A Esposa Qualificada

3 - Sombras do passado...

O dia na panificadora foi corrido, não tivemos sossego em nenhum momento, e finalmente ouvi diretamente de um dos clientes, a fofoca que Juliet havia mencionado. "Disseram que ela é uma mulher negra, com três metros de altura e consegue voar!" - tive que segurar o riso ao lembrar que Katherine não era uma gigante e nem sabia voar, e o detalhe da cor da pele me deu um certo temor de como a sociedade havia regredido violentamente.

Continuei ouvindo a mesma história até que me deparei com o pai de Carlos - um colega de turma de Juliet - que havia feito o pedido de um bolo para seu filho que iria fazer dezessete como minha menina e comentou algo perturbador.

—Devolvi minha esposa... - elevo as sobrancelhas surpreso enquanto esperava um dos meninos buscar a encomenda. —Ela começou a mencionar a primeira ciborgue da fábrica o dia inteiro, e disseram que é uma falha, e vão tentar repará-la... - ele cessa sua fala ao ter sua encomenda em mãos e me observa por alguns segundos. —Espero que não precise devolver a sua, logo no segundo dia, Walter! - tento parecer triste com a ideia de um erro em minha "esposa" e ele sai satisfeito.

Então resolvo sair mais cedo, havia me esquecido que minha geladeira estava vazia e necessitava abastecer. No caminho ao supermercado rapidamente fiz uma lista mental do que seria necessário comprar, e os alimentos industrializados estavam fora de cogitação, depois que Juliet parou de menstruar por razões da alimentação e descontrole de hormônios, eu tive o cuidado de pesquisar tudo sobre o que o corpo de minhas filhas precisavam. 

Ao passar pela porta do estabelecimento vejo ao longe em um dos caixas uma aglomeração, ignoro e vou direto para a sessão de hortifrúti, ao apanhar tudo que precisava e em alguns outros setores, me direcionei aos caixas, porém todos estavam vazios, observei por algum tempo para ver o que havia acontecido e novamente vi ao longe no último caixa a aglomeração, então me direcionei e travei ao ver o que estava a minha frente.

Era inimaginável o nível do ser humano quando se tratava em ser cruel, e naquele momento eu lembrei de minhas meninas, todos os clientes e os caixas estavam com celulares nas mãos, tablets e maquinas fotográficas apontadas para a cena horrenda.

Uma mulher, não uma perfeita, uma mulher humana estava caída nua da cintura para baixo, com cortes pelas pernas e não se movia, meus olhos se elevaram da cena ao ver ao longe da aglomeração alguns poucos homens que como eu, pelo olhar mostravam a indignação do que acontecia. 

 —O que está havendo aqui? - a voz do gerente ecoa pelo local e a aglomeração abre espaço. —Mais uma rata? Chamem um limp... - segurei firme na alça da cesta em minhas mãos e dei um passo, mas parei, a segurança de minhas filhas necessitava de minha cautela, e vejo um outro homem passar por mim enfurecido que quando estava para atacar o gerente, levou um tiro atrás da cabeça e todos se afastam vendo o corpo cair já sem vida no chão. 

Então o som agudo e ensurdecedor surge, todos procuram tampar seus ouvidos e a imagem de um ciborgue caminhando calmamente em direção aos corpos surge, fazendo cada homem se afastar a passos largos do local. A imagem das linhas azuis que cobriam seus braços, e o lado esquerdo do rosto como se fosse uma tatuagem florescente, evidenciava quem eram eles, a roupa negra e a grande capa branca com detalhes na barra em azul mostrava a tecnologia pesada que carregavam. 

Ele era um Limpador.

Minhas lembranças me atingiram ao recordar a primeira vez que eu havia ouvido o som que anuncia a chegada de um Limpador. Eu tinha acabado de completar oito anos, minha mãe me ajudava a dormir quando ouvimos um som agudo do lado de fora de nossa casa, meu pai entrou correndo no quarto. Sempre sinto minhas bochechas esquentarem ao lembrar que ela somente me deu um beijo na testa e meu pai correu comigo, então tudo escureceu, meu pai havia injetado em minha pele um tranquilizante, para que eu não visse ou ouvisse minha própria mãe ser morta.