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Sentei-me abruptamente em pânico crescente.

— Meu Deus! Onde fica isso? — levei as mãos ao rosto, paralisada de medo.

Eu sabia que aquele olhar que ele me lançou antes de sair do quarto queria dizer alguma coisa. 

— Não faço ideia.

— Posso ver? — Valentim leu o bilhete do fujão e um meio sorriso se insinuou em seus lábios. — Tem um H entre o "o" e o "a". Se lê "Konorra". É uma cidade fictícia de um anime. — E, olhando-me, acrescentou: — Já gosto do seu irmão.

— Então é o único! — resmunguei, aborrecida que ele tivesse sido tão útil.

— Vou tentar ligar para ele. — Heitor se afastou com o celular em mãos. 

Levei uma mão à testa. Quando Lorenzo chegasse, eu o mataria com minhas unhas afiadas, que ele mesmo chamava de canivete. Mamãe não podia sonhar com aquilo. Mas fala sério! Lorenzo já era grandinho o bastante para se cuidar sozinho. Nossa pequena diferença de idade não me fazia mais madura que ele.

Nunca em toda minha vida tive um dia mais horrível!

— Consegui falar com ele, tá na casa de um amigo. Vou buscá-lo — Heitor se pronunciou.

— Vou junto. — Tentei me levantar, o que se mostrou uma tentativa inútil. Não devia ter bebido tanto. — Ai meu Deus, o mundo tá girando! — Agarrei-me ao sofá.

— Melhor você ficar quietinha aí, ele não está longe. — Heitor devia ter me impedido de tomar dose atrás de dose. — Valentim, faz café pra Lorena?

— E por que ele não vai atrás do Lolo? — disparei, horrorizada com a ideia de ficar ali com ele. 

Os dois se entreolharam.

— Eu não dirijo — Valentim respondeu sério.

Franzi as sobrancelhas com a boca aberta. Tinha algo mais ali. A necessidade de desvendar o que era cresceu em mim. Eu queria saber tudo, seus pontos fracos e fortes. Queria dissecá-lo como um sapo.

De onde veio aquela vontade?

Fechei a boca, dando-me conta do quão esquisita eu estava sendo.

— Então... — Heitor olhou de um para o outro. — Vem, Valentim, vou te mostrar a cozinha.

Os dois sumiram pelo arco da sala. 

Voltei a tombar no sofá.

A última vez que bebi tanto foi na minha formatura, no mesmo dia que conheci Heitor, ainda bem que ele não correu depois que vomitei em seus sapatos. Pelo contrário, Heitor foi um cavalheiro que ficou o tempo todo ao meu lado, como se naquelas poucas horas eu tivesse me tornado o amor da sua vida. É lindo mesmo, mas não acreditava nessa coisa de amor à primeira vista. A bebedeira foi porque meu "pai" deu o ar da graça. Eu não o tinha convidado, não o queria lá, ele nos abandonou e só merecia meu asco, ponto final! Mas minha mãe o convidou, pelo menos ele não teve a ousadia de levar a nova mulher a tiracolo. Eu fiquei de castigo um mês inteiro, o dinheiro da pensão minha mãe guardou para que eu não pudesse usar o cartão de crédito. Teria sido um mês de trevas e escuridão se não fosse por Heitor.

— Lorena? 

Soergui as pálpebras com algum custo. A visão não estava mais tão embaçada. Valentim segurou meus ombros e me ajudou a sentar, meu estômago embrulhou com seu toque. Quis enfiar meu salto em seu nariz debochado por aquela audácia.

— Tome. — Entregou-me a caneca que estava na mesa de centro. Em vez de me deixar segurar, ele mesmo deu-me o café amargo, que desceu queimando pela minha garganta. — Ugh! Odeio esse cheiro.

Todo o Amor que Você não Pode Ouvir - parte 1 | DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora