Capítulo 4 - Gabrielle

27 5 0
                                    


A primeira reação que eu tive ao ler a mensagem de Dani no celular foi correr para a rodoviária imediatamente.

A segunda foi querer nunca mais pisar lá na minha vida inteira e me mudar para um dos muitos bairros rurais de São Cristóvão pra nunca mais correr o risco de ser vista pelo centro da cidade.

Infelizmente, nenhuma das duas opções era viável, de modo que me resignei a esperar todo mundo ir embora e ajudar minha tia a arrumar a casa depois do terço mensal.

Eu teria passado a manhã e o restante do dia tentando descobrir o que tinha acontecido com Talia junto com Rosário, mas ignorar a dona da loja de bugigangas onde trabalho logo se mostrou mais difícil do que o esperado. Quando ela mandou o segundo neto para me buscar (a primeira já tinha sido vencida com um pacote de bolachas que Seu José guardava para beliscar ao longo do dia e se mantinha quieta sentada na portaria ao lado do senhor baixinho), me arrastei até lá, ignorando as duas crianças discutindo pela comida logo a minha frente.

Por sorte, o sermão da dona da loja por ter fugido das minhas obrigações durou pouco depois que o neto mais novo contou do desaparecimento de Talia. Quando a mulher sumiu porta a fora para espalhar a fofoca mais recente, deixando os dois netos a postos para me dedurar caso eu sonhasse em sair, me resignei a passar as horas seguintes atrás de um balcão, sem me importar de verdade com o que tinha para fazer.

Thiago, irmão de Talia, só foi atender o celular depois do almoço, depois do movimento descomunal na loja nas poucas horas em que eu fiquei por lá – a dona já tinha espalhado a notícia do desaparecimento e uma ou outra alma curiosa tinha passado por lá com um punhado de desculpas esfarrapadas querendo ouvir o que eu tinha a dizer sobre o assunto – e seu tom seco logo deixou claro como ele estava... Cansado.

Eu sempre fui figura presente na casa de Talia e Thiago, tanto quanto os amigos mais próximos de meus irmãos eram na minha, e o irmão mais velho de minha melhor amiga sabia praticamente tudo sobre minha vida. Ele e Dani, minha irmã mais velha, não eram tão próximos quanto eu e Talia, mas os dois podiam citar pelo menos três de nossas aventuras sem nem precisar parar pra pensar no assunto. Thiago sabia exatamente quando eu tinha ficado menstruada – um fato que, na época, me deixou mortificada a ponto de passar semanas sem conseguir olhar pra cara dele, mas hoje é motivo de piada –, qual era meu prato favorito da adolescência e quais foram as minhas quedinhas ao longo dos anos, a ponto de me tratar do mesmo jeito que ele tratava a irmã.

Mais importante, Thiago sabia que eu nunca, jamais, sob nenhuma circunstância, deixaria Talia sozinha. O que ele já sabia desde a pré infância, mas ficou ainda mais claro depois que os pais dos dois irmãos morreram, deixando-os sozinhos e sem parentes na cidade.

Então não foi surpresa nenhuma pra ele quando ignorei a voz cansada e pulei um cumprimento ao responder seu "alô" com:

— Onde diabos a Talia se meteu, Thiago?

A risada rouca que recebi em resposta abrandou, em parte, a mistura de emoções que eu estava sentindo por finalmente ter sido atendida, mas não o suficiente para me calar.

— Você também não sabe, não é, Gabrielle?

— Ela não me disse nada ontem a noite! A Talia me ligou quando eu tava fechando a loja e a gente ficou conversando até eu chegar em casa, e ela não disse nada! Nadinha, Thiago. Ela só... Me ouviu reclamando da vida.

Uma bola de alguma coisa se formou em minha garganta ao ouvir minhas próprias palavras, e precisei encarar a lâmpada no teto para afastar as lágrimas que ameaçavam se formar em meus olhos. Um suspiro resignado veio do outro lado da linha, e eu aproveitei o silêncio momentâneo para limpar a garganta.

— Eu sei que faz pouco tempo, mas eu tô preocupada. — Continuei, apoiando o braço livre na bancada. — A Talia sempre me atende quando eu ligo pra ela. Sempre, Thiago. Mas hoje ela não atendeu.

— Gabe...

— Eu sei, eu sei! — Cortei, grunindo de frustração. — Eu vou manter a calma. É isso que ela sempre fala quando eu começo a reclamar demais, então eu vou seguir o conselho dela. Olha só, a tia Rosário já tá sabendo de tudo. Eu fui te procurar na prefeitura hoje cedo pra perguntar da Talia e você não tava lá mas o Seu José sim e ele tava tentando me ajudar a te encontrar quando a tia Rosário chegou e ouviu a conversa e começou a procurar. A dona da loja aqui também meio que ficou sabendo porque eu atrasei pra chegar no trabalho e ela já contou pra metade da cidade? Juro por Deus, perdi as contas de quantas vezes apareceu gente aqui na loja hoje querendo ouvir fofoca. Um bando de futriqueiro do demônio, isso sim. Opa, pera, as crianças me ouviram então estou corrigindo para um bando de futriqueiros bobões. Ouviram, crianças? Bobões. Nada de xingamento.

A risada baixa de Thiago veio do outro lado da linha, me lembrando que ele também estava ouvindo, e mandei as crianças irem para os fundos pintarem alguma coisa antes de me despedir de vez. Passei o resto da tarde despistando fofoqueiros de plantão que apareciam na loja e cuidando das duas crianças pequenas que já deviam estar na escola de modo que, quando finalmente me vi livre dali, mal tive tempo de correr para a casa de tia Graça para ajudá-la com as preparações para o terço. Passei o tempo livre entre tentar ligar para Talia e conversar com nossos outros amigos em busca de alguma novidade, mas a única coisa minimamente importante foi a mensagem que recebi de Dani, avisando da volta de Drica.

Já fazia quatro anos que nós não nos falávamos. Talia e ela ainda eram amigas, em parte porque Talia sempre foi a melhor entre nós três, mas eu evitava ao máximo encontrá-la quando ela resolvia agraciar o resto da população de São Cristóvão com sua ilustre presença. Talia sempre tentava nos reaproximar, usando as desculpas mais esfarrapadas possíveis. Acontece que eu estava ocupada demais ajudando meus irmãos com alguma coisa muito importante ou, sei lá, ficava misteriosamente doente. Não era minha culpa. Eu não estava me esforçando em evitar a filha da prefeita.

Eu só estava ocupada.

Tipo, muito ocupada.

Assim como estou ocupada agora, tentando descobrir onde Talia se meteu.

Quem se importa se a Drica resolveu voltar?

Parece que alguém aqui não sabe lidar muito bem com sentimentos, hein? Dia primeiro agora não teve capítulo novo – era virada do ano, vocês entendem, né, gente? – mas ESTÁ AÍ mais um pouquinho da história

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Parece que alguém aqui não sabe lidar muito bem com sentimentos, hein? Dia primeiro agora não teve capítulo novo – era virada do ano, vocês entendem, né, gente? – mas ESTÁ AÍ mais um pouquinho da história. Gabrielle não quer saber da Drica, mas o Thiago tudo bem, né?

Quando a lua chamaOnde histórias criam vida. Descubra agora