Terminamos então o que seria a última análise do mapa náutico. Ainda na sala do capitão, ouvíamos a madeira estalar sob nossos pés. O mar estava agitado lá fora, e eu apenas sabia disso. Sabia mesmo sem poder ver, pois conhecia muito bem o temperamento do mar. Eu era uma alma livre, e vivia uma jornada errante que deslizava sobre as incertezas do oceano infinito. Carmen era minha companheira. Nós poderíamos reinar sobre o mundo inteiro se estivéssemos lado a lado.
Bebíamos rum no pequeno divã que havia ali. O estofamento em veludo vermelho combinava bem com o tapete em tom semelhante, e também com a madeira escura de boa qualidade da qual o cômodo era feito. Haviam molduras douradas adornando quadros, uma estante de livros exuberante, alguns baús que pareciam fechados e lacrados, e diversos artefatos de ouro e cortinas em tecido rubro sobre a janela de vidro que estava fechada.
-O capitão não irá importar-se conosco em sua sala? - Perguntei a ela, mesmo suspeitando qual seria a resposta.
-Ele está bêbado com a tripulação. E mesmo que não estivesse. Bartolomeu sabe o quanto lhe sou cara. - Ela me respondeu cheia de charme, e sorriu aquela maravilha da natureza que era seu sorriso. Beijamo-nos novamente, de modo ainda mais íntimo e quente.
-Tenho uma mulher muito poderosa. - Ri enquanto falava entre um beijo e outro, e ela também riu.
Suas mãos percorreram minhas costas por baixo da camisa, e então uniram-se para retirá-la, deixando-me com o torso nu.
Encorajei-me com sua iniciativa, e minhas mãos decidiram fazer parte daquela dança. Meus dedos roçavam sua pele macia enquanto eu trilhava beijos por seu rosto, pescoço, peito e colo. Minha língua marcava território em seu corpo, que era como as ondas do mar sob o sol do verão, quente e cheio de mistérios e perigos que meu ser ansiava explorar. Meu coração parecia perder um compasso a cada novo espaço que eu conquistava com minha língua.
Tirei as roupas dela com urgência, ela me empurrou de costas no divã e sentou-se sobre mim. Eu contemplava seu corpo despido como quem visse Van Gogh pintar. Ela era a tela escura da noite e meus beijos eram as estrelas e supernovas que sobreviviam milhares de anos só para vê-la deslizar para frente e para trás, aproveitando-se de nossos corpos suados por causa do verão e do amor para facilitar sua dança sutil e harmônica, que era a coisa mais linda, como toda arte deve ser. Era como tocar as estrelas.
E como roga o amaldiçoado ditado, tudo que é bom dura pouco. De repente, já não estávamos mais ali. E eu estava em outro lugar.
O sol ainda não havia nascido completamente. O ambiente estava escuro e abafado. Eu ainda suava, e ainda havia uma mulher sobre meu corpo, mas não do modo que eu gostaria. Sentei-me rapidamente dentro da barraca, fazendo-a cair sentada logo à minha frente.
-O que... que raios? - Perguntei ainda em português, sentindo a maresia do navio, com os pensamentos completamente atribulados pela mudança abrupta de realidade, uma vez agora em terra firme, e sem compreender ao certo o que era ou não real. Ainda era intenso, mas de modo ruim, pois eu sentia culpa e vergonha de mim. Esfreguei um dos olhos com força, usando os nós do dedos pra isso.
-A.J, o que foi? Fiz algo errado? - Ouvi a voz da outra pessoa em minha barraca, junto comigo. Aquela voz que eu conhecia tão bem, mas em inglês, como deveria ser. Era o idioma que ela falava, afinal.
-Vesper... Eu... - Não sabia o que fazer. Ela estava realmente ali. E eu também. Afinal, o reino de Morfeu havia me tragado de modo tão profundo que por alguns instantes, mesmo em sonhos, senti que algo havia transportado-me ao passado em espírito. Parecia mais real do que a loira confusa me encarando ali na minha frente. -Nós não deveríamos. - Completei sem muita certeza, ainda sentindo em meu corpo inteiro os efeitos do sonho real demais que acabara de ser interrompido. Acredito ter feito com Vesper até ali o que eu estava fazendo em meu sonho, e acredito que ela pensara ter me acordado quando entrou em minha barraca por causa disso.
-Não precisamos contar pra ninguém. Fica entre nós. - Ela respondeu, voltando a beijar meu pescoço e morder minha orelha. Então havia sido tão real que eu provavelmente havia realmente correspondido sua investida até aquele ponto. E se já havíamos mesmo chegado até ali, mesmo sendo reversível, decidi levar adiante.
Mas não conseguia parar de pensar na imagem daquela Carmen ainda viva, cheia de sonhos e desejando me levar consigo em suas aventuras pelo mundo inteiro que havia para descobrirmos e explorarmos.
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Oi gente, tudo bom? O galeão deu uma reduzida na frequência das atualizações por um tempinho, mas estou voltando a atualizar com maior frequência, santo Dezembro!
Espero que tenham gostado do capítulo até aqui, deixa comentário dizendo o que achou, e obrigada por acompanhar essa história!
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Um galeão de sonhos
RomanceAuden Jones tem uma alma sensível, escreve poesias e estuda cinema em Columbia. Arte é sua vida, então iria a qualquer lugar por ela. Em meio à uma expedição em um leprosário abandonado, a fim de gravar um longa-metragem com sua equipe, Auden conhec...