Capítulo 2 - Gabrielle

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Foi só quando um dos filhos pequenos de uma das filhas das amigas da minha mãe caiu no meio da sala que eu percebi que estava encarando o celular desligado a mais de cinco minutos.

Por um milésimo de segundo, o cômodo inteiro ficou em silêncio – e então explodiu em sussurros preocupados e olhares de reprovação escondidos atrás de palavras doces quando a criança em questão começou a chorar aos gritos.

Uma garota alguns poucos anos mais velha do que eu apareceu sabe Deus de onde e abaixou-se para pegar a criança no colo, tentando acalmá-la. A princípio, a tentativa da mãe de acalmar o filho prendeu a atenção da sala, mas logo foi deixada de lado e as conversas de antes voltaram a toda tona.

Continuei olhando a cena, em parte para me distrair e em parte tentando me lembrar de onde conhecia a jovem mãe que beijava as mãozinhas gorduchas do garotinho em seu colo, distraindo-o do susto de instantes atrás. Eu sabia que conhecia ela de algum lugar – afinal, todo mundo se conhece nessa cidade. Provavelmente cansei de brincar com ela em uma das dezenas de festas da cidade que participei crescendo em São Cristóvão. Estava quebrando a cabeça – ela não era filha daquela amiga de catequese da minha mãe? – quando alguém apareceu do meu lado, apoiando a mão no meu braço.

Pulei no lugar, olhando para o lado, e sorri de leve ao me deparar com o sorriso cansado de minha tia.

— Tudo bem, Conceição? Precisa de alguma coisa?

Mordi o lábio inferior antes de responder. Minha tia tinha essa mania me chamar pelo segundo nome, aquele que recebi em homenagem a tia-avó dela.

— Tudo bem, tia Graça.

As sobrancelhas brancas de dona Gracinda vincaram em seu rosto, contrastando com sua pele negra claro, e eu fingi não entender o que ela estava falando.

— Eles vão encontrar a Talia, minha filha. Não precisa se preocupar.

— Eu sei que vão, tia. Eu só queria, sabe, fazer alguma coisa útil.

Instintivamente, tia Graça olhou para a porta que leva à sala dos fundos – aquela em que um grupo de pessoas se reuniam todo mês pra rezar um terço – e tentei não fazer uma careta de descrença.

O grupo já era um costume antigo de família. Cresci vindo rezar todo mês na casa da minha tia, ministra da Igreja, e não parei nem quando comecei a me afastar da religião. Eu só sentava na sala do lado ou no quintal da frente e ficava lendo ou olhando a praça em busca de movimento. Então, quando a notícia de que Talia desapareceu finalmente surgiu, era natural que ele se mantivesse – era só mudar o foco. Rezar para que ela surgisse. Era o que a cidade inteira estava fazendo, no fim das contas.

Como se formar um grupo de buscas não fosse a ideia mais óbvia.

Tia Graça pediu licença, apertando meu braço de leve para me confortar, e voltou para a sala de dentro, para conversar com alguém. O terço já tinha acabado e agora era hora de tomar um café, colocar a fofoca em dia e planejar os próximos encontros. A garota com o filho pequeno – um estalo me lembrou que o nome dela era Ellen e ela realmente era filha da colega de catequese de minha mãe; eu a tinha visto algumas vezes na igreja com o bebê no colo – já estava conversando com outra mulher, o garoto em seu colo brincando com o cabelo dela.

Enfiando o celular no bolso da calça, sai da sala cheia de gente, indo para o quintal. A grade vazada do portão dava uma boa vista da torre da Igreja Matriz a distância e da lua brilhando no céu. Joguei o peso do corpo de um pé para o outro, lembrando da última vez que falei com Talia.

Ela havia me ligado na noite anterior. Eu estava sozinha fechando a loja de tranqueiras onde trabalho – era meu dia de fechar, afinal de contas – quando o celular tocou. Quase perdi a ligação, brigando com a porta pesada de aço que cismava em emperrar todas as vezes, e estava sem ar quando finalmente atendi. Minha voz esganiçada assustou Talia, mas ela relaxou assim que expliquei:

Quando a lua chamaOnde histórias criam vida. Descubra agora