Quando Lalino Salãthiel, atravessado o arraial, chegou em casa do espanhol, já estava cansado de inventar espírito, pois só com boas respostas é que ia podendo enfrentar as interpelações e as chufas do pessoal.
— Eta, gente! Já estavam mesmo com saudade de mim... Ramiro viu-o da janela, e sumiu- se lá dentro.
Foi amoitar a Ritinha e pegar arma de fogo... — Lalino pensou. Já o outro assomava à porta, que, por sinal, fechou meticulosamente atrás de si. E caminhou para o meio da estrada, pálido, torcendo o bigode de pontas centrípetas.— Com’passou, seu Ramiro? Bem?
— Bem, graças... O senhor a que vem?... Não disse que não voltava nunca mais?... Que pretende fazer aqui?
—Tive de vir, e aproveitei para lhe trazer o seu dinheiro, pa ra lhe pagar... (Ainda bem! — o espanhol respira. — Então, ele não veio para desnegociar.)
— Mas, não é nada... Não é necessário. Nada tem que me pagar... Em vista de certos acontecidos, como o senhor deve saber.., eu... Bem, se veio só por isso, não me deve mais nada, caramba!
(Agora é Lalino — que não tem tostão no bolso — quem se soluciona:)
— Bem, se o senhor dá a conta por liquidada, eu lhe pego da palavra, porque “sal da seca é que engorda o gado!.. .“ O dinheiro estava aqui na algibeira, mas, já que está tudo quites, acabou-se. Não sou homem soberbo!... Mas, olha aqui, espanhol: eu não tenho combinado nenhum com você, ouviu?! Tenho compromisso com ninguém!
— Mas, certo o senhor Eulálio não vai a quedar-se residindo aqui, não é verdade? Ao melhor, pelo visto, estou seguro de que o senhor se vai...
— Que nada, seu espanhol... Não tenho que dar satisfação a ninguém, tenho?... E agora, outra coisa: eu quero-porque-quero conversar com a Ritinha!
Lalino batera a mão no cinturão, na coronha do revólver, como por algum mal, e estava com os olhos nos do outro, fincados. Mas, para surpresa, o espanhol aquiesceu:
— Pois não, senhor Eulálio. Comigo perto, consinto... Mas não lhe aproveita, que ela não o quer ver nem em pinturas!
Lalino titubeia. Decerto, se o Ramiro está tão de acordo, é porque sabe que a Ritinha está impossível mesmo, em piores hojes.
— Qual, resolvi... Bobagem. Quero ver mais a minha mulher também não.., O que eu preciso é do meu violão... Está aí, hem?
— Como queira, senhor Eulálio... Vou buscar o instrumento... Um momentito.
Lalino se põe de cócoras, de costas para a casa, para estar já debochando do espanhol, quando o cujo voltar...— Aqui está, senhor Eulálio. Ninguém lhe buliu. Não se o tirou do encapado... Há mais umas roupas e algumas coisitas suas, de maneiras que... Onde as devo fazer entregar?...
— Depois mando buscar. Não carece de tomar trabalho. Bem, tenho mais nada que conversar. Espera, o senhor está tratando bem da Ritinha? Ahn, não é por nada não. Mas, se eu souber que ela está sendo judiada!... Bem. Até outro dia, espanhol.
— Passe bem, senhor Eulálio. Deus o leve...
Mas Lalino não sabe sumir-se sem executar o seu sestro, o volta-face gaiato:
— Ô espanhol! Quando tu vinha na minha porta, eu te mandava entrar p’ra tomar um café com quitanda, não era?— Oh, senhor Eulálio! Me desculpe... mas...
—Você é tudo, bigodudo!... Não vê que eu estou é arrenegando?!
Sobre o que, Ramiro vê o outro se afastar, sem mais, no gingar, em arte de moleque capadócio.
E talvez Lalino fosse pensando: — Está aí um que está rezando p’ra eu levar sumiço... Eu quisesse, à força, hoje mesmo a Ritinha vinha comigo... E se... Ah, mas tem os outros espanhóis, também... Diabo! É, então vamos ver como é que a abóbora alastra.., e deixa o tiziu mudar as penas, p’ra depois cantar...
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A volta do marido pródigo - Sagarana
Short Story"A volta do marido pródigo", conto do livro Sagarana, por Guimarães Rosa