Préfacio

419 33 15
                                    


existem dias que sinto meu coração explodir. são neles que percebo o quanto essa situação pode ser natural ou aterrorizante. nos dias em que meu coração explodia eu tentava perceber em qual forma ele estava tentando me dizer que algo estava acontecendo. seja no amor ou na ansiedade.

a pequena menina que começou a escrever livros aos treze anos quando os pais se separaram viu a grande trajetória dela mesma. sobre se amar se odiar se amar se odiar. lembrar dela antes da escrita é quase impossível e muito cruel porque a vida só começou a surgir quando as palavras me agarraram.

com treze anos tive meus primeiros descobrimentos sobre dor. a dor sobre ser surrada apedrejada diminuída. pelo tamanho pela cor pelo cabelo que faziam voltas e voltas e voltas. por ser romântica por chorar por não ter o corpo da moda. pela minha bunda caber na minha própria mão e pelo meus seios não serem visto da outra esquina. a dor me levou pelo caminho do descobrimento e entendimento sobre crueldade e pessoas ruins não empáticas frias e desprezíveis.

numa tarde eu era a menina rodeada por amigos que amava a graça a doçura a risada. a noite se transformava na pior que poderia existir. entre o lixo e o amparo.

mas aos treze rumo até os quinze vivi uma relação de amor que me viu no escuro. quando todos os outros falaram que eu era incapaz de ser uma boa mulher apenas por não poder entregar a eles o que a sociedade queria. pela minha cor ser sempre colocada de lado. pelos racistas nunca se acharem racistas. pelos brancos acharem que sofriam pela cor. por não aceitarem que esse racismo só existiria se voltássemos para os tempos de escravidão e os brancos fossem os escravos injustiçados. a minha pele conta história.

esse amor me viu oprimida e dançou comigo quando eu não entendia nada sobre música. nem sobre melodia. e pela primeira vez na vida comecei a conhecer sobre o medo. a batida na porta acontece e não abrimos porque algum ladrão poderia entrar e roubar nosso coração. ninguém quer que ninguém roube algo que construímos e resistimos para ter. seja ele o mais frio ou o mais doce que alguma boca poderia provar.

fugi sem fim para não afirmar minhas mais concretas afirmações. aos dezesseis tive o confronto comigo mesma e cai ao mais fundo do poço. não me queria mais. amava o homem que me criou. via a força nos olhos dele pra me reconstruir mas simplesmente não conseguia. olhar para tudo que era se tornou doloroso assustador. por ter sido assediada e ninguém ter acreditado em mim. por esse acontecimento ter me enfraquecido a ponto de querer fugir sem olhar pra trás. os que se diziam pessoas do peito se afastaram porque concretizaram que eu era mais triste do que feliz. como iria sorrir sem sentir vontade. como iria recriminar uma deusa que não queria ser. perdi amigos que não me queriam. eu não me queria. quase foi o fim. mas em uma pequena noite vendo um filme em que o final a menina ficava sozinha. me sentindo mais sozinha também. quis não ser a melhor da melhor da melhor. mas ser a mulher doce do meu sobrenome. então foi naquela noite que o primeiro texto sobre sentimento foi escrito. ali achei a minha forma de curar. de me sentir um pouco melhor com esse mundo atualizado que começou a achar que a forma de cura é remédio bebida sexo. da cura ser associada ao mesmo contexto de uma pausa. de querermos fugir do mais natural que pode nos curar. o amor. amor por alguém. amor por conexão. amor por amizade. amor por si mesmo. amor por outras mulheres. amor dos homens com nós mesmas. sem as abreviações sobre sempre deixar claro que eles tem o poder de nos separar. diminuir. nos tratar como o fim de uma festa. como uma última noite. só penso porque ainda damos tanto poder a eles de fazerem isso.

curei algumas partes mas as cicatrizes cresceram fortes humanas verdadeiras dentro de mim. comecei a viver com medo mas vivendo. viver é seguir não importa como. aos choros ou sorrisos. sempre com a escrita ao meu lado. sonhando em meus textos de uma adolescente surrada espantada nada corajosa e triste. virar um livro em um futuro próximo.

A Rosa Me ContouOnde histórias criam vida. Descubra agora