Capítulo 2

2.3K 43 12
                                    

-Hey Diana! Encontrei algo!

Uma voz fina chamava-a de dentro de um velho camião. Aquela estrada estava cheia de carros, motociclos e outros veículos abandonados à muito tempo. Uma fina camada de pó cobria toda a parte de cima destes automoveis. Estavam ali como se os seus respectivos donos os tivessem largado, fugindo de algo, muitos ainda tinham a porta aberta.

-Eu estou bem aqui Henrique, não precisas de gritar! -respondeu Diana, fazendo uma concha com as mãos em volta da boca, como que a abafar o seu grito de indignação.- Espero que não seja outra sucata enferrujada ou dou-te com ela na cabeça!

-Não, a serio anda ver!- respondeu Henrique, agora falando mais baixo. Saiu pela traseira de um grande camião de cargas ali perto. O rapaz era jovem e baixo, e parecia ainda mais pequeno ao lado daquele monstro de lata. Saía coçando a cabeça, sorridente.

- Vamos ver a porcaria que me trazes aí.- disse Diana observando, enquanto o seu pequeno irmão circunda os carros no caminho de volta à sua irmã.

O rapazinho, já de frente da sua irmã, entregou um pequeno aparelho preto com um aspecto delicado. Parecia uma espécie de relógio com um ecrã, talvez um pouco grande demais para ser um simples aparelho de medição temporal.

-Está cheio deles!- exclamou o rapaz cheio de impaciência, apontando para o camião.- Montes de caixas. E nós já vimos estas coisas antes, não te lembras?

Diana olhou para o irmão pensativa. Realmente começava a recordar-se de ter visto aquele relógio esquisito, estavam espalhados por todo o lugar por onde haviam passado reclames e grandes cartazes com a imagem do aparelho e uma mulher sedutora que servira de modelo, usando aquele mesmo relógio. E novamente aquele símbolo voltava a aparecer, com aquelas iniciais. OPDM aparecia por baixo de uma cruz negra ladeada por duas asas brancas, que se fechavam em seu redor.

-Imagino o que isto significará...- pensou alto a jovem mulher, ajeitando o longo cabelo negro, prendendo algumas madeixas atrás da orelha.

-Mana, estão uns papeis dentro da caixa onde isso estava, devem ser as instruções, queres ver?- perguntou a pequena "fotocópia" de Diana, com os olhos arregalados.

Diana anuiu, ainda recordando todos os lugares por onde tinham viajado, e vendo mentalmente toda a publicidade daquele objeto.

Enquanto Henrique subia novamente ao atrelado do camião, ela recordava uma situação que tinham passado à algum tempo atrás. Tinham sido perseguidos por dois homens numa cidade anterior áquela que se encontravam agora. Foi fácil escapar, pois os homens eram um tanto quanto desajeitados, e os dois irmãos eram bem mais jovens e ágeis. Tinha olhado o pulso de um deles e tinha reparado uma luz branca, mas na correria não tirou grandes detalhes. Agora, com aquele relógio na mão, podia certamente dizer que era o mesmo modelo que o bandido usava.

-Hey! Vens ou não?- perguntava Henrique, ainda mais impaciente- E tenho uma surpresa!- concluiu com um grande sorriso.

Diana logo se apressou a subir o atrelado, e enquanto subia, via a noite chegar pelo horizonte. Logo teriam de arranjar abrigo, pois as noites podiam ser tão frias e tão mortais.

O clima já não era mesmo desde que nascera, tinha chegado ao ponto de extremos, de dia um calor infernal, de noite um gelo glaciar. Sempre procurara fazer o que os falecidos pais lhe haviam ensinado, quando a noite se mostrasse, abrigo seria a primeira prioridade, e de preferência, algum prédio seria ideal, já que teriam muito por onde escolher e várias rotas de fuga caso se deparassem com bandidos e assaltantes.

O mundo, para os dois jovens tinha-se mantido igual desde que nasceram, mas segundo os seus progenitores, tinha mudado completamente. Aqueles altos edifícios serviram para albergar famílias, no tempo em que existira uma sociedade politico-económica. Nos contos dos seus pais, as pessoas não eram tão violentas e viciosas, bem pelo contrário, se possível, evitavam qualquer tipo de contato a não ser com os seus respetivos familiares. Era como se todos os outros tivessem algum tipo de doença que se pega só de olhar para eles.

Como que um ritual, os dois irmãos olhavam o céu que ia escurecendo.

-Vamos. Temos aqueles prédios do outro lado, trás o que puderes dessas caixas, logo vamos ver melhor de que se trata.-disse Diana, enquanto se encaminhava para os ditos edifícios.

Henrique trazia, tal como a sua irmã, uma daquelas mochilas gigantescas de campismo e logo se apressou a colocar uns quantos daqueles objetos lá dentro, bem do lado da ultima garrafa de água que tinham.

Seguiram então, adentrando com todo o cuidado no prédio mais próximo. Vasculharam, no tempo que restara, os dois primeiros andares em busca de mantimentos e algo que servisse de combustível para uma lareira improvisada. O pouco que encontraram, duas latas de sardinha em conserva e uma de ervilhas, serviria bastante bem, uma vez que havia algum tempo que não comiam, devido à longa caminhada por campos e planícies desertas até chegarem àquela pequena cidade. Instalaram-se no penúltimo andar, estrategicamente, assim, se sofressem alguma emboscada, teriam mais um andar para se poderem esconder e até mesmo fugir, visto que eles escolhiam edifícios com escadas de emergência exteriores.

-Mana?- chamou o pequeno, num tom que indicava que iria perguntar algo complicado.

-Sim?- respondeu Diana, que se encontrava de frente para ele, encostada a um sofá, aquecendo as mãos na pequena lareira que tinham a muito custo acendido.

-As pessoas desta casa, onde estão?

Era uma pergunta frequente da parte dele. Em todos os lugares onde pernoitavam ele fazia a mesma pergunta.

-Já sabes a resposta, não?- respondeu a irmã estudando as feições do seu inquisidor.

-Sim, mas o que quero dizer é, e se eles sobreviveram? Para onde foram? Será que são nómadas como nós?

-Não te sei dizer isso pequeno, mas talvez sim, talvez não...- respondeu a irmã mais velha com o olhar triste sobre o irmão- Talvez não fossem o forte suficiente, como os nossos p...- calou-se de repente ao ver as lágrimas chegando aos olhos do pequeno rapaz- Esquece isso e vamos dormir, amanha mais trabalho nos espera- concluiu num tom animado, piscando o olho e com um largo sorriso.

A Terra do AmanhãOnde histórias criam vida. Descubra agora