Correram uns dias, muito calmos, reinando a paz na fazenda, porque o Major teve a sua enxaqueca, e depois o seu mal de próstata. Já sem dores, mas ainda meio perrengue, passava o tempo no côncavo generoso da cadeira-de-lona, com pouco gosto para expansões.
O comando político estava entregue agora quase completa mente a Tio Laudônio, que transitava com pouco alarde e se deitava na cama quando queria pensar melhor. De vez em quando, apenas, vinha comentar qualquer coisa, fazendo o Major enrugar mais a testa e pronunciar um murmúrio de interjeições integérrimas. Mas isso poucas vezes acontecia, por último. Da curva da cadeira, ia o Major para em-frente da cômoda do quarto-de-dormir, e lá ficava, de-pé, armando paciências de baralho — conhecia muitas variedades mas só cultivava uma, prova de alta sabedoria, pois um divertimento desses deve ser mesmo clássico, o mais possível.
Enquanto isso, Lalino Salãthiel pererecava ali por perto, sempre no meio dos capangas, compondo cantigas e recebendo aplausos, porque, como toda espécie de guerreiros, os homens do Major prezavam ter as façanhas rimadas e cantadas públicas.
E, vai então pois então, Lalino teve um momento de fraqueza, e pediu a seu Oscar que procurasse a Ritinha e falasse, e dissesse, mas não dissesse isso, e calasse aquilo, mas dando a entender que... mas sem deixar que ela pensasse que... e aquil’outro, e também etc., e pronto.
Na manhã seguinte, seu Oscar, prestativo e bom amigo, foi. Rabeou redor à casa do espanhol, e fez um acaso, atravessando na frente da mulher, quando ela saía para procurar ninhos de galinha-d’angola no bamburral.
Mas Maria Rita tinha olhos, pernas e cabelos tentadores, e seu Oscar se atarantou. E, se chegou a se perturbar, é claro que foi por ter tido inspiração nova, resolvendo, num átimo, alijar a causa do mulatinho e entrar em execução de própria e legítima ofensiva.
Em sã consciência, ninguém poderia condená-lo por isso, mas Maria Rita desconfiou do contrário do que antes fora para ser, mas que tinha deixado agorinha mesmo de ser — e foi interpelando:
— Já sei! Foi aquele bandido do Laio, que mandou o senhor aqui para me falar; não foi, seu Oscar?
Seu Oscar era jogador de truque e sabia que “a primeira é a que vai à missa!”Assim, achou que estava na hora de não perder a vaza, e disse:— Pois não foi não, sá Ritinha... Aquele seu marido é um ingrato! A senhora nem deve nem de pensar nele mais, porque ele não soube dar valor ao que tem... Não guardou estima à prenda de ouro dele! É um vagabundo, que vive fazendo serenata p’ra tudo quanto é groteira e capioa por aí...
Maria Rita perdeu o aprumo:
— Então, ele nem pensa mais em mim, não é?... Faz muito bem... Porque eu cá tenho sentimento! Nem vestido de santo, não quero ver!
— Está muito direito, sá dona Ritinha! Assim é que deve ser. Olha, a senhora merece coisa muito melhor do que ele... e do que esse espanhol também... Eu juro que nunca vi moça tão bonitonazinha como a senhora, nem com um jeito tão bom p’ra agradar à gente...
Maria Rita sorria, gostando.
— É assim mesmo, dona Ritinha... Esses olhos graúdos... Essa bocazinha sua. . . A gente até perde as idéias, dona Ritinha...
Chegou mais para perto.
— Não ri, não, dona Ritinha! Tem pena dos outros... Ah! Se eu pedisse um beijinho à senhora...
Mas Maria Rita pulou para trás, vermelha furiosa:
— O senhor é um cachorro como os outros todos, seu Os car! Homem nenhum não presta!... Se o senhor não sumir daqui, ligeiro, eu chamo o Ramiro para lhe ensinar a respeitar mulher dos outros!
Seu Oscar, desorganizadíssimo, quis safar-se. Mas, aí, foi ela quem o reteve, meio brava meio triste, agora em lágrimas:
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A volta do marido pródigo - Sagarana
Storie brevi"A volta do marido pródigo", conto do livro Sagarana, por Guimarães Rosa