O tempo dos que não vivem

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Mais uma vez eu me pegava com a atenção dispersa durante a aula, era a última do período, quando cheguei não estava completamente focado, mas a distração de agora não se compara com a leve de início.

Meus olhos se fixavam nos ponteiros do relógio, que aparentavam fazer o seu trabalho lentamente. Depois de uma semana corrida entre provas e apresentações, eu apenas queria finalizar o último dia longe da universidade. Eu só queria achar uma fuga para minha mente, retomar meus planos interrompidos pelos compromissos.

Quando ouço o sinal, fecho meu caderno, o colocando na bolsa junto ao estojo. Ao contrário dos meus colegas, apesar de estar desejando sair deste ambiente, caminho paciente até a porta, sentido um corpo apressado esbarrar ao meu, impedindo a saída de ambos.

-Me desculpe... - a garota murmura.

-Tudo bem... Pode passar. - estendo a mão dando espaço.

Sigo pelas ruas de Seul, sentindo a brisa levar meus cabelos enquanto o tímido sol toca a minha pele. Durante outros dias eu costumava sair mais apressadamente, quase sempre atrasado para os ensaios, ou então, nem ao menos saía do prédio em que estudo durante a luz do dia, já que em alguns dias eu tinha aula até o final da tarde e em outros eu ficava na biblioteca aperfeiçoando meus estudos.

Por um momento, tento retomar o meu trajeto em mente, percebendo que não havia um destino em vista, hoje eu tinha a liberdade em fazer o resto do meu dia. Ao retomar meus afazeres secundários, me lembro do livro esquecido há alguns dias em minha bolsa; ele era minha prioridade.

Opto por ficar ao meio do caminho, sentando em uma das partes do Han River Park, encostado em uma das árvores e usufruindo de sua sombra. Eu poderia finalizá-lo em casa, porém não daria a mesma atenção, tendo que dividir o foco entre suas palavras e o barulho dos presentes no local.

Paro por um momento, sentindo o ar puro entrar por minhas narinas, esvaziando minha mente e me abrindo para as novas palavras que aquele livro me traria. Desde que o aluguei, me pego reelendo algumas cartas, antes mesmo de seguir para as próximas.

Quando ele me acertou na biblioteca, não imaginei que a luz que ele traria era um pouco além, mas que mesmo assim partia de mim. Retiro da minha bolsa a coletânea de cartas, que entre a capa bege, com suas bordas em detalhes dourados e folhas amareladas, guardava grandes verdades sobre a humanidade. Amissa Lumina, me parecia apenas um nome de impacto, ao qual os autores usam para atrair leitores, mas fielmente cada carta trazia uma luz perdida, fazendo jus ao seu nome.

Corro com meus dedos entre as páginas, em busca da página marcada, a que daria início à uma nova carta. Acima dela vejo o nome que a intitulava "O tempo dos que não vivem". Tento tirar uma breve prévia do que viria, pensando apenas em seu nome; a única coisa que me vem são as possíveis críticas dos avanços que vivemos.

" 03 de abril de 2012,

Ao olhar para você, para o nosso passado, após tantas decepções, e tentar me reconstruir na dor, eu percebi como o mundo é feito de prefácios. No mundo atual, ouve-se muito dizer, principalmente em tempos de guerra e sofrimento, que nada é capaz de vencer o amor. O amor vence tudo, dizem que toda dor é capaz de ser vencida quando se existe algum amor. Outros afirmam que estar vivo é amar, ou ter algo ao qual se busca amar.

Aquele pequeno e estrondoso sentimento, segundo muitas bocas inocentes, é o grande responsável por reger as coisas do mundo as quais são inocentes demais para perceber que; o amor pode vencer quase tudo, menos o tempo.

Assim chegamos à quem se esconde por trás de todo controle do mundo: o tempo. Aquele que nos venceu. "

Por um momento, ao iniciar o primeiro parágrafo, eu tinha quase certeza de que estava lendo apenas uma carta de amor, baseada nas afirmações clichês que tanto ouvi em diversos dias. Mas no fundo eu queria acreditar que em algum momento eu estaria errado, felizmente estou, mais uma vez caindo em algo mais profundo que um clichê superficial.

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