01 - euphoria

1.6K 173 484
                                    




"Please, don't see: just a boy caught up in dreams and fantasies. Please, see me: reaching out for someone I can't see..."

Adam Levine, Lost Stars


Se pudesse ter escolhido, Jeon não teria acordado naquele dia.

Como em todos os outros, sua governanta despertara-lhe absurdamente cedo para sua higiene matinal, a fim de atender alguma visita inoportuna ou ter que comparecer à uma celebração religiosa. Ele até gostava de cheirar bem, mas não de pessoas ou da igreja. À estas, sua lista de críticas era estratosférica.

Portanto, não era de se espantar que ainda tentasse, após vinte e quatro anos, fingir estar imerso em um sono profundo apenas para evitar a lida com qualquer ser humano. Para sua infelicidade, porém, naquele dia, a ajumma que lhe viu nascer não desistiu de tentar derrubar as pesadas portas duplas com seus braços gordinhos.

─ Jeon-sshi, não adianta fingir que está dormindo! Por favor, apresse-se! As senhoras da Igreja estão aqui!

O rapaz grunhiu, tentando morrer sufocado com o travesseiro. Mal acabara de reafirmar em sua consciência o quanto repugnava contato social... aquela visita indesejada parecia ser o suficiente para estragar o resto de sanidade que ainda possuía.

Sem a menor vontade, abriu a porta para a empregada, que suspirou com alívio e orientou os empregados atrás de si na disposição dos tonéis de água escaldante na banheira de mármore, além de sabonetes e perfumes importados: tudo do bom e do melhor para o proeminente herdeiro tão comentado na cidade.

Jungkook banhou-se com o menor ânimo possível, assim como quase dormiu novamente ao ter seus cabelos repartidos ao meio por Sun Hye. A fricção da escova com seus fios úmidos parecia a única massagem capaz de relaxá-lo em meio à tantas preocupações. Quando chegou à sala, ainda abotoando o último botão do casaco, mal pôde abrir a boca antes que alguém lhe cumprimentasse.

─ Oh, senhor Jeon! Como é bom reencontrá-lo. Há quanto tempo não temos a honra de desfrutar da ilustre presença de vossa senhoria nas ruas da cidade, não é mesmo, senhoras? ─ A líder do grupo, uma mulher de cabelos cor de caramelo, anunciou em sua voz costumeiramente escandalosa. A agitação de seus braços cobertos por pérolas logo arrancou, enfim, a atenção das mulheres restantes da decoração da sala e dos aperitivos servidos à frente delas.

Ouviram-se murmúrios galanteadores em resposta, mas Jeon era conhecido por não ter paciência para tais amabilidades, principalmente às seis e meia da manhã. Cumprimentando à todas, portanto, e dispondo-se elegantemente no sofá confortável de sua casa, não pôde evitar transparecer sua impaciência quando questionou, do modo mais cordial possível, o que pretendiam com aquela visita (não tão inesperada assim, porque Jungkook sabia que, hora ou outra, elas apareceriam).

Depois da morte dos pais, teve visitas praticamente todos os dias. Mal conseguia dormir no intervalo entre uma e outra, ocupado fosse analisando as finanças que agora lhe cabiam, dando atenção aos que vinham lhe prestar condolências ou tratando de negócios com os advogados. Sendo um homem introspectivo, era de suma importância para ele ter momentos sozinho, fosse para ler um livro, escrever ou apenas fitar o vazio, sua mente de alguma maneira descansando entre tantos pensamentos.

Tudo o que ele desejava era esconder-se sob um cobertor macio, cheirando alguma peça de roupa da mãe e tentando em vão esquecer da face pálida, fria e dos lábios roxos do pai, mas nada disso foi possível. O pior, contudo, era não sentir que as pessoas realmente compreendiam sua dor. Como poderiam? E como conseguiria ele explicar? Era como se houvessem arrancado seu coração do peito, sem suturar, sem ópio para anestesiar. Haviam partido as duas pessoas que mais amava no mundo. De que jeito poderia explicar isso sem cair aos prantos na frente daqueles desconhecidos, Jeon desconhecia.

reaching out for someone I can't see [jikook]Onde histórias criam vida. Descubra agora