Capítulo 16

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Quando o fim de semana chegou, eu fiquei muito triste porque Janish precisou ir para casa para uma reunião de família no domingo à noite e Lizzie e Laura também passariam o fim de semana fora do colégio. Elas me convidaram, mas pela minha advertência recente eu não estava autorizada a pôr os pés na rua. Decidi inclusive não ir treinar por dois dias. Porém nada era pior do que o e-mail que eu havia recebido do meu padrinho que dizia:
  "Hannah, eu estou profundamente magoado e irritado pelo seu comportamento. Você nunca teve sequer uma advertência na sua vida escolar, e eu não estou entendendo nada desta situação. Tenho certeza que Regina ficaria igualmente chateada. Eu quero saber o seu lado da história então me escreva imediatamente ou eu irei buscá-la. Do seu padrinho. Arthur."

  Eu chorei litros depois de ler isto. Ele nunca tinha sido tão frio comigo e havia me chamado de Hannah mesmo sabendo que eu não gostava. Mas a pior parte era ter que contar o meu lado da história. Desculpe padrinho, eu estava apenas treinando magia numa terra chamada Aurora e não fui cuidadosa o suficiente, pois perceberam a minha ausência. E depois eu dormi na aula e a diretora que me detesta por namorar o filho dela me deu uma advertência por desrespeito ao professor.
Acho que ele não entenderia.
Depois de chorar um pouco mais, eu comecei a digitar.
  "Padrinho, estou com saudades. Aconteceram muitas coisas aqui, eu tive alguns problemas, mas acho que eu não devo falar os motivos. Não queria preocupá-lo, peço desculpas. Mas vou tentar mudar o meu comportamento e também melhorar as minhas notas.
Eu te amo. Melissa. "
  Eu chorei mais um pouco e desliguei o computador. Ele não ia ficar feliz, mas teria que entender.
  Fui para o dormitório no limite do meu horário, após um sábado inteiro de estudo no qual eu me inteirei sobre alguns conteúdos e não posso dizer que foi difícil, foi apenas maçante. E quando achei que ia ficar sozinha, eu vi alguns tufos de cabelos loiros no final de uma das camas.
  − Tiffany...
Ela se mexeu um pouquinho e olhou para mim. Parecia estar com sono.
  − Melissa, olá!
Sua voz estava um pouco fraca. E ela estava com olheiras.
  − Você está bem? – perguntei enquanto guardava o meu material no armário.
  − Sim, eu estou bem. − ela se sentou com um pouco de dificuldade. − É apenas que... eu estou triste porque tive uma discussão com os meus pais e, bem... − um brilho triste encheu o seu olhar. − eu não queria falar sobre isso.
  Eu me aproximei enquanto ela olhou para baixo constrangida.
  − Não se preocupe, nós podemos falar sobre outra coisa.

  Os finais de semana geralmente eram tristes para mim, pois era quando todo mundo ia para a sua família e eu ficava sozinha no colégio. Havia alguns órfãos que ficavam aqui também e desde que Janish e eu começamos a namorar, ele passou a ficar comigo todos os fins de semana, exceto esse. Mas mesmo com a presença dele eu me sentia triste e às vezes não conseguia esconder. Era doloroso pensar que todo mundo tinha uma família e que eu não tinha mais a minha. Que eu nunca mais ia chegar em casa e ver a minha mãe, que eu nunca mais ia poder ver o meu pai e sentir o mesmo amor que eu sentia quando criança, e que por hora eu estava impedida de ver o meu padrinho... eu sentia muito a falta dele.

  − Por que o Janish não está aqui esse fim de semana? − ela tirou a minha atenção.
  − Ele tem um compromisso de família amanhã. E a mãe dele insistiu muito para que ele fosse antes.
  − Oh... − ela suspirou − É bonito o que ele faz por você, ficar todos os fins de semana aqui não deve ser fácil.

  Atirei-me na minha cama e puxei os cabelos do meu rosto. Todos os alunos esperavam ansiosamente pelo fim de semana para descansar. Janish devia realmente me amar para fazer isso por mim.
− Você sempre fica aqui, não sente falta da sua família?
− Algumas vezes. − admiti a contragosto. Fechei os meus olhos e comecei a pensar no meu namorado. O que será que ele estaria fazendo? Será que estava pensando em mim? Será que estava com tanta saudade quanto eu? O tempo parecia não passar quando ele estava longe.
  De repente, Tiffany tossiu escandalosamente e desta vez eu não perguntei se ela estava bem. Fui até ela e segurei a sua cabeça enquanto a sua garganta expulsava o que quer que estivesse errado dentro dela. Após uns instantes ela respirou profundamente três vezes seguidas e desmoronou na cama.
  − Definitivamente você não está bem. Venha, eu vou levá-la à enfermaria.
  − Não é necessário... − ela soltou numa voz rouca e entrecortada.
  − Estou vendo que é necessário, Tiffany. − ela tossiu nervosamente para o lado oposto. − Você precisa ir à enfermaria agora.
  Ela fez que sim com a cabeça enquanto tossia mais. Encostei minha mão em seu peito e pude sentir o seu coração batendo acelerado. Eu tinha que chegar logo ao socorro. Ajudei Tiffany a calçar as pantufas e em seguida a levantar. Olhei para ela rapidamente antes de sair.
  − Acho que estou enjoada... − murmurou. Eu realmente não sabia o que fazer.
  − Vamos embora.
  E andamos em direção a enfermaria com o seu braço seguro no meu. Ela contraía os lábios constantemente como se estivesse segurando o vômito, estava um pouco rígida, lenta e seu olhar estava completamente perdido em outro mundo.
  − Já estamos chegando. − assegurei-lhe. Não faltava muito, apenas alguns corredores mais.
Mas algo nos fez parar abruptamente no próximo segundo, assim que dobramos um corredor. Tiffany enrijeceu completamente. Anna estava parada e nos observava um tanto surpresa.
  − O que está acontecendo?
  Havia um brilho quase divertido em seu olhar.
  − Tiffany não está passando bem. Estou acompanhando-a até a ala hospitalar.
  Anna deu um passo á frente e passou o dedo indicador pela bochecha da minha amiga.
  − Mas você não parece mal, querida... Há algo errado com você?
  E incrivelmente ela balançou a cabeça negativamente. Havia algo errado aqui. Soltei o seu braço imediatamente, movida pelo horror daquela situação.
  − Se você está bem, − Anna continuou olhando apenas para Tiffany, me ignorando completamente. − O que está fazendo fora da cama depois do horário?
  Ela ficou completamente estática, nem mesmo um único músculo se movia em seu corpo. O que ela estava fazendo? Era só contar que estava passando muito mal e que precisava de atendimento, não era necessário entrar em choque.
− Você está bem, querida? − Anna perguntou gentilmente. Após alguns segundos, ela finalmente falou:
  − Eu estou bem, diretora. Eu sinto muito. Nós estávamos tentando... tentando sair do colégio. − automaticamente eu a encarei, ainda sem querer acreditar no que estava ouvindo. − Eu sinto muito, só agora percebo o quão errado isso é. Eu sinto muito...
  Senti como se estivesse sendo apunhalada pelas costas. O que ela estava fazendo? Sabia muito bem sobre as minhas duas advertências e sabia que eu não podia ter uma terceira, pois seria a última.
  − Não é verdade! − me forcei a dizer. − Tiffany você estava doente... O que você está fazendo?
  Ela teve a coragem de me olhar fixamente e dizer:
  − Eu estou dizendo apenas a verdade. Me perdoe Melissa, mas eu não consigo fazer isso.
  Balançou a cabeça fortemente em negação. Anna observou a situação por alguns segundos e em seguida falou:
  − Está tudo bem, querida. Eu entendo que você quebrou uma regra da escola e que agora está arrependida. Eu não esperava nunca isso de você. − então seu olhar voltou-se para mim. − É uma pena que eu não possa dizer isso de você senhorita Callaway.
  Mas agora não havia pena em seu olhar, pelo contrário, havia satisfação.
  − Eu volto a dizer que eu não estou quebrando nenhuma regra! Tiffany não estava passando bem, por que não diz a verdade? − gritei incrédula.
  − Estou dizendo a verdade.
  Meus olhos pareceram queimar. Eu queria que eles pegassem fogo porque assim eu acordaria deste sonho ruim, mas isto não aconteceu. Anna fitou-me intensamente apesar da baixa claridade e em seguida disse com um falso pesar:
  − Eu sinto muito senhorita Callaway, mas esta tentativa de sair do colégio se enquadra na sua terceira e última advertência. Você está oficialmente expulsa. − ela se virou para Tiffany. − Apesar de suas boas intenções, irá ganhar a sua primeira advertência. − e falou para mim novamente. − Vá arrumar as suas coisas. Vou fazer com que o seu responsável venha buscá-la pela manhã. Eu espero que tenha aproveitado a sua estadia nesta escola. Espero você amanhã na minha sala para tratar dos últimos assuntos e esperar o seu responsável. Até mais.
  Ela se foi rapidamente como se fosse fumaça. Eu apertei a minha gravata com força... Agora eu podia destruí-la. Muitos pensamentos cruzaram a minha mente, sobre como Tiffany podia ter fingido desta maneira, como seria a reação do meu padrinho, Damian e acima de tudo Janish. O que eu ia fazer?
− Tiffany! − eu gritei quando ela tentou se afastar, apesar do nó que havia em minha garganta. − Eu não entendo porque você fez isso... O que você estava pensando? 
Ela respirou fundo, como se não o fizesse há muito tempo, suas pupilas se dilataram e ela disse:
  − Eu apenas acho que você não merece estar aqui neste colégio. Você não tem nada em comum com as garotas daqui e eu não entendo porque mesmo assim você conseguiu namorar um dos meninos mais desejados desta escola.
  De repente eu senti como se tivesse comido alguma coisa estragada ou sentido um cheiro ruim, meu estômago embrulhou. Era muito difícil acreditar no que eu estava ouvindo. Será que ela tinha inveja de mim, ou mesmo gostava de Janish?
  − Você não tem que achar nada sobre a minha vida, Tiffany! Nem sobre o meu namorado.
  − Você tem razão, Melissa. − ela disse sarcástica. − Eu nunca mais vou precisar achar alguma coisa sobre você ou o seu namorado.
  Ela caminhou a passos largos em direção ao dormitório e eu fiquei realmente sem chão. Toda a escuridão daquele corredor parecia me engolir, eu não conseguia respirar direito, nem pensar direito. Era a minha última noite no colégio. Eu ia voltar para Regina, ficando assim, longe do portal mágico, longe de Aurora e dos meus amigos bruxos, longe de Jess e o que mais me machucava, longe de Janish. Isso não podia acontecer.
  Minhas pernas se moveram sozinhas aceleradas, meu coração batendo desesperado, o sangue queimando as minhas veias, e quando me dei conta eu estava na porta do banheiro feminino. Meu rosto já estava tomado por lágrimas e minhas mãos tremiam sem parar, os meus soluços eram incontroláveis e isso me fazia sentir uma raiva extrema de mim mesma, será que eu tinha que me comportar como um bebê agora? Eu tinha que me controlar para poder pensar em alguma coisa.
A água morna estava quente demais para me acalmar e mesmo assim eu a atirei com violência em meu rosto, esfregando os olhos com força na inútil tentativa de esconder o meu pranto. A cada segundo o meu rosto ficava mais vermelho.
... Neil...
...Mar...
...Janish...
  Todos... Eu não podia perder nenhum deles. Mesmo que eu não quisesse viver depois da morte da minha mãe, o destino havia colocado pessoas maravilhosas no meu caminho, e eu não podia deixar que se fossem tão facilmente. Desliguei a torneira e comecei a pensar. O barulho da água estava me deixando pior. Devia haver um jeito de fugir, de viver sozinha perto do colégio... E pelo menos ficar perto de todos... A goteira me desconcentrou de novo, deslizei meus dedos pela torneira e então eu me dei conta de que já estava completamente fechada, mas o barulho permanecia. Como gotas de água caindo, parando um pouco e caindo de novo. Olhei em volta algumas vezes, e caminhei lentamente para o fundo do banheiro. O som estava vindo do último box, me aproximei devagar e agachei, e quando minha cabeça chegou ao chão, um par de pantufas cor de rosa me olhava divertido. Ainda que não fosse proibido ir ao banheiro à noite, era necessário trazer o cartão de aviso de permissão que ficava com o monitor, ao alcance de todos no dormitório, mas eu não via nenhum cartão aqui.
  − Quem está aí? − perguntei sem pensar. Embora não me importasse tanto agora que eu não era mais uma aluna.
  Os dois pés se elevaram fugindo da minha visão.
  − Pode sair se quiser, eu não vou entregar você.
  Levantei-me de um salto, voltei a pia e apoiei as minhas mãos. Eu estava profundamente enjoada com tudo. A ideia de regressar à Regina me parecia completamente absurda.
  − Oh... Então é você... − eu ouvi atrás de mim. Era Charlotte, a menina órfã que tinha aula de biologia comigo. Ela passava todos os fins de semana no colégio, pois não tinha para onde ir.
  − Você está horrível! − ela disse se aproximando e tocando levemente minha bochecha esquerda. − O que aconteceu?
  Foi então que a única coisa lógica me ocorreu.
  − Charlotte, você tem um celular, não tem?
  − Sim. − ela remexeu no bolso de seu casaco. − Ganhei de presente este ano.
  Logo, o aparelho retangular surgiu em suas mãos.
  − Poderia me emprestar?
  − Oh, sim.
  Charlotte me entregou o aparelho e eu disquei o número, trêmula, com medo de ter memorizado errado. Após três toques, Janish atendeu. Essa talvez fosse a minha última conversa com ele.
  − Janish! − gritei eufórica. Charlotte fez sinais desesperados para que eu baixasse o tom de voz.
  − Melissa! O que aconteceu? − a voz dele estava urgente.
  − Preciso falar com você, eu... − As lágrimas ameaçaram surgir novamente, mas não havia tempo, então eu respirei fundo e continuei:
  − Eu fui expulsa do colégio, e eu vou fugir. Não posso voltar à minha casa, e só queria que você soubesse...
  Minha voz falhou horrivelmente, e eu me dei conta das minhas lágrimas, do olhar assustado de Charlotte, e do silencio do outro lado da linha.
  − Janish! Janish!
  Charlotte pegou o celular enquanto eu tremia apavorada.
  − Desligou. − ela disse baixinho.
  De alguma forma eu sabia que aquele amor não podia ser real.
  Janish.
  O perdi para sempre.

AuroraWhere stories live. Discover now