1988, Nova York
Era um dia chuvoso, Donna Parker ia para a faculdade de Artes e Música de Nova York.(A&H) Ficava a cinco quarteirões de onde ela morava. Donna vinha saltando as poças de água pela calçada e tentando desviar das gigantescas ondas que os carros faziam. Não posso me sujar, Donna pensava. Era o grande dia de sua apresentação, “estarei no Bolshoi, serei uma incrível bailarina” ela repetia para si tentando tirar todos os pensamentos negativos da cabeça. Ah, como ela amava Nova York, a cidade era como ela: encantadora, misteriosa e fria.
Ela olhava ao seu redor, via aqueles prédios, eram lindos! Via a multidão apressada para os seus afazeres. Olhava para o céu, queria sentir as gotinhas de chuva caindo em seu rosto, mas tinha que manter-se intacta para sua apresentação. Ela corria contra o tempo. 9:45. Nunca vou chegar a tempo, pensou. Donna começou a perfurar todas aquelas pessoas que estavam na calçada, tinha que chegar a tempo, tinha que lutar contra o tempo, tinha que chegar a tempo.
Ela passava pelas pessoas, que eram tão insignificantes como ela naquela imensa cidade, esperava ansiosamente o sinal ficar vermelho para atravessar a rua, quando chegara no quarteirão anterior a faculdade, a única coisa que precisava fazer era atravessar a rua e adentrar o imenso prédio de alvenaria. Vamos, vamos Donna, você consegue. O sinal estava vermelho, então ela apressou os passos para conseguir chegar ao outro lado a tempo. Sem olhar para os lados ela pisou na faixa de pedestre e seguiu em linha reta. Um barulho agudo a assustou, em seguida via-se no chão, sentindo milhares de gotinhas frias caírem em seu rosto. Donna sorriu, mas em seguida lágrimas escorreram pelo seu rosto. Seus negros cabelos contrastavam com as faixas brancas na rodovia.
Eu estou morta?
Uma multidão começou a aglomerar-se ao seu redor, ela reparava em cada um, na mãe que carregava seu filhinho chorando e com os olhos amedrontados; no senhor que estava apressando apenas dando uma olhadinha; nas garotas que levavam seus cachorros para um passeio. Todos com o mesmo olhar, todos com olhos esbugalhados de medo. Alguns choravam, outros apenas repetiam “Meu Deus, ela parece tão jovem”. O velhinho espancava o carro amarelo com sua bengala de madeira e repedia “Coisa do demônio, coisa do demônio”. Donna estava apenas perdida. Que horas eram? Como ela chegaria na A&M? Ela não sentia suas pernas, não sentia seu corpo, sentia algo escorrendo pela sua testa, mas acreditadva que era apenas a água da chuva.
- Eu estou morta? – Donna perguntava.
Logo ela começou a ouvir o barulho de uma ambulância. Faça parar, faça parar. Sua cabeça doía. Logo os homens de branco começaram a pedir espaço para todos que estavam ao redor da pobre bailarina, e todos obedeceram, um a um. Afastavam-se de Donna. Afastavam-se da garota de cabelos negros e olhos tão pretos que pareciam de vidro. Afastavam-se da garota que atravessara uma avenida movimentada no momento errado.
Ela não entendia. Não entendia o motivo de todos a olharem como se ela fosse um monstro, todos a olhavam com medo, com pena, com aversão. Ora, ela não era tão feia. Era delicada como uma boneca, mas feroz como um leão. Ela queria levantar-se e gritar com todos. Ela queria levantar-se e dançar, queria apresentar-se, queria entrar no Bolshoi, queria sentir-se única naquele imenso palco de madeira. Queria sentir as mil borboletas atravessando seu estomago enquanto as cortinas vermelhas de veludo não abriam. Ela queria sentir-se viva.
- Eu estou morta? – Donna voltou a sussurrar enquanto era colocada da ambulância. Eles pareciam nervosos, começaram a tirar uns equipamentos estranhos. Um dos homens deitou sua cabeça em seu peito.
-Nada.
Então ela ouviu um barulhinho de choque. O que era aquilo? O homem esfregou um gel em uma coisa de metal, esperou as luzes do aparelho ficarem verdes, quando ficaram ele aproximou aquela coisa estranha de seu peito e com cuidado tocou-a. Ela assustou-se, sentia como se um raio caísse sobre ela.
- Nada. 1,2,3. Afastem-se.
Novamente sentiu o choque. Ela saltou da maca, sabia a próxima coisa que o médico falaria, sabia que era seu fim. Mas não, não quero ir, não agora. Não posso partir. Ela repetia, repetia e repetia em sua cabeça. Não agora. Mais lágrimas, ela agora estava com frio, começou a tremer, queria uma xícara de chocolate quente, aquele que apenas seu pai fazia. Como era gostoso.
- Eu estou morta? - Perguntou mais uma vez vendo a tristeza no rosto do médico. Ele guardou os aparelhos, tirou seus óculos, limpou o suor de sua testa. Deu uma olhada no relógio e então, com dor em sua voz disse.
- Hora do óbito: 10:00hrs.
Donna Parker fora coberta com um tecido branco.
Ela morreu no dia 9 de setembro de 1988. Atropelada. Pobre garota, ela era tão doce, tão amável. Era amante da vida, aproveitara cada segundo que estivera fora das salas de dança. Quando dançava parecia um anjo, na verdade era um anjo. Ah, Donna era boa demais para ficar neste mundo, então ela partiu. Partiu para um lugar tão bom quanto seu coração.