oitavo

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Duas semanas se passaram e não consegui olhar para Cloe sem a culpa me matar por dentro.

Minha vida nunca foi a das melhores, e eu diria que é demais para uma garota de vinte e um anos.

Nasci em uma família considerada rica. E mesmo com o dinheiro da minha família — que é um dos requisitos para ter respeito aqui nessa cidade —, sempre fui rebaixada pela minha cor da pele. Sempre senti muito orgulho do meu pai por ter conquistado seu dinheiro com o estudo e o suor do seu trabalho. Eu e minha mãe nunca nos damos bem, e sei que meu pai só a suportava por minha causa.

Quando fiz dezesseis anos, recebi a notícia de que meu pai morreu em um acidente de carro. A batida foi fatal. O testamento estava guardado e o advogado de confiança de meu pai disse que ele seria lido no momento certo.

No ano seguinte, comecei a namorar. Tínhamos completado cinco meses de namoro e havíamos brigado porque eu não me sentia pronta para me entregar a ele. Eu, ingênua, fui até o apartamento dele pedir desculpas e dizer que estou pronta. Fui até seu quarto e o encontrei transando com uma conhecida minha. Paralisei com aquela cena e o que restou de mim morreu, me tornando vazia.

Quando completei dezoito anos, o advogado de meu pai chamou minha mãe e eu para ler o testamento deixado por ele. Toda sua herança ficou para mim, deixando apenas uma casa para minha mãe.

Ela surtou, e quis até me matar. Não me rebaixei e a mandei embora. Nunca a considerei uma mãe e minha consciência nunca pesou por este motivo.

Me formei e o vazio em mim nunca foi preenchido, mesmo com Cloe ao meu lado.

Comecei a frequentar bares, festas, comecei a beber muito e nem procurei uma faculdade.

Tudo para tentar preencher esse vazio.

Tive um coma alcoólico e tive que me tratar, foi uma das piores fases da minha vida e Cloe me ajudou a me reerguer.

Mas esse vazio está cada vez maior. Tornando tudo em mim um breu.

Nessas duas semanas, eu não fui as aulas. Estou pensando em trancar a faculdade.

Estou em meu sofá quando ouça alguém abrir a porta com força.

Olho em na direção da porta e dou de cara com a Cloe enfurecida com lágrimas nos olhos.

Merda.

—Como você pôde fazer isso, Charlie? — gritou.

Eu sabia exatamente do que ela está falando.

—Ele te contou, não foi? — me pus de pé, sem alterar meu tom de voz.

—Eu confiei em você, sua vadia! — ela se aproximou de mim, me olhando nos olhos e apontando o dedo em minha cara — Você viu que eu me apaixonei por ele! E ainda teve a coragem de fazer uma coisa dessas!

—Me perdoa...

Não pude terminar a frase, eu só senti sua mão em contato com o meu rosto.

A culpa se tornou raiva.

—Você pode me xingar, apontar o seu dedo na minha cara — disse em um tom baixo — Mas não admito que bata em meu rosto.

—Pensasse nisso antes de agir como uma vagabunda — ela bateu a porta e foi embora.

●●●

No dia seguinte eu não tive forças para sair da cama. Eu nunca me senti tão lixo.

Como eu pude magoar a minha única família? A única pessoa que esteve no meu lado por estes anos que passei no fundo do poço, que cuidou de mim e não me abandonou quando precisei.

Agora eu estou sozinha no mundo.

Eu chorei, e muito. Precisava pôr toda essa dor para fora. Não vou ser fraca e me deixar leva pela bebida, quase morri por isso e alguma promessa que fiz para Cloe eu teria que manter.

Já são seis horas da tarde e minha campainha toca. Pensei em fingir que não estava em casa e me manter deitada na cama, mas a pessoa grita:

— Eu sei que está em casa, Charlie! — é Stephan — Abre a porta, por favor!

Contra a minha vontade, me levantei e fui atender a porta.

Ele está tão abatido quando eu. Suas olheiras estão fundas e ele não teve o mínimo cuidado com o seu cabelo, que está preso em uma rabo de cavalo mal feito.

— Você está... — não consegui terminar minha pergunta, ele me abraçou tão forte que fiquei sem ar.

Ele chorou, e não foi pouco.

O fiz sentar no sofá e contar como contou tudo a ela.

— Minha consciência pesou. Eu não conseguia dormir sabendo que estou namorando com ela e apaixonado por você — meu coração deu um salto. Esta declaração me pegou realmente de surpresa — Eu contei tudo que aconteceu entre a gente a ela e fui sincero em relação aos meus sentimentos.

—O que você disse?

— Que oque sinto por ela é um carinho muito grande, e na noite que nos beijamos pela primeira vez eu tive a certeza que estou apaixonado por você.

— Você continuou com Cloe.

— Eu não queria acreditar nisso. Nosso relacionamento estava bem, e...

— Tudo bem — o cortei — Não posso te cobrar nada. Por que veio?

—Eu quero saber o que você sente por mim.

—Eu não sei... Talvez eu esteja apaixonada sim — admiti. Falar sobre sentimentos nunca foi um ponto forte meu — Mas nós não podemos ter nada.

—Por que não? Oque sentimos um pelo outro é real — senti a incerteza na sua voz.

—Eu sei, mas tem a Cloe...

—Ela não pode interferir no nós temos.

—Mas eu acabei com oque ela tinha.

Ele bufou e deitou sua cabeça em meu colo.

—O que vamos fazer? Não quero ficar longe de você.

Eu não respondi, apenas apreciei sua presença e pensei em como realmente resolver essa situação.

●●●

Não vou conseguir viver mais aqui. Tudo me faz me sentir um lixo.

Pode parecer drama, eu sei. Mas minha mente já é fodida o suficiente, como uma bomba; a qualquer momento pode surtar e explodir.

Preciso ir embora daqui o quanto antes.

Comprei uma passagem para Portugal. Fiz um bom investimento com a herança de meu pai e consegui comprar uma casa e como já tinha um visto visto de cidadão, não foi difícil. Nessa mesma manhã fui até a faculdade para trancar o curso, e quando já estava indo embora encontrei Cloe.

Nossos olhares se encontram e nos encaramos por um tempo. Desviei o olhar e fui para casa fazer as malas; meu vôo é amanhã de manhã.

Eu preciso me despedir deles e decidi escrever uma carta para Cloe.

Espero que funcione.

●●●

Já estou no táxi indo em direção ao aeroporto. Entreguei a carta e espero que de alguma forma a ajude
entender o meu lado.

Paguei o taxista e saí do carro. Aguardei meu vôo com um aperto no coração, esta viagem irá me fazer bem — eu acho.

AdulteryOnde histórias criam vida. Descubra agora