Recomeço.

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Catra

Recomeçar não é nada fácil. Parece que estou começando do zero, como se nunca tivesse vivido antes. É como renascer das cinzas.

Espero na calçada em frente a clínica onde passei um ano em reabilitação. Um ano é muita coisa. Tudo pode estar diferente, e definitivamente tenho medo, medo da mudança. Medo de ter sido esquecida, medo do desconhecido. Apenas tenho... Medo.

Suspiro enquanto tento jogar aqueles pensamentos fora, estou recomeçando. Isso é bom. Posso ser alguém diferente, alguém melhor, ou, cometer os mesmos erros de novo e recomeçar novamente. Como um luping.

Um carro se aproxima da calçada aonde estou, conheço muito bem aquela lata velha preta, e não tenho orgulho disso. O carro estaciona, abaixando o vidro e revelando as três criaturas que me encaram com os olhos lacrimejando e sorrisos de orelha a orelha.

- Não diga... - Começo.

- GATA SELVAGEM!

Merda.

- Você voltou - Ela sai do carro e vem me abraçar, mas desvio com sucesso - Como está lindo e magrinha, tem se alimentado bem? Faz tanto tempo...

- Scorpia, vocês vieram me visitar semana passada - Digo revirando os olhos, não entendo toda aquela comoção.

- É o bastante para sentir falta da minha melhor amiga - Ela responde abrindo um sorriso.

- Felina - Torço o nariz, pois odeio esse apelido - Eu e Scorpia planejamos nosso primeiro dia de aula, você está na nossa sala e podemos ir juntas todos o dias - A garota de cabelo roxo diz se aproximando, ela da pequenos pulinhos enquanto bate palmas.

Malucas.

Penso antes de me virar e encarar o homem que dirigia o carro, ele da um sorriso de canto me encarando de volta. Ando até o veículo e me encosto na janela.

- Hey, Markus - Digo abrindo um sorriso atrevido.

- Hey, Catrina - Solto uma risada, aquele apelido é o mais criativo de todos que já recebi. Ele me nomeou assim após ver a bagunça que eu fiz no quarto dele ficando apenas cinco minutos sozinha, e bêbada - Entra, vamos para casa, baby.

Coloco minha bagagem no porta-malas, com a ajuda de Scorpia, e vou até o banco do passageiro, me sentando ao lado de Markus. Ele não mudou muito, até porque o vi mês passado em uma visita. A jaqueta jeans e as tatuagens fazem uma ótima combinação, ornando com seu estilo desajeitado.

Markus vira o rosto e me encara de volta, com um sorriso malicioso e ao mesmo tempo engraçado. Senti saudades disso, dos nossos olhares que falam mais que mil palavras. É o irmão que eu nunca tive, meu melhor amigo e, se eu fosse hétero, seria com certeza meu marido. Não me vejo aturando outro homem por muito tempo, apesar de aturar ele por apenas algumas horas.

Entrapta e Scorpia se sentam no banco de atrás, a menor de cabelos roxos se arrasta para frente, ficando com metade do corpo entre eu e Markus. Ela conecta o celular no som do carro e coloca uma música tranquila para tocar durante o caminho, depois volta para o lugar. Agradeço muito ao universo por termos um gosto parecido para músicas.

Coloco a mão para fora da janela enquanto balanço ela no ritmo da música, sentindo o vento se chocar contra minha pele, Entrapta e Scorpia jogam a cabeça de um lado para o outro enquanto riam delas mesmas. Markus dirige calmamente, cantando e batendo o pé no ritmo.

É incrível e mágico, não precisamos de palavras ou declarações, essa é a nossa forma de demonstrar união. Todos ali, curtindo e cantando, sem se importar com o volume da voz, sem se importar em pagar mico. É só nós e a música. Eu e a minha família.

Esse é um dos momentos mais felizes da minha vida desde que fui internada, estou com as pessoas que amo, sem precisar das satisfações ou carinhos. É só nós e nosso pequeno mundo dentro desse carro.

Eu definitivamente não quero que isso acabe. Eu amo eles e não quero ficar longe, vou melhorar, ou pelo menos vou tentar. Pelo nosso pequeno mundo.

* * *


Markus diminui a velocidade quando entramos na Zona do Medo, um dos bairros mais pobres da cidade de Etheria, e o mais perigoso também.

Não é nada bonito, os prédios mal cuidados e vandalizados. As casas mal pintadas e algumas mal tem telhados. Crianças brincam de pular corda e correr por aí, enquanto os adultos conversam e fumam nas calçadas.

Passamos pelos prédios, chegando na parte residencial, onde moro. As casas, tão mal cuidadas quanto a rua esburacada, The um ar mais sombrio. Após uma hora e quinze minutos desde a clínica, chegamos na minha casa. Ou melhor, chegamos no inferno.

Como sempre, mal cuidada, suja, empoeirada e mil e outras coisas ruins. Realmente odeio esse lugar. Mas infelizmente é aqui aonde eu moro, com a pessoa que mais odeio na minha vida. Minha tia, mais sombria que nossa casa.

Suspiro e crio coragem para sair do carro, os outros fazem o mesmo. Eles me ajudam com as malas e se despedem, com abraços muitos longos, lágrimas desnecessárias e até beijos. Uma cena totalmente ridícula de novela mexicana.

Ao entrar na casa percebo que nada mudou, continua tão desorganizada e suja como antes. Sombria não serve nem para fazer uma faxina. Aquela maldita.

Subo as escadas e vou até o meu quarto, é a primeira porta há esquerda. Abro a mesma, me surpreendo. Meu quarto está limpo e organizado, quase novo se não fosse pelo piso gasto e a parede mal pintada. Dou um pequeno sorriso, sei muito bem que isso é coisa daqueles três idiotas. Os três idiotas que eu faço questão de andar. Jogo minha mala no chão e a mochila em um canto qualquer enquanto caminho lentamente até minha cama, me sentando em seguida.

Como é bom estar de volta, sem piscicólogos, voluntários ou outro viciado suicida que fazia questão de puxar assunto comigo. Só eu e meu doce esconderijo. Olho para a janela do quarto, está aberta e dela tenho uma bela visão da entrada da casa. Estou em casa.

- Chegou cedo, infelizmente - Travo ao ouvir a voz rouca de minha tia, me viro e a encaro. Ela está encostada na porta com braços cruzados e um cigarro na boca, na verdade, aquilo é maconha.

Ela realmente vai usar droga na minha frente? Eu mal sai da reabilitação e essa velha esquelética já quer que eu cometa um homicídio.

- Senti sua falta também - Respondo abrindo um sorriso de canto, não vou deixar ela ganhar. Não dessa vez.

- Se toca, garota. Eu realmente esperava que estivesse morta, se suicidado ou sei lá - Ela responde de forma seca.

- Não foi por falta de tentativa - Respondo sorrindo, apesar de não ser mentira.

- Espero que volte logo para aquele asilo, acha mesmo que vai continuar aqui sem fazer nada?

- Eu não esperava ficar sem fazer nada, mas é uma boa ideia.

Ela franzi e testa irritada e bate o punho na porta, me assustando.

- Você vai voltar com o nosso esquema garota, ou não ficará nesse teto por muito tempo - Ela esbraveja.

- Meu sonho é você me expulsar desse lugar, por que iria me incomodar com essa ameaça?

- Porque da próxima vez que você voltar para o hospital a beira da morte será com garganta cortada e um tiro na testa, garota insolente - Ela concluí e sai do quarto, batendo a porta em seguida.

Suspiro alto e me jogo na cama, encarando o teto.

Não há nada melhor que o nosso lar. Certo?

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⏰ Última atualização: Mar 21, 2024 ⏰

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