I - O tempo e o destino

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Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma como precisam da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderem no caos da desordem sem nexo.

-Os Dragões não conhecem o paraíso, Caio Fernando Abreu

Você acredita em destino?

É dificílimo exigir de uma criatura de capacidades limitadas, como o ser humano, uma resposta para essa pergunta. Aliás, podem haver, dezenas delas, oriundas de culturas, conhecimentos, credos ou crenças diferentes. Você que me lê agora deve conhecer alguma resposta para essa pergunta, e essa resposta provavelmente é influenciada por todos os fatores que lhe trouxeram até este ponto de sua vida. Os gregos, por exemplo, acreditavam que as Moiras teciam com suas agulhas divinas os finos fios que conduziam nossa espécie do começo até o fim de nossas aventuras sobre a Terra. Sendo assim, embora as religiões cristãs afirmem o livre arbítrio como parte de nossas habilidades, acredita-se que exista uma ordem cósmica para cada fato importante e decisivo que você e eu já vivenciamos, ou ainda vivenciaremos. 


O destino nada mais seria do que uma sucessão inevitável de acontecimentos que levam alguém ou algo até um ponto específico de sua jornada, e caso exista de fato uma previsão de tudo que acontecerá antes mesmo que aconteça, o tempo, rei soberano do universo, nada mais é do que um cenário hollywoodiano para o cumprimento dos nossos fatídicos começos e fins. Diante do destino, o tempo é uma criança brincando na caixinha de areia.


Peço perdão pelas divagações, mas não encontrei ainda dentro de mim outra maneira de começar a contar-lhes essa história de tempo e destino. Fico improvisando, caneta sobre o papel, mas quando tento idealizar uma maneira de que pareça real, que passe-lhes a ideia de veracidade, todas as minhas ideias de poeta se vão com o vento. Considerando isso, começarei do ponto onde parti da Universidade de Columbia, em New York, para um projeto acadêmico que deveria ter durado apenas meus meses de férias, mas que sem que eu soubesse, mudaria para sempre minha história. 


Haveriam sido os acontecimentos desses meses que teriam alterado as minhas linhas do destino, ou seria justamente o oposto, o destino, esse fanfarrão, haveria novamente mostrado suas garras traiçoeiras e me atirado no olho do furacão? Espero que ao final desta narrativa, alguém possa me ajudar a encontrar uma resposta para os meus questionamentos. Peço no entanto que acompanhe meu relato de mente e coração abertos. Não é possível compreender o que se passou quando se tem o mundo interior muito pequeno, o que eu vivi nesses meses definitivamente contempla aqueles que só se sentem confortáveis em universos gigantescos, assim como eu. E como Carmen. Falaremos bastante sobre ela, prometo. Mas ainda não é o momento.


Meu nome é Auden Jones, mas absolutamente todo mundo que eu conheço, inclusive minha mãe, me chama de A.J. Nasci no Bronx, NY. Minha mãe veio de São Tomé e Príncipe atraída por uma falsa promessa de emprego, que na verdade era tráfico sexual. Viveu anos terríveis na "nação da liberdade", até o dia que uma operação policial lhe resgatou. Ela foi tratada em um hospital do bairro, pois seu corpo estava muito debilitado pelos dois anos de exploração que viveu, e nessa ocasião se apaixonou por um enfermeiro, também negro, nascido e criado em Louisiana. Essa foi a fórmula de meu nascimento. 


O amor de meus pais foi exemplo pra mim, e por causa deles, cresci com essa alma romântica, sonhando em um dia ter alguém em minha vida da maneira minimalista, encharcada de carinho e absurdamente sincera que eles tinham um ao outro. No entanto, meu pai partiu cedo, quando eu ainda brincava na rua com as outras crianças, e eu precisei começar a trabalhar aos dez anos de idade, então como você pode ver, durou realmente bem pouco. Minha mãe começou a vender refeições para sustentar a mim e aos meus três irmãos mais novos, mas ainda assim, era difícil termos algum mínimo conforto. 


Desde criança já ouvia falar de destino, mas de onde eu vim, esse não é um assunto poético, muito pelo contrário. Mais uma criança negra ou latina crescendo em um bairro humilhado pelo sistema, aquele clichê dramático que talvez você só conheça por causa dos filmes. Bem, eu enfrentei o sistema, terminei a escola mesmo tendo que trabalhar desde cedo, consegui uma bolsa integral no curso de Cinema, meu sonho de infância, e passei a fazer parte de uma Universidade da Ivy league. Quando tudo isso começou, meu futuro como cineasta e o conforto de minha mãe era tudo que me importava. Mas a vida é uma caixinha de surpresas.


Eu tinha um grupo bem distinto de amigos; todos eram riquíssimos, uma delas era bilionária. Eu era eu. Acontece que pra eles, aqueles brancos peculiares que eu me permitia gostar, nunca fez diferença minha origem pobre. Eu vivia no meio do grupo desde a primeira semana de aulas, quando fomos todos obrigados a trabalhar juntos em um projeto, e acabamos passando um final de semana divertidíssimo no apartamento que um deles alugava perto do campus. Nos tornamos um grupo, e depois uma equipe. Essa equipe tinha recursos, pois os pais deles financiavam nossos curtas-metragens e clipes, não importava o quão idiota fosse o tema, e eu escrevia os roteiros, que tornavam nossas obras boas o suficiente para que, ao final do segundo ano trabalhando juntos, concorrêssemos ao Sundance na categoria de melhor curta, mesmo sendo um grupo de universitários, e ficássemos em segundo lugar. 


Dali pra frente, o céu era o nosso limite. Aproveitamos as férias do segundo para o terceiro ano, então, para iniciarmos um projeto que eu vinha amadurecendo havia meses. Queríamos produzir um filme de terror. Um filme inteiro, em três meses. Pra isso escolhemos um destino que se dependesse somente de mim, eu nunca chegaria: O nordeste brasileiro. Foi Vesper, nossa diretora de cast, quem leu sobre aquele leprosário centenário que havia no interior da Bahia, no Brasil, e fez uma propaganda tão grande da quantidade de histórias amaldiçoadas que circulavam em seu entorno, que viajamos pra lá esperando encontrar um dos portais escondidos para o inferno. 


No primeiro dia na Bahia, senti o peso da exploração, sendo a única pessoa que falava português no grupo – ainda assim, meu português era bem diferente do falado pelos brasileiros, afinal era o português que aprendi com minha mãe. Estavam todos em clima de férias mesmo, curtimos a praia, surfamos, passeamos no iate que algum deles alugou ou levou, não sei ao certo. 


Dois dias depois, viajamos para uma região completamente remota, sem conforto, onde até as pousadas tinham clima de abandono. Para o horror de Aimeé, nossa amiga bilionária e também a mais fresca do grupo, a própria namorada dela, Joey, que era nossa diretora, decidiu que seria mais prático se realmente acampássemos, pois para chegar até a região afastada e cheia de mato onde ficava o local abandonado, precisaríamos caminhar a pé mesmo por uns dois dias. Acamparíamos no caminho, e dormiríamos sob a luz da lua. Foi assim que toda a sequência de fatos sobrenaturais, inexplicáveis e com altas doses do famigerado destino começaram a se suceder.


Na primeira noite dormindo ao ar livre, havíamos nos perdido completamente na região selvagem onde nos encontrávamos. Mesmo com o mapa em mãos, gastamos quase um dia inteiro andando aparentemente em círculos, pois mesmo que marcássemos a direção com objetos deixados pra trás ou gravações de canivete nas árvores, acabávamos retornando para o ponto de onde havíamos partido. Foi só quando a noite começou a nos contemplar e quando estávamos quase montando acampamento novamente, que alguns pescadores nos encontraram e nos guiaram até um pequeno vilarejo, onde pudemos fazer uma refeição decente na casa de um deles, que amigavelmente nos hospedou. Foi nessa noite que recebi o primeiro sinal de que deveria recuar em meus planos, mas a teimosia e o ceticismo me impediram de obedecer os avisos da esposa do pescador e meus instintos, que concordavam que ninguém vivo deveria por os pés naquelas ruínas onde desejávamos chegar, caso um dia desejassemos retornar pra casa.

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Espero que tenham gostado do primeiro capítulo. Se gostou, deixa uma estrelinha pra ajudar meu trabalho! Se o destino tocar no seu coração, deixa um comentário também hahaha

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No próximo capítulo: Descubra o que se esconde entre as paredes do leprosário abandonado!

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