Capítulo 2 - Julien

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     Não adianta o quanto eu diga aos meus pais que não gosto desses bailes, de que me sinto igual a peru no Natal, todos esperando a hora de comê-lo. Sorrio da comparação. Mon Dieu! Se eu tiver de suportar mais uma mãe querendo que eu dance com a filha dela, não sei do que sou capaz.

     Consegui me livrar de um, alegando estar cansado demais. Pudera! Passei o dia andando de um lado para o outro, com meu pai; havia muitos negócios a fechar aqui em Londres, antes de retornarmos.

     Meu pai tem uma famosa vinícola ao Norte da França, onde produz vinho e champanhe. Negócio que ele já herdou do seu pai, e que vai passar para mim, então faz questão de que eu vá e aprenda a negociar com ele. "Nous ne devons pas être des idiots, l'emonde appartient aux intelligents." Assim, ele costuma falar. Traduzindo: não devemos ser idiotas, o mundo pertence aos inteligentes. Ele é um ótimo negociante, por isso os negócios da família só fazem crescer.

     Eu sou o filho mais velho e herdeiro de tudo, embora tenha outros dois irmãos mais novos, ainda crianças, e uma irmã, depois de mim, que ainda não está na idade de frequentar os bailes; por isso, cabe a mim, acompanhar meus pais.

     Estamos na carruagem indo à mansão Woodhouse e meu pensamento me transporta ao último baile, mais precisamente à moça que esbarrou comigo e me deixou plantado sem maiores explicações. Eu iria perguntar se ela estava bem, pois ela aparentava estar sentindo algo, mas logo que saiu de perto de mim, fui 'engolido' por diversas pessoas querendo me conhecer, outras dizendo que tinham me visto pequeno, da última vez que estive em Londres. Eu apenas sorria forçadamente, sendo gentil, como maman tanto me instruia, mas a vontade era de sair correndo.

     Quando dou por mim, a carruagem para e Jean, o lacaio, já estava a postos na porta nos esperando descer.

     Ao lhe cruzar, ele me deu um sorriso cúmplice; Jean sempre foi meu amigo íntimo. Crescemos juntos, brincando pelo vinhedo. O seu pai trabalhava para o meu, assim como seu avô trabalhava para o meu.

     - Profiter la soirée. - Ouço Jean dizer para aproveitar a noite. Olho de cara feia para ele, fazendo-o alargar ainda mais o sorriso, debochando, pois sabia como odeio tudo isto.

     Ao adentrar o salão com meus pais, ouço o alvoroço das senhoras e damas, rindo, divertindo-se; Lordes conversando sobre suas conquistas ou caças. Rodeio o salão com o olhar procurando a senhorita do último baile. Gostaria de saber se ficou tudo bem. Ela não pareceu saber quem eu era, ou se importar com o fato, diferentemente das demais jovens, sempre com olhares provocadores. Sinto-me uma espécie de prêmio o qual todas estão disputando; sinto-me mal, só em pensar.

     Na França, eu consigo me livrar desses bailes, ou quando não tenho escolha, fujo para algum lugar menos agitado, com alguns amigos para bebermos, ou até me juntar ao Jean na cocheira, onde ele sempre fica.

     Quando me afasto dos meus pais, avisto-a, enfim, sentada ao fundo do salão, ao lado de outra moça. A única que não parece estar me chamado com o olhar. Percebo-a me olhando e logo ela desvia o olhar. "Será que se lembra que quase me derruba, na outra noite?" Penso querendo sorrir com a lembrança. Decido caminhar até ela para cumprimentá-la, afinal é um rosto conhecido, quem sabe a noite possa ficar agradável.

     Não pude deixar de notar um certo charme no seu jeito desajeitado e na maneira como me olhou timidamente. Ela não tem uma beleza imponente como algumas francesas que conheço ou até algumas inglesas que estão neste salão, mas algo nela me faz querer conhecê-la melhor.

     Caminho decidido: irei me apresentar! Quem sabe, encontro uma agradável companhia, neste turbilhão de damas espevitadas? Mas, várias senhoras vêm me cumprimentar, me impedindo de chegar logo ao meu destino.

     Quando, enfim, consigo me desvencilhar delas, um Lorde que não me lembro do nome, mas sei que é conhecido du mon papa, me para.

     - Monsenhor D'Avignon! Mas que plaisir, enfin, vous connaître! - fala em um francês improvisado, dizendo que é um prazer, enfim, me conhecer; alto o suficiente para chamar atenção das pessoas que passam ao meu redor. Para quem queria passar despercebido, nesta noite, estou realmente fracassando, constato chateado.

     Ele se apresenta como Sr. Turner, amigo de negócios do meu pai. Diz que gostaria de me apresentar à sua família, que me conheceu criança e que eu tinha me tornado um cavalheiro bem afeiçoado. "Um bom partido". Desconfio que esteja querendo me cotar para alguma de suas filhas. São três em idade de casar, segundo ele. O que há com esta sociedade inglesa que estão todos querendo casar suas filhas comigo? Onde estão os outros nobres solteiros? Talvez escondendo-se dessas famílias caça dotes, imagino. Tenho vontade de sorrir com o pensamento.

     Despeço-me de Sr. Turner antes que ele me prometa uma de suas filhas, alegando estar precisando de um refresco e continuo andando. A uns três metros de distância do meu destino, paro. Será que devo falar com ela agora? Penso. Ela levanta o olhar e me vê. Encara-me, reconhecendo-me, acredito; dando-me confiança de seguir, mas no mesmo instante desvia o olhar e toda a coragem se esvai, algo em mim diz que não devo incomodá-la. Talvez ela não queira minha aproximação; talvez seja melhor assim.

     A senhorita ao seu lado parece empolgada com algo que está falando, ao ponto de tirar a sua atenção, voltada a um detalhe em seu vestido. Olho na direção em que elas estão olhando, para saber o motivo do divertimento e vejo uma loira, encarando-me. Não pude deixar de notar sua beleza. Com sua roupa elegante e seus longos cabelos cor de trigo, ela parece me chamar com o olhar. Engulo em seco. Realmente preciso de um refresco. Eu sabia que não era uma boa ideia vir. Ando em direção à mesa, onde estão as bebidas que, por coincidência, ficam na mesma direção da loira, mas sem olhar para ela, passo direto. Como está quente aqui!

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