RPG

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Até onde exatamente alguém pode chegar? Afinal, há um lugar onde os sentimentos se materializam e se tornam algo verdadeiramente lidavel?

O vazio é um caminho quase sem volta. É escuro e difícil de discernir.

Erick, a essa altura, tentava lembrar o que fez chegar até alí. Mesmo que estar ali ainda não fosse real em sua concepção.

Era como admitir algo que sempre temeu: o descontrole.

-Senhor Erickson?

Alguém chamou e ele despertou.

Olhou em volta, estava sentado numa cadeira preta, em uma sala arejada e fria.

Uma mulher, que vestia algo social, o encarava atentamente.

-Desculpa? -Ele respondeu.

-Estamos aqui há... -Ela olhou o relógio. Parecia saber exatamente a quantidade de minutos, mas preferia verificar. -47 minutos. E o senhor me pareceu distante. No que estava pensando?

-Eu... Eu... -Não que estava pensando? -Não sei exatamente... Desculpe-me, mas... Por que eu estou aqui?

-O senhor decidiu vir, senhor Erickson, não lembra?

Ele forçou a memória.

-Sim.. claro.

E lembrou.

Há um dia atrás, logo depois que havia sido beijado e abandonando no mesmo minuto, Erickson recebeu uma ligação do seu advogado, havia uma intimação que pedia uma audiência para exigir a guarda do Cody, isso por que a sua sogra não o considerava apto para criar uma criança, sozinho.

-A reunião vai começar em 30 minutos, senhor. -Naquele dia Ingrid entrou em sua sala para avisar.

Mas não foi uma boa reunião, os acionistas duvidaram das propostas, e negaram um contrato. Isso custou a validez da gestão de Erickson.

A questão é que, naquele momento, todos estavam cobrando dele alguma solução.

Madson aproveitou a situação para humilha-lo ainda mais. E, voilà, o que Erickson tanto temia: o descontrole.

Depois de socar a cara do Madson, ele derrubou a máquina de café, e arremessou longe um dos computadores.

Estava todo mundo chocado.

Aquele homem não era quem costumavam ver.

No final da tarde Todd subiu até o terraço.

Estava entardecendo e o céu estava demansiadamente alaranjado.

Erickson estava parado ao parapeito.

-Dia difícil, amigão?

-É, parece que sim.

-Eu sei o que está se passando na sua cabeça, cara. Eu te conheço. Somos amigos a um tempão...

-Nos conhecemos há uns seis meses.

-Exatamente! Olha, eu sei que pra você situações como essa soam aterrorizante. Mas todo mundo tem um dia como esse. Semana passada eu joguei o meu sapato no vidro do carro da senhora Finth, uma velha de 70 anos. É... Eu sei... Mas eu não estava no meu melhor dia. Acontece. Mas não podemos sofrer por causa disso. Somos humanos. Perdemos o controle de vez em quando.

-É só que... Ah! -Era irritante falar aquilo. -Esse tipo de coisa não acontece comigo. Eu não posso deixar que aconteça.

-Por que não faz o seguinte... -Todd lhe entregou um cartão. -Liga pra esse número, talvez ela possa te ajudar.

E lá estava Erickson. De frente para a Psicóloga Caren.

E, afinal de contas, era até tranquilo estar ali.

Erickson não conversava daquela maneira a um bom tempo.

Então, o que poderia ser ruim?

E algo ruim aconteceu.

O diagnóstico.

-Ansiedade e depressão? -Ele parou o carro no sinal. Dizia para se mesmo, com indignação. -Eu não tenho Ansiedade, e muito menos depressão. Psicologia é papo furado...

Alguém buzinou lá atrás, o sinal já estava aberto.

Quando chegou em casa, Cody estava sentado no sofá. O garoto largou o jogo e se apoio sobre o encosto. Curioso.

-E então? -Perguntou.

-Não vamos conversar sobre isso. -Erickson respondeu, frio e breve. E passou direto.

O garoto, frustrado, voltou a sentar e a jogar.

No final da tarde Cody foi até a cozinha, Erick estava sentado no chão, defronte ao janelão de vidro.

Ele sentou ao lado.

-Pai?... -Cody disse depois de um tempo, a vozinha baixa e assutada. -Vai ficar tudo bem?

Foi quando Erickson parou na estação. Onde ele não podia chorar tanto, e nem se preocupar tanto. Era o lugar onde ele precisava fazer Cody se sentir bem.

-O que? É claro que vai!

-O senhor vai morrer?

-Morrer? Cody! Não vou morrer. A minha saúde é ótima.

-Nas séries, quando as pessoas vão no médico e voltam tristes é por que estão morrendo...

-Fui ao psicólogo, não são médicos de verdade... Quer dizer, são! Mas não esse tipo de médico.

-E o que você tem?

Ansiedade e depressão...

-Eu não sei filho... Parece que eu tenho andado um pouco... Triste e cansado... Ultimamente.

-Hum... -O garoto abaixou a cabeça, pensativo. -Eu também estive triste...

-Esteve?

-Humrum... Mas eu sei como melhorar a sua mente, é fácil.

Erick riu um pouco. Não tem sido tão "fácil" assim para a medicina.

-Me conte.

-RPG.

-Um jogo online?

-Funciona 89% das vezes pra mim...

-Cody, eu não tenho tempo para jogos online, sou um homem adulto.

-Bom, só estou te dando uma alternativa. Não estou te obrigando nem nada. Só estou dizendo que funciona comigo. Me ajuda a ficar menos triste, é só isso... -Cody levantou. -Eu posso te ensinar se quiser.

-Eu vou pensar, ok.

Cody o abraçou.

-Vai ficar tudo bem. -Disse.

-Vai ficar tudo bem.

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⏰ Última atualização: Jun 02, 2021 ⏰

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