Indesejável

116 10 2
                                    

O grito dele saiu abafado. Gritar em sonho não o fazia gritar tão alto quando acordava, e isso era bom. Abriu os olhos no silêncio do alojamento coletivo. Por um instante, achou que estava de volta ao campo de guerra, mas não. A guerra havia acabado há alguns anos, mas dentro dele, os horrores estavam ainda bem vivos, embora ele valorizasse a nova chance que teria.

Fechou os olhos, o sono não veio. Ele se viu, novamente, ajoelhado e com as mãos amarradas, a cabeça raspada, um prisioneiro da Guerra Civil de Sadala. Tinha sido pego no campo de batalha por uma força inimiga superior, e torturado para dizer segredos de guerra que ele sequer sabia e esconderijos que ele não conhecia.

E por isso, não dissera nada. Se tivesse passado mais tempo ali, teria sido torturado até a morte. Mas uma patrulha de resgate o libertou, libertando também toda sua fúria. Ele tinha sido feito prisioneiro, mas, dos comandantes daquele campo, ele não permitiu que nenhum fosse feito prisioneiro. E nenhum dos companheiros de farda se atreveu a ficar no seu caminho.

Homens como ele eram úteis em tempos de guerra, mas quando ela acabava, tornavam-se um estorvo, indesejáveis, malvistos por onde passavam: assassinos, mercenários, monstros. Quantas mortes ele acumulara na guerra? Desistira de contar no dia que fora libertado da prisão.

Dos 18 aos 21 anos, tinha sido um soldado. Dos 21 aos 23, um mero assassino. E quando a guerra acabou, antes de se tornar um indesejável, uma janela de oportunidade se abriu para ele. Um antigo comandante o procurou e disse:

- Prefere viver do soldo miserável de pensionista de guerra e ser empurrado para o crime ou ter uma nova chance?

E ali estava ele. Havia um país para reconstruir, e ele se tornou um dos muitos voluntários da reconstrução, não pela causa, mas para salvar a si mesmo: durante o dia, trabalhava seis horas em obras, sem remuneração, nas outras 5 horas, aprendia sua nova profissão. Ao fim de cinco anos, conforme o prometido, seria recolocado pelo reino de Sadala num novo emprego, numa nova vida. Esperava deixar para trás os horrores, a fúria. A ira.

Faltavam poucos meses. Tinha sido um sacrifício que o purificara e valeria a pena. Pensando nisso, adormeceu.

***

- Bardock Sayan? – o sargento o chamou.

Ele se levantou. Já não vestia um fardamento militar. Tinha sido sua condição para se tornar um recolocado: distância do exército. Sentou-se à mesa, diante do homem, que sorriu para ele e disse:

- Tem seus novos documentos? – ele entregou um envelope. Havia um certificado de voluntariado na reconstrução, onde trabalhara por 4 anos, um diploma da Universidade de Sadala, atestando que ele agora era um enfermeiro graduado, e, finalmente, um certificado que dizia que ele estagiara por um ano no Hospital da Capital e uma carta de recomendação do diretor.

Bardock tentava esconder a ansiedade. Tudo que ele queria era recomeçar. Havia completado 28 anos, e acreditava que tinha feito uma boa escolha. Por anos, ele assassinara pessoas. Agora ele cuidaria de pessoas. Havia se destacado no hospital, tinha posto cada fibra do seu ser nisso. O homem observou os documentos, um por um, em silêncio. Então, juntou as mãos diante do peito e disse:

- Há uma recolocação para você. Mas é um pouco distante da capital de Sadala... próximo à fronteira com Namek. Mas é uma excelente oportunidade para quem está começando.

- Na... fronteira? – ele fez um cálculo mental. A fronteira ficava quase mil quilômetros distante dali, de todos os amigos que ainda tinha, sobreviventes como ele, distante demais de toda vida que ele tinha.

- É um pouco assustador, eu sei... – disse o sargento – mas o salário compensa. É mais que o dobro da melhor vaga na capital.

"Claro" – pensou Bardock – "ninguém quer ir para uma região montanhosa gelada e que não tem nada de bom..."

Ira do DesejoOnde histórias criam vida. Descubra agora