Capítulo 3 - Adriana

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Se eu era ou não uma pessoa paciente era bastante discutível, mas ninguém ficaria tranquilo fora de casa numa noite gelada carregando duas malas pesadas. A rodoviária de São Cristóvão era péssima, com apenas duas plataformas e muito vento entrando por todos os lados. Eu sempre fazia o possível para passar pouco tempo naquele lugar, mas fazia uma hora que estava ali e continuava esperando que o carro de mamãe aparecesse para me buscar.

Já tinha passado da meia-noite e eu estava começando a me irritar. Não bastava ter ficado todas as cinco horas de viagem sem conseguir pregar os olhos, inquieta com pensamentos sobre Talia, eu ainda precisava esperar naquela rodoviária vazia em um começo de madrugada.

— Moça, você chamou um táxi ou tá esperando alguém?

Me assustei com a voz esganiçada do segurança da rodoviária. O homem magro de cabelos e bigode loiro me encarou com seu rosto enrugado pela idade e eu logo o reconheci. Eu tinha me esquecido que algumas vezes Seu José trabalhava na rodoviária. Era estranho, na verdade. Aquele homem tinha mais bicos do que poderíamos acompanhar e parecia nunca dormir, o que despertou muito a nossa imaginação na juventude. Porém, num geral, Seu José era uma figura carimbada em São Cristóvão e não havia ninguém que não gostasse dele.

— Oi, Seu José! Eu tô esperando minha mãe. Você sabe se ela ficou até tarde na prefeitura hoje ou algo assim?

Apenas quando fiz aquela pergunta é que seu rosto se suavizou, finalmente me reconhecendo. Eu tinha passado a maior parte da vida naquela cidade, Seu José me viu crescer e tinha uma memória maravilhosa. Sua dificuldade em saber quem eu era com certeza aconteceu devido ao meu novo estilo de cabelo e à iluminação precária daquele lugar. Longe de mim querer criticar o trabalho da minha mãe, ela era uma prefeita excelente, mas aquela rodoviária com certeza melhoraria muito com alguns ajustes.

— Ahhhh, Driquinha, é você! Não sabia que estava vindo pra São Cristóvão.

Eu sorri mesmo me sentindo uma criança ao ouvir meu apelido no diminutivo. Seu José era o único que eu não assassinaria por usá-lo assim.

— Pois é. Eu não tava planejando vir, mas fiquei sabendo sobre a Talia...

— Claro, claro. Que história estranha, né? Tá todo mundo sem entender o que aconteceu.

Balancei a cabeça concordando. Mamãe tinha me explicado um pouco mais sobre a situação e aparentemente as informações não esclareciam nada. Tudo que sabiam era que Gabrielle notou a falta de Talia e, depois de tentarem encontrá-la por todos os lugares possíveis, não acharam nenhum sinal de minha amiga. A cidade inteira estava preocupada, e eu já entrava nessa mesma pilha. Por algum motivo, pensar sobre tudo isso me causava arrepios por todo o corpo.

— Mas tenho certeza que logo a gente descobre o que aconteceu, viu? — continuou Seu José, após perceber o meu longo silêncio.

Eu lancei um sorriso forçado para ele, esperando que fosse convincente.

— Vamos sim. Bom, minha mãe não vai mesmo aparecer. Já tentei ligar, mas ela não atende. Acho que vou andando pra casa.

— A essa hora, menina? Tá muito escuro!

— Mas é pertinho, Seu José! Não tem problema não. O bar do seu Leonel tá aberto, olha lá — disse, apontando para o pequeno boteco que estava com as luzes acesas há três quadras dali.

Minha rua ficava três quarteirões depois disso e não havia nenhum movimento para aqueles lados, porém estava confiante de que seria tranquilo. São Cristóvão era uma cidade pequena e, apesar de seus problemas, não era a grande São Paulo e eu não precisava ficar tão paranoica em caminhar até em casa. Acho.

Quando a lua chamaOnde histórias criam vida. Descubra agora