Prólogo

63 4 0
                                        

Em algum lugar entre Gévaudan e Vivarais, província de Languedoc, sul da França, 1767.

 

I

Os olhos lacrimejados, o pavor e o medo misturados a dor e ao cansaço. As lágrimas haviam se misturado ao sangue dos lábios ressecados e formado uma mistura homogênea salubre que escorria pelo queixo. O suor, também tão abundante quanto as lágrimas e o líquido da vida, fluíam impiedosamente, fazendo arder as feridas que insistiam em não cicatrizarem. E o pavor no olhar, que outrora fora alegre e esperançoso, nos olhos castanho-avermelhados de uma alma sabedora de seu fim.

Foram longos dias até aquela tarde.

Primeiro a despiram, passando as mãos em seus órgãos genitais, alisando, cutucando, vasculhando em seu corpo os sinais visíveis de seu crime. Não satisfeitos, os inquisidores se dedicaram a alguns minutos de diversão, o que constituía de examinar minuciosamente cada orifício, cada canto de seu corpo, introduzir os dedos em lugares e provocar dor. Violando-a indiscriminadamente. Aquele divertimento sádico era prazeroso para eles.

A seguir puseram-na numa cadeira, amarrando-a com violência e força nos braços e nas pernas da mesma, apertando até dilacerar um pouco a pele, provocando cortes que revelavam a carne branca e filetes de sangue. Ela gritou, o que fez com que seus torturadores rissem ou praguejassem; estes ainda a estapearam, acusando-a daquilo que tanto insistiam que confessasse. O assento estranhamente era pontiagudo, perfurando suas nádegas.

Um dos homens, alto e robusto, rosto severo e marcado por cicatrizes, foi até uma mesa e pegou uma pinça, retornando com um sorriso prazeroso, mostrando para sua vítima o equipamento. Queria que ela temesse e sofresse pelos seus pecados contra a Igreja e imaculada fé cristã; viera de tão longe para isso, somente para encontrar a Fera e se deparara com algo bem mais interessante.

Ele ordenou que um de seus ajudantes segurasse com firmeza o punho direito da acusada, sendo prontamente atendido. Em seguida encostou a ponta da pinça na unha do dedo minguinho, levando-a até a parte que se une a carne, prendendo-a entre o objeto. Com uma puxada brusca, arrancou parte da unha, fazendo a vítima gritar. Não satisfeito, pôs o equipamento no que restou e puxou para cima, agora provocando uma hemorragia ainda maior do que na primeira vez.

 Essa pequena e dolorosa cena se repetiu, com poucas variações, várias vezes, cessando quando não restou mais sequer um pedacinho de unha para ser arrancada, deixando os dedos da acusada cobertos de sangue e ferimentos horríveis.

O torturador acenou para um magricela ruivo, que entendeu que era a sua vez de brincar um pouco. Este foi para a mesa, procurando algo para ser usado. Demorou alguns instantes, pegando por fim um chicote pequeno, de correias de couro duro e com alguns espinhos. Bateu uma vez na mesa, para testar. Seria perfeito!

Próximo da vítima, ele roçou a haste do objeto de tortura nos seios firmes e pálidos, sem qualquer pudor. Passeou com aquilo pelos ombros, pescoço, nuca, costas, braços... De repente uma chicotada e um grito medonho, alto, o sangue descendo pelo ombro esquerdo, escorrendo pelas costas e parte do seio. Outra chicotada, quase no mesmo instante, e o braço também foi coberto de cortes e sangue. Mal a prisioneira se recuperou da segunda chibatada, mais duas seguidas foram dadas, esfolando ainda mais o ombro e o braço.

O homem magro virou-se para seu superior, que assentiu que ele continuasse.

Não usaria mais o chicote. Voltou para a mesa e pegou uma haste metálica com uma das extremidades de madeira. Caminhou até a lareira que ardia naquela sala cedida gentilmente para aquela finalidade, pondo a ponta afiada nas chamas. Enquanto o ferro aquecia, ele gritou para a pobre infeliz, perguntando acerca da Fera.

O Cão NegroOnde histórias criam vida. Descubra agora