Estranhamente o veículo se movia pelas ruas de São Paulo, mais especificamente na região central a sensação desconfortável tomava o interior do automóvel até mesmo o ar me parecia pesado.Lâmina estava ao volante, indiferente a tudo. Talvez pela experiência já estava acostumado a coisas extremas e ocultas... Ossos do ofício em nosso trabalho.
Mas o passageiro que me encarava através do retrovisor no banco de trás este sim me produzia os calafrios que reverberavam em meu corpo.
Kyle Mercer Ghynza parecia apático ao mundo real, talvez por não ser mais parte exclusiva deste mundo. Nem sequer posso imaginar o que alguém como ele viu e ouviu, seja neste ou em outros mundos.
Encarar o olhar deste... Homem? Me assusta, esta é a primeira vez que preciso lidar diretamente com alguém como ele.
O olhar fixo parece invadir os meus pensamentos e descer as profundezas da minha alma. Não sei ao certo, mas acho que ele esconde um sorriso, como um deboche enquanto me encara.
O dispositivo permanece em seu pescoço e se estende para as mãos e tornozelos por elos que os conectam impedindo que tenha movimentos confortáveis, os símbolos talhados no metal emitem uma luz verde fraca e graças a isto sua forma se aproxima do humano.
- Vocês estão bem? - Lâmina perguntou sem tirar os olhos do parabrisa enquanto seus lábios curvaram em um riso cheio de sinismo.
O silêncio se desfez com a pergunta. Balbuciei algo que sequer entendi e então, ele falou:
- Estou entediado - Sua voz ainda mantinha um tom obscuro embora não houvesse ameaça evidente.
Lâmina prosseguindo com sua provocação retrucou dizendo:
- Entediado? - seus olhos encaram o retrovisor - E uma coisa do seu tipo pode sentir tédio?
Percebi por relance que Mercer Ghynza não gostara do que ouviu, embora não ouvesse expressão alguma seus olhos comunicavam muita coisa.
- Estou entediado da sua maldita companhia... Faquinha - Mercer sorriu com prazer.
Lâmina não gostou, notei sua irritação quando o cenho franziu deixando seu rosto rígido com a ofensa. Embora um excelente agente e até uma lenda nos corredores de MANTRA; Lâmina se apoiava no ego e o dele é enorme.
- O que você disse seu resto de humanidade?! - Não foi uma pergunta, mas um grito.
Ele estava já retirando uma das mãos do volante e levando ao interior do paletó, foi então que precisei intervir e falei:
- Melhor não fazer nada - Ele me encarou rapidamente enquanto dirigia, prossegui dizendo - Vai perder sua carreira por uma provocação?
Ele respirou profundamente deixando a tensão fluir enquanto deixava o ar escapar de seus pulmões. Recompôs sua postura e voltou a dirigir aumentando a velocidade em um trecho pouco movimentado da estrada.
Olhei para trás e Mercer estava com os olhos fixos em mim. Pude ver que sorria com a provocação.
Me recostei no banco, o silêncio voltou a ser companhia.
- Ei novato! - exclamou Mercer - Quer saber como me tornei o que sou hoje?
Lâmina não reagiu. Então falei:
- Não preciso saber - embora estivesse curioso.
Mercer tossiu e então falou:
- Mas eu vou contar mesmo assim - um riso obscuro segui o fim da frase - porém só um detalhe mesmo, seu amigo não gosta muito de mim, então serei breve.
- Fique a vontade - respondi pensando que assim poderia manter o controle.
- Vai ser rápido eu prometo - Mercer moveu - se um pouco no assento e prosseguiu - Dynamo. Esse é o nome da criatura que me ajudou a ser este... Homem. Mas o real motivo mesmo foi a vingança.
Eu o encarava através do retrovisor seu olhar pareceu perdido em uma lembrança.
- Um homem que não tem nada a perder é capaz de tudo para se vingar, ainda que ele se perca.
Parecia sentir empatia naquele momento.
- Antes de encerrar a nossa maravilhosa conversa gostaria de te fazer uma pergunta novato.
Encarei Lâmina como se esperasse por uma permissão, ele sorriu. Parecia se divertir com a situação, sem mais eu falei:
- Pode perguntar.
O carro já estava próximo a praça das artes nos arredores do edifício Martinelli.
Mercer estava com um comportamento misterioso e unindo as mãos dentro do limite que o dispositivo lhe concedia retirou um pedaço de papiro velho do interior de sua veste, algo pequeno mesmo menor que a palma da mão de um homem, estendeu em minha direção e disse:
- Ouvi dizer que você aprecia idiomas antigos. Pode traduzir está palavra para o latim?
Peguei o recorte de papiro e observei.
- Onde conseguiu isto? - questionei
- Quem muito vive, muito tem - ele me respondeu - Estou aprisionado em MANTRA, se não estou em missões obrigatórias... Acabo estudando. Digamos que isto mantém a minha sanidade, afinal quem vai viver pra sempre precisa de um foco.
- Traduz logo essa merda! - Lâmina gritou - e manda esse cara calar a boca.
Mercer Ghynza cerrou os olhos e voltou a me encarar esperando por sua resposta.
Tornei a observar a palavra descrita no papiro tão pequeno e frágil como a vida humana e falei:
- Vincula mea. É algo próximo a me liberto, mas não faz sentido... Está incompleto.
Mantenho os olhos no texto curto nutrindo curiosidade.
Mercer sorri e diz confiante:
- Estava.
- Desculpa? O que disse? - Pergunto retomando a atenção.
- Obrigado novato - Kyle fala unindo as mãos rapidamente e prossegue - Liberum et vincula mea.
As marcas no dispositivo se tornam vermelhas e o objeto começa a desfazer - se em poeira.
Quando lâmina e eu pensamos em reagir a temperatura cai subitamente no interior do carro. Não há sequer a tentativa de reação pois agora livre Mercer toma sua forma imortal... Ao contempla - lo meus olhos parecem ver a morte, ou algo pior. Tudo o que sinto e vejo em seguida são as suas mãos vindo em nossa direção enquanto um sorriso macabro enfeita sua face indescritível.
Uma de suas mãos atravessa o peito de Lâmina, a outra toca em minha cabeça me levando a um transe que me faz perder os sentidos.
Ouço o riso alto.
Memórias invadem minha mente.
O Choro de uma criança.
Desmaio.
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M.A.N.T.R.A - O Último herdeiro
Cerita PendekA história esconde segredos que a humanidade jamais cogitou em questionar. Nem sempre o que nos contaram são a verdade de fato, entre uma e outra ocorrência histórica a influência de forças além de nossa percepção assinalou o molde do que vivemos ho...