, mas não quis dizer nada para não chatear o Gustavo. Fiquei encantado com o cuidado e a meiguice dela, de verdade. Ela era muito especial, dava para perceber, além de perfeitamente linda. Os olhos dela eram verdes azulados ou azuis esverdeados, sei lá, e ficavam mais verde ou mais azul dependendo do seu humor. Seu cabelo era de um loiro escuro e sua pele era muito, muito branca, com sobrancelhas e cílios grossos bem pretos e uma boca carnuda muito rosa. Ela era exatamente o meu tipo de mulher, física e mentalmente.
Quando chegamos na Inglaterra, como não conhecíamos ninguém, passávamos todos os dias o dia todo juntos.
Exploramos Londres de cima a baixo, fomos em todos os Starbucks possíveis e visitamos todos os lugares literários dos sonhos da Carol. Eu não sou tão chegado nos livros, curto mais filmes e videogame, acredito que essa seja nossa maior diferença. Ela ama romances e leva em todos os lugares um livro. Acaba um e começa outro; se apega tanto aos personagens que já a peguei chorando e gargalhando várias vezes no meio de suas leituras.
Demos nosso primeiro beijo na frente do Big Ban. Foi um cenário romântico, com as luzes refletindo e a população britânica passando ao nosso lado. Lembro da sensação ao beijá-la pela primeira vez: como se nenhum outro beijo no mundo chegasse aos pés dos dessa garota. Falei o primeiro 'eu te amo' ali, segundos depois de beijá-la; e depois disso não demorou mais do que duas semanas para decidirmos morar juntos.
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Founding Us.
عاطفية"Coincidências. A vida era feita de uma porrada delas. Bom, pelo menos a minha era. Mal eu sabia que em dois meses estaria em outro país, morando com alguém e que minha vida mudaria da noite para o dia. Nunca achei que daria para me machucar desse j...