Quando eu senti o sol quente entrar pela janela do meu quarto e repousar sobre meu rosto, eu suspirei irritada. Minha mãe se negava a colocar cortinas para mim – ela dizia que aquela era a melhor forma de ter certeza que eu não dormiria até meio-dia.
Me sentei frustrada e coloquei o chinelo, ainda meio sonolenta, caminhando para fora do quarto e sendo dominada pelo cheiro gostoso de café e bolo de fubá que era tão familiar. Aquela era a certeza que meu espírito precisava para saber que eu estava realmente em casa e não tinha como negar o quanto aquilo deixava meu coração feliz.
— Bom dia, fia.
Quase levei um susto ao notar a presença da minha vó na cozinha. A mulher baixinha e gorda me olhava com o mesmo olhar doce e sorriso pequeno de sempre. Os cabelos crespos estavam mais brancos do que na última vez que a tinha visto, mas ela também parecia ainda mais cheia de energia.
Caminhei até minha avó para lhe apertar entre os braços, inspirando e guardando fundo na memória o cheiro gostoso do seu perfume de rosas. Vovó me deu um beijo rápido no rosto, mas logo me empurrou suavemente na direção da mesa.
— Vai, menina, senta e come um pedaço de bolo.
Sorri e tratei de obedecer o mais rápido possível. Nada era mais gostoso do que aquele bolo de fubá quentinho.
— Ainda não descobriram nada sobre a Talia — vovó disse de repente.
Eu estava tão envolvida com todos os sentimentos calorosos de estar em casa que quase me esqueci do motivo que tinha me levado até ali. Minha melhor amiga ainda estava desaparecida e toda alegria em mim desapareceu ao me recordar disso.
— A mamãe já foi pra prefeitura?
— Já, acordou bem cedinho. Ela ia encontrar o Thiago pra conversarem e ver o que mais podem fazer pra encontrar essa menina.
Levantei em um pulo, deixando metade do segundo pedaço de bolo não terminado na mesa.
— Eu vou me trocar e ir pra lá também.
Vovó me seguiu até a sala e segurou o meu braço antes que eu entrasse no quarto.
— Calma, fia! Você nem comeu direito!
— Vovó, eu preciso logo ir pra lá! Preciso ajudar!
— Tudo bem, Adriana, mas saco vazio não para em pé!
— Eu já comi um pouco, Dona Zéfa, juro que não tô com fome, tá bem?
Ela me encarou com suspeita e sabia que ela não acreditaria em mim mesmo que eu tivesse comido o bolo inteiro, mas vovó deve ter percebido o desespero em minha voz.
— Tá bom, minha fia, eu vou deixar passar essa. Mas ó, senta aqui no sofá pra vó te benzer e tirar esses mal olhados.
Estava pronta para recusar, porém era difícil lutar contra a força da mão da vovó em meu cotovelo. Ela me arrastou até o sofá e me sentou bem a sua frente. Dona Zéfa era conhecida como a melhor benzedeira da cidade. Não havia ninguém em São Cristóvão que não tinha sentado naquele sofá, na mesma posição em que eu me encontrava naquele momento. Muitos iam sempre, porque acreditavam muito no benzimento da vovó, outros iam com aquele argumento de "por via das dúvidas". Independente do motivo, ninguém recusava as benzeduras da Dona Zéfa.
Era curioso como mesmo tendo crescido ouvindo minha vó benzer, eu nunca conseguia entender exatamente o que ela murmurava enquanto colocava a mão sobre minha cabeça e fechava seus olhos. Sempre tive vergonha de perguntar, então toda vez ficava tentando prestar atenção para saber quais palavras ela dizia, mas as únicas que eu conseguia identificar era trecho que ela dizia: "... tirado para as ondas do mar, seja lançado para onde não ouça galos nem galinhas cantar". Eu não sabia o que significava, mas era muito familiar ouvir aquilo.
Acreditando ou não na proteção do benzimento, eu sempre me sentia mais leve enquanto ouvia o tom suave da voz da vovó e sentia seus dedos delicados tocando na minha testa. No final das contas, eu me sentia realmente mais protegida.
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Eu sempre me esquecia como os dias de verão eram quentes em São Cristóvão. Estava com as tranças presas em um coque alto no topo da cabeça e mesmo assim meu pescoço estava suando enquanto eu caminhava sob o sol. Daquilo eu realmente não tinha saudades.
Caminhei apressada na minha trajetória até a prefeitura. Não queria ter que parar para cumprimentar ninguém. Precisava chegar logo até lá e poder conversar com mamãe e Thiago para saber se tinham alguma novidade ou o que eu poderia fazer para ajudar. Ainda tinha a carta no bolso do meu macacão que parecia queimar ali dentro, me lembrando desse segredo que eu não sabia se deveria compartilhar com aqueles dois, mas que com certeza precisaria contar para quem eu menos queria ver naquele momento.
Já estava na entrada da prefeitura, subindo os degraus da entrada de dois em dois, quando tropecei e me desequilibrei, quase indo de encontro ao chão, o que não aconteceu por causa da ajuda de alguém que se aproximou correndo e me segurou pelos ombros.
Respirei fundo e me mantive em pé, aliviada por ter evitado ralar todo o o joelho no chão grosso.
— Nossa, obrigada pela aju...
Quando virei o rosto para ver quem tinha vindo em meu socorro, me surpreendi ao encontrar Gabrielle me encarando com um desconforto tão grande ou maior que o meu.
— Oi, Drica.
FINALMENTE OS REFRESCOS! Ou quase. Eu confesso que quando escrevi esse capítulo, cheguei no esbarrão das duas e pensei: "é, vou deixar essa bomba pra Emily". Então fiquem aí preparados pra ver essas duas interagindo mais no próximo capítulo!!! Outra coisa que me deu um quentinho no coração foi escrever a cena da vó da Adriana benzendo ela, porque sempre ia com os meus pais me benzer quando era pequena e, apesar de não saber o que tava acontecendo como a Drica, sentia aquela paaaaaaz. Esse capítulo foi escrito com muito carinho. Mas e aí? Animados para o próximo?
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Quando a lua chama
Hombres LoboUma pequena cidade no interior como qualquer outra, São Cristóvão se orgulhava de ser um lugar pacato e sem grandes eventos extraordinários. Até Talia desaparecer. Enquanto os cidadãos estão inquietos com o sumiço da jovem, Adriana recebe uma mist...