Despertar

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"Nos encontramos em uma sorveteria da cidade assim que as aulas terminaram, enquanto escolhiamos os sabores comecei a pensar no que eu deveria escrever sobre ele como primeira impressão, afinal o trabalho iniciava-se sobre a primeira impressão que cultivamos pelo outro, e eu sinceramente não havia especificamente uma primeira impressão desagradável, mas também não chegava a ser algo bom. O garoto me cheirava a confusão, era um prato cheio de detalhes bonitos e bagunças gritantes. Ele era como uma espécie de convite ao parque de diversões, repleto de brinquedos assustadores e ainda sim nos fazem querer experimenta-los sempre, sempre, sempre. Ele era como uma bebida diferente, não me parecia em nada com o meu tradicional licor, ele não chegava a ser forte e casual como essa bebida, era mais como um bourbon, algo que eu nunca havia provado, mas me parecia o tipo de bebida que após o primeiro gole, você não quer mais parar.

- Qual a sua primeira impressão sobre mim? - Perguntei enquanto ele provava do seu sorvete de chiclete

- Você é como a garota bonita da escola, não do tipo popular, nem do tipo inteligente, está mais para a garota que gosta de confusões, mas não chega a ser uma, entende? A garota de flores no cabelo e cigarro nos lábios, gosta de aventuras, mas não é uma barca recheada de perigos

Aquilo me tirou o fôlego por alguns segundos. Eu gosto de confusões, e o garoto era a confusão personificada.

Enquanto procurávamos saber mais um sobre o outro, eu tive a concepção de que o garoto era ainda mais interessante do que parecera. Era possível conversar sobre qualquer tópico com ele. Embarcamos em conversas sobre a escola, o céu, o mar, o litoral, músicas, filmes, fotografias, ele é um amante das câmeras fotográficas, íamos a assuntos extremistas e abordavamos o modo aleatório, o garoto é inteligente e sua concepção sobre o mundo é bonita.

Quando terminamos nossos sorvetes, ele me levou até o lugar onde planejou iniciar o trabalho. Era uma espécie de bosque cercado por calêndulas e árvores grandes e majestosas, os troncos se inclinavam em uma espécie de passagem secreta. O sol refletia sobre o brilho dos olhos amendoados do garoto enquanto a franja caia sobre sua testa. Estava quente, mas ainda sim ele usava jaqueta de couro e botas pesadas, e em meio ao silêncio do parque, o farfalhar da grama acompanhava os passos delicados e ainda sim decididos do garoto, como um gato ao caminhar com toda sua elegância e maestria.

Nos sentamos em um banco, ele parecia imerso, tranquilo e as linhas de seu sorriso desenhadas em seu rosto, como a peça principal de alguma escultura moderna.

Ele havia proposto para desenvolvermos o trabalho a nossa maneira, não entendi muito bem o que ele quis dizer com isso, mas quando meus olhos captaram os traços que ele esboçava no papel, compreendi que ele tentava compartilhar algum de seus hábitos e talentos comigo, e enquanto suas mãos tão bonitas, em um tom perfeito de sua pele aveludada, seus dedos deslizavam sob o papel e ele retratava seja lá o que for, a sua maneira de ver o mundo. Imersa na simplicidade do momento e em como ele tornava-se lindo até mesmo em silêncio desenhando, reparei no ir e vir de seu peito com a respiração calma, e naquele momento enquanto ele desenhava, percebi que apesar de estarmos presos a um mesmo mundo, ainda sim isso não nos faz pertencentes a um mesmo lugar. Aquele garoto era um mundo dentro de um mundo, era camada sobre camada, pele sobre pele, emoção despejada em emoção, e ele era um abrigo de todas elas. Ele inflava conforme as pessoas riam de suas piadas e se desmanchava quando os cigarros mentolados estavam em seus lábios. Ao lado dele, pude perceber que o ar não é apenas algo que se respira, e o mundo nem de longe será algo que se vive. Naquela situação pude perceber que por mais irrelevante e corriqueiro seja a situação, quando estamos dispostos a puxar a maçaneta e abrir a porta de um novo mundo, tudo nos parece aventureiro, interessante e eufórico.

Par de Estrelas Sem NomeOnde histórias criam vida. Descubra agora