Prólogo

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—Adquira já a sua... - meus olhos atingem minhas mãos magras e perfeitamente desenhadas. —Você não pode perder essa promoção... - sinto minha saliva descer pela traqueia com dificuldade, e me lembro que preciso de ajustes em algumas peças. —Tenha sua esposa perfeita, agora mesmo! - meus olhos se voltam para a televisão com o comercial das empresas Perfection's Love.

A imagem das ciborgues, me deixavam receosa do que iria acontecer comigo quando meu criador falecer, devido ao câncer de próstata que descobriu a dois anos.

Ser a primeira criação de um projeto nunca foi a melhor condição de qualquer protótipo. Somos testados, provados, mexidos e copiados, até encontrarem uma fórmula nova e finalmente abandonados.

Então minha atenção se volta ao levar um pequeno susto quando a imagem se apaga e ouço o controle da televisão ser jogado ao chão com força, fazendo o objeto se estilhaçar, e logo é acionado em minhas configurações o modo de limpeza. Elevo meus olhos ao visualizar meu dono e criador Doutor Frankenstein, seu nome sempre me deu pavor depois que descobri a história de terror - pelo menos para mim é de terror - sobre o médico que quis ressuscitar e recauchutar seu irmão morto.

Ele agora está com setenta e oito anos, sua vitalidade não é mais a mesma e o ajudo em tudo o que é possível, lhe faço seu jantar preferido, respondo os e-mails que recebe e o corrijo quando veste suas roupas ao contrário. É uma vida boa, gosto do meu trabalho como sua esposa e criação, mas ele não viverá para sempre, mas eu sim, pelo menos fui programada para tal, a menos que me levem ao cemitério de mulheres.

Um cidade deserta, que hoje carrega esse nome pelo massacre que houve a cem anos, onde mais de um milhão de mulheres foram mortas, nunca chegaram a revelar o número exato, só me lembro que antes disso tudo acontecer, esse lugar tinha como nome New York. Pelas minhas pesquisas, foi uma das cidades mais ricas do país e mais bem desenvolvidas, porém em algum momento entre Março de 2060 e dezembro de 2061, as mulheres começaram a serem caçadas como animais.

Meu criador conta que uma mulher assassinou seu marido por ter a obrigado a se deitar com ele, e isso desencadeou em outras a fazerem o mesmo, devido ao feminismo naquela época influenciar a todas, espalhando o medo entre os homens até que o presidente do Japão emitiu uma lei que nenhuma mulher poderia elevar seu olhar aos homens a menos que lhe fossem permitido.

Quando li essa reportagem havia uma japonesa de joelhos com um bebê nos braços pedindo para que pudessem ajuda-la a comprar leite em pó, pois ela não era permitida adentrar o supermercado.

Naquele dia foi a primeira vez que entendi a razão do doutor ter me criado, mas também entendi que a humanidade estava regredindo com velocidade. 

Então foi um pulo para todos os outros países fazerem o mesmo, restando o Brasil, onde a cultura dava a liberdade as mulheres de fazerem o que quisessem, porém para a segurança delas - e somente depois de saber de toda a história - entendi a razão de não poderem sair de lá.

Se pisam para fora da fronteira, são mortas em segundos.

Desencadeando em mulheres do mundo todo tentarem adentrar o país ilegalmente, mas as fronteiras dos países ao lado não deixavam, e atiravam em cada uma, deixando o Brasil exilado do mundo e se transformando em uma Utopia de um mundo futuro.

Voltando para o presente.

Me levantei para ir até meu marido, ele segurou em meu rosto e me olhou nos olhos, algo que me faz pensar valer a pena minha criação pelo modo como me trata.

—Já disse para não ficar assistindo essas coisas... - fechei os olhos ao senti-lo me beijar levemente e meu sistema entende que ele está gelado, talvez seja medo pelo o que eu possa fazer. —Não quero você tendo outro curto circuito por achar que não merece ser amada! - seguro seus punhos ao ouvir aquela frase e me lembro claramente de seu secretário comentando durante uma reunião que robôs não foram criadas para serem amadas. —O que foi? - observo suas rugas pesadas de expressão ao entender que não gostei do que disse.

A Esposa QualificadaOnde histórias criam vida. Descubra agora