Metade do meu coração só quer te ver de novo
E a outra só pensa em você
Não tem nenhum espaço pra eu amar alguém de novo
Em mim só existe vocêE nessas horas meu sorriso é passageiro
É aí que eu percebo
A falta que me faz vocêNessas horas – Matheus e Kauan
Alice Souza
Não havia uma brisa sequer pairando sobre as ruas infestadas de gente. Somente o som alto dos bloquinhos de carnaval misturado a agitação dos milhares de foliantes que circulavam as ruas de Belo Horizonte. O mormaço tomava meus poros e por pouco não derretia minha maquiagem tão bem-feita, que por sinal, levei horas para fazer.
Será que ele reparou?
Quando ouvi o barulho da viatura eu sabia que era ele. Precisava olhar em seus olhos apenas por um minuto para ter um pouco de paz. O que eu não vivia há um mês desde que nos separamos. A saudade doía tanto que eu chegava a sentir falta de ar. Meu peito se dilacerava incontáveis vezes antes que eu conseguisse fechar os olhos e dormir. Todas as noites. E por que eu não o perdoava de uma vez? Simplesmente pelo fato de que eu não poderia continuar ao lado de alguém que não confiava em mim. Alguém que mentiu descaradamente e me magoou de uma forma irremediável.
Eu orava por ele todas as noites. Não podia aceitar a ideia de que ele se machucasse. Aquele pensamento estava me atormentando e ficava pior a cada dia. E se ele morresse como meu pai? Qual seria a última lembrança que teríamos juntos? Fazer a Franciele esperar no portão ao meu lado enquanto eu atacava meu ex com todos os meus melhores olhares assassinos foi fácil. Difícil era ver o olhar de Matheus sobre mim e sentir a sua dor. A mesma que eu sentia noite após noite enquanto chorava feito uma idiota debaixo dos lençóis. Mais doloroso que isso era vê-lo sofrer, mas preferir o silêncio.
Como eu queria que ele tivesse atravessado a merda da rua, encurtado aquele abismo que se estabeleceu entre nós e me tomasse em seus braços. Como eu desejava sentir seus lábios mais uma vez.
Era pedir muito?
Eu sabia que ele era respeitoso demais para arriscar ultrapassar alguma barreira. Ainda mais estando ciente de que quem ergueu aquela muralha fora eu. E desde então, já havia me arrependido um milhão de vezes. Tudo o que ele fez foi por medo de me perder. Mas eu precisava ouvi-lo dizer isso. Ou ia acabar morrendo de orgulho e de saudade. O que matasse mais rápido.
Talvez ele não tenha cometido um crime tão irremediável assim... Meu coração queria perdoá-lo. Meu corpo necessitava do seu afago para que eu pudesse suspirar tranquila, sentindo que meu mundo voltava ao normal. Mas antes disso, antes de qualquer coisa, eu precisava saber que ele sempre confiaria em mim. Por mais que eu pudesse arremessar uma jarra de suco contra ele, eu necessitava saber que ele enfrentaria todos os copos voadores do mundo por mim, que sempre me diria a verdade com aqueles olhos enormes, verdes clarinhos, como uma joia rara... Para que eu pudesse ouvir suas piadas deturpadas e sem graça e rir até minha barriga doer. Como eu sentia falta dos seus carinhos, do seu toque, dos seus dedos acariciando minhas costas até eu dormir. Da forma carinhosa que me olhava, da proteção que emanava do seu corpo, principalmente quando eu estava em seus braços.
Envolvi meu corpo com meus próprios braços, completamente perdida em pensamentos no meio de milhares de pessoas dançando, gritando, beijando e adquirindo algum tipo de herpes. Naquele momento eu me arrependi de ter aceitado o convite de Franciele para me "tirar da fossa". Eu precisava da fossa. Ela era quentinha, tinha meu travesseiro manchado de lágrimas, e minha mãe com uma xícara de chá. Mas ao contrário, eu sabia que ele estaria a trabalho e quando minha sogra... minha ex-sogra, revelou que ele ficaria na Savassi, não consegui pensar em outra coisa a não ser vestir minha fantasia e vim parar aqui. Eu já havia me arrependido umas quinhentas vezes desde que a ideia surgira em minha cabeça. Mas em momento algum pensei em desistir.
— Vai ficar com essa cara mesmo? — Fran ressurgiu com uma garrafa de catuaba debaixo do braço e dois copos descartáveis.
— Eu acho que não vou beber — recusei quando ela me estendeu o copo. — Catuaba me nocauteia fácil.
— Para de me irritar. — Ela começou a encher os copos rindo. — Eu vi seu ex e ele está bem mais gato do que da última vez, então eu sei muito bem o que está passando nessa sua cabecinha. — Suspirei, observando um grupo de pessoas dançando um dos sucessos do momento em uma euforia para lá de normal. Na verdade, um dos rapazes parecia estar incorporando algum espírito enquanto se requebrava todo ao som de "O nome dela é Jeniffer".
Havia uma chuva de glítter para todos os lados. De todas as cores possíveis. Pessoas fantasiadas dançavam em grupos, separadas. Algumas trocavam beijos, outras estavam ali apenas para se divertir com os amigos. E diversão — para quem não está na merda como eu — era o que não faltava no carnaval. Apesar de não ser adepta dessa festa, e para falar a verdade, preferir um bom filme com pipoca caseira, no conforto do meu lar, eu até poderia me divertir, mas não seria sóbria que eu conseguiria esse feito.
— Ele é um babaca — ela continuou, enchendo o copo. — E você vai beber e esquecer qualquer traço de Matheus da sua mente.
Ri da minha própria desgraça, enquanto alcançava o copo de catuaba da mão de Franciele. Ela jogou os cabelos curtos e negros para trás e deu uma rebolada, incentivada pela música, erguendo o copo acima da sua cabeça.
— Viva! — gritou empolgada.
— É... — resmunguei. — Viva... — Brindamos e quase quebramos o copo descartável, jogando gotas em nossas fantasias.
Balancei a cabeça e virei uma golada da bebida, sentindo-a queimar minha garganta. Logo o gosto doce de uva se instalou e um quentinho no estômago assumiu tudo dentro de mim. Eu iria esquecer o Matheus por essa noite. Só essa noite.
Merda... eu tinha metornado uma grande mentirosa. Quase podia acreditar naquilo que falava.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Minha essência, meu amor
Short StoryUm policial militar vê seu turno virar de pernas para o ar quando precisa salvar sua ex, uma linda jovem, com o temperamento bem explosivo, fantasiada de coelha em pleno o carnaval de Belo Horizonte. O coração do soldado Ribeiro está acelerado e ele...