Quando recebi a carta com a letra de Talia no envelope, soube que nada de bom aconteceria depois de ler o que quer que estivesse escrito ali. Para o meu próprio azar, eu nunca estava errada.
Esse pressentimento pode parecer estranho se pensar o quanto Talia e eu costumávamos ser próximas na adolescência. Foi com ela com quem comprei meu primeiro sutiã, provei o primeiro drink e dividi uma quedinha pelo Marquinhos do terceiro ano. Não tinha uma lembrança da minha juventude que não houvesse Talia. Mas isso foi antes de eu ir embora de São Cristóvão.
Isso não deveria ter sido encarada de uma forma tão dramática – muitas outras pessoas saíram de nossa cidade para fazer faculdade em outros lugares –, mas os olhares de julgamento diziam o contrário. Assim que a notícia de que a filha da prefeita, membra de uma das mais antigas famílias de São Cristóvão, iria morar em São Paulo, todos os moradores me trataram diferente. Isso continuou acontecendo quando retornei para datas comemorativas. No primeiro ano que voltei para o dia da cidade, por exemplo, todos me trataram como se eu fosse uma estranha e não tivesse vivido minha vida toda ali. Todos, exceto Talia.
Não conversávamos muito quando eu estava em São Paulo – ela era uma daquelas pessoas diferentes que não curtiam redes sociais –, mas sempre que eu voltava para São Cristóvão, minha amiga me recebia de braços abertos. Se Talia estava ressentida por eu ter partido, ela nunca deixou transparecer.
Mas eu não queria pensar sobre nada daquilo. O que estava me intrigando de verdade era a carta.
Rasguei o envelope antes mesmo de chegar ao meu apartamento, deixando pedaços de papéis caírem pela escada. Ainda tentava encaixar a chave na fechadura quando passei os olhos pelas curtas frases rabiscadas no pequeno papel.
Drica,
Estou com medo do que pode acontecer e não queria partir sem te dizer algumas palavras. Sua amizade foi uma das coisas mais importantes na minha vida. Você e a Gabe foram tão parte da minha família depois que meus pais morreram quanto o meu irmão. Me desculpe pelos segredos que escondi, estava pensando na segurança de vocês. Mesmo agora, continuo torcendo para que tudo isso não alcance vocês duas. Eu te amo e você sempre vai ser minha irmã.
Talia
Reli a carta pelo menos mais duas vezes, mas as palavras continuaram não fazendo nenhum sentido. Eu tinha visto Talia há dois meses na festa junina de São Cristóvão, um evento enorme, icônico, imperdível e com ótimos churros. Ela não parecia preocupada com nada enquanto tentava arranjar um jeito de roubar uma das cocadas na barraquinha da igreja, e sendo prontamente repreendida pelo padre Antônio. Tirando o fato de Talia passar a maior parte da noite tentando me convencer a voltar a conversar com o terceiro elemento de nosso grupinho – que parecia muito pouca interessada em concordar com isso, devo dizer –, nada estava fora do normal.
Tentando fazer algum sentido daquela estranha carta, peguei o celular e liguei para casa da minha mãe.
— Adriana, fia, eu tava falando de você agora mesmo pra Judite! — Eu suspirei, um pouco frustrada ao perceber que era a vovó do outro lado da linha. Amo minha avó, mas estava ansiosa demais para falar com a minha mãe sobre Talia.
— Nossa, que coincidência, vó! — respondi, cortando o começo de um monólogo. — A mamãe tá em casa? Eu queria falar urgente com ela.
— Não tá não, fia, a Rosário tá na prefeitura ainda. Num vejo a hora desse mandato acabar, sua mãe anda muito cansada, Adriana, esse trabalho não é bom não...
Daquilo eu não podia discordar. Minha mãe se doava completamente para São Cristóvão e era angustiante ver o quanto aqueles sete anos de trabalho como prefeita tinham lhe esgotado. Eu também estava ansiosa para uma nova pessoa tomar seu lugar no ano seguinte e poder ver mamãe ter o descanso merecido depois de todo o empenho que teve para construir sua carreira política enquanto me criava sem a ajuda do meu pai. Era estranho usar essa palavra, "pai". Eu nem ao menos me lembro do rosto do homem que foi embora e quem deveria chamar assim.
— Ela volta muito tarde hoje?
— Acho que não, fia. Mas o que é tão urgente? Quem sabe a vovó não pode te ajudar. Me conta, o que aconteceu?
Mal não faria.
— Eu só liguei para saber da Talia.
— Ahhhh, claro. Uma confusão, né? Mas acho que ainda não tiveram nenhuma notícia não. Até por isso sua mãe tá que toda afobada tentando resolver tudo hoje. A cidade inteira tá rezando muito pela Tatá.
Era difícil fazer sentido das coisas que minha vó dizia, ainda mais quando ela não parava para respirar antes de emendar em uma nova frase. Do que ela estava falando?
— Vó, eu não tô entendendo nada. O que aconteceu?
— Ué, Adriana, não foi por isso que você ligou? Querendo notícias? Então! Ninguém sabe do paradeiro da Talia ainda e nem o que aconteceu. Parece que a menina só desapareceu ontem a noite, muito estranho.
Fiquei algum tempo ouvindo minha vó falar sem parar do outro lado da linha, mas eu já não conseguia mais ouvir. Continuei encarando o papel que segurava enquanto minha mente dava voltas e mais voltas após ouvir aquela informação.
Por um minuto, me perguntei se estava mesmo acordada. Tinha sido um longo dia, acordei mais cedo que o normal para ir cobrir uma matéria para um freela e ainda passei a tarde inteira em reunião com uma das editoras dos jornais para qual escrevia. Talvez eu nunca tenha recebido a carta de Talia e feito aquela ligação para minha avó. Talvez eu estivesse cochilando com o rosto colado no vidro do metrô – não seria a primeira vez. Mas quanto mais o tempo passava, mais eu percebia que estava muito acordada e que aquela história era real.
Minha melhor amiga tinha desaparecido.
Quando finalmente consegui desligar o telefone, peguei o notebook e procurei rapidamente a primeira passagem de ônibus para São Cristóvão. Não estava pensando em como deixaria de entregar alguns trabalhos, ou como aquilo atrapalharia toda minha programação semanal. Talia estava sumida e eu só conseguia pensar nisso.
Estava juntando algumas roupas apressadamente para jogar dentro da mochila quando o pensamento me ocorreu: será que Gabrielle também teria recebido uma carta como aquela?
OI, GENTE! Estamos só no comecinho desta jornada, mas espero que estejam animados! Uma curiosidade sobre esta história é que o plot meio que nasceu numa conversa num grupo de whatsapp. ISSO MESMO! Eu nem lembro por que, mas joguei umas fotos e um plot sobre um cara que tinha que voltar pra cidade natal depois que uma amiga desaparecia. Um boooom tempo depois a Emily veio com um "ô, não esqueci daquele seu plot não, viu" e eu falei "VAMOS ESCREVER". Foi meio que basicamente isso. Mudamos a história para duas protagonistas e voilà! Pra onde estamos indo daí, só deus sabe. MAS VEM COM A GENTE! Vamos ser surpreendidos juntos. Estão ansiosos para conhecer a Gabrielle? Deixem comentários e podem conversar com a gente pelo twitter sobre o que estão achando. Até a próxima!
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Quando a lua chama
WerewolfUma pequena cidade no interior como qualquer outra, São Cristóvão se orgulhava de ser um lugar pacato e sem grandes eventos extraordinários. Até Talia desaparecer. Enquanto os cidadãos estão inquietos com o sumiço da jovem, Adriana recebe uma mist...