[V] James não está só.

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Começou a recolher alguns galhos para uma nova fogueira, colocava um feixe de lenha dentro da gruta, quando sentiu uma estranha sensação de que estava sendo observado, olhou em volta e não viu ninguém, imaginou ser fruto de sua imaginação, continuou com o trabalho, enquanto coletava lenha, encontrou um galho grosso e resistente, pensou que poderia servir como um bastão, talvez precisasse para se proteger de algum animal, que o visitasse em algum momento da noite. Afastou-se um pouco da gruta, as arvores ali forneceriam lenha por um bom tempo, James começava a achar que estava em fim tendo um pouco de sorte. Mesmo estando em uma ilha sem ter a mínima ideia de onde estava, o dia de hoje havia começado bem.

Ao voltar para a pequena gruta com um feixe de lenha nas mãos, olhou para a praia e viu uma pequena garotinha, de seis ou sete anos, que ostentava um laço vermelho em seus cabelos loiros, brincava pulando as ondas, segurando a barra do vestido rosa, para que não molhasse na água do mar. James se animou, deixou cair a lenha no chão, agora, sabia que não estava sozinho, ele estava a salvo, com um sorriso no rosto e já aliviado começou a falar com uma voz alegre e calma enquanto caminhava em direção a pequena garota.
- Ei, garota? Pode me ajudar?

Não obteve nenhuma resposta, novamente indagou:
- Olá! Preciso de ajuda!

A menina olhou para James e sorriu seus olhos eram azuis e o sorriso branco como neve, então, olhando para trás começou a caminhar e de acordo com o que James se aproximava ela apressava os passos, mais sempre sorrindo, como se fosse uma simples brincadeira. James dizia:
- Ei, espera, só quero fazer algumas perguntas!

A única resposta agora foi um cantarolar que de certa forma era familiar para James, agora a pequena menina já corria mais rápido e o sorriso no rosto, já não era mais o mesmo, agora, poderia se perceber certa malicia naquele sorriso, que minutos atrás pareceria para qualquer um, meigo e inocente. Foram em direção a uma floresta e James não parava de pedir para que ela se acalme-se e lhe respondesse algumas perguntas. A menina então entrou pela densa vegetação e por um instante desapareceu, o silêncio reinou, a musica que antes era cantada pela pequena menina não ecoava mais, e um clima pesado pairou pelo local, James, agora com um sentimento estranho passando por seu corpo, desesperado gritou:
- Alguém! Por favor!

Em seus olhos era facilmente perceptível que lágrimas vinham à tona, mas caminhou, não deixou se abater, seguiu as pistas da pequena garota, marcava a trilha quebrando alguns galhos para que não se perdesse. Escutou um choro abafado que vinha de um lugar não muito distante, junto ao choro, sentiu um horrível cheiro que entranhava em suas narinas fazendo com que James sentisse uma súbita vontade de correr e deixar a garota de lado, mas, não o fez, continuou caminhando enquanto chamava pela garotinha, que ainda não sabia o nome.
- Amiguinha, onde estão seus pais?

Não escutou resposta alguma, apenas o maldito choro que aumentava na medida em que James se aproximava de um pequeno arbusto onde acabava a trilha que ele seguia. Podia perceber que o forte cheiro que sentia também aumentava, chegou ao arbusto e o atravessou abrindo-o com as mãos. Viu que a garota estava próxima a uma rosa branca, novamente começou a cantar, agora rodeava em saltos a rosa da qual ela não tirava os olhos, pulava e sorria enquanto cantava alegremente, James olhou a cena por alguns instantes e tomando um pequeno tempo para se recompor, viu, que a pequena garota parou novamente, caindo de joelhos próxima a rosa, o choro e o forte cheiro voltaram dessa vez mais fortes.

A pequena garota se levantou, arrancou com a mão a rosa do solo e rapidamente parou com o choro, levantou a rosa, oferecendo-a para James e começou a sorrir, aquele sorriso era assustador, um sorriso diabólico. James olhava assustado e viu que a rosa apodrecia rapidamente na mão daquele ser e após a rosa, o corpo da menina que rapidamente apodreceu, o pobre e infeliz homem estava paralisado, braços e pernas de certa forma estavam travados pelo efeito do medo, até o momento não conseguia entender o que estava acontecendo naquele maldito lugar, a garota continuava a olhar para os olhos de James, ele continuava horrorizado e se perguntava em pensamento, como aquela bela e pequena garota que ele havia seguindo desde a praia, tinha se transformado em um pedaço sujo de carne podre, o belo vestido que ela antes usava, agora estava rasgado, sujo e manchado de sangue, os olhos que eram azuis como o mais limpo céu de verão, agora eram vermelhos como o sangue. De alguma forma, aquela garota aparentemente meiga se transformou em uma espécie de monstro.

Então a pequena garota começou a caminhar lentamente em direção a James, ele começou a correr, o medo estava em sua mente, corria seguindo os galhos quebrados que via pelo chão, atrás dele podia escutar a pequena garota, ou, seja lá o que for, que cantarolava a mesma musica de ninar, ele caiu, pôde escutar uma risada diabólica, se levantou e olhando para trás já não via mais aquela criatura, a musica e o riso haviam cessado repentinamente, não via nenhum sinal de que aquele ser ainda estava o seguindo, viu por entre as copas das arvores nuvens negras se aproximando, o que parecia uma tempestade, estaria para chegar. Deveria logo chegar a pequena gruta, onde era então o seu mais seguro abrigo.

Por sorte, mesmo após correr desesperadamente, ele estava no caminho certo, podia ver pela trilha os galhos que havia quebrado, pegou no chão um galho que tinha certa semelhança com um lança, pensou que serviria de arma se aquele ser voltasse novamente, enquanto caminhava pela trilha atento a todo e qualquer barulho, perguntava repetidas vezes em sua mente, se seria capaz de atacar uma criança, uma pobre e inofensiva criança e internamente tentava se convencer de que aquilo não era de forma alguma uma criança, por certo tempo, duvidou até mesmo de que aquilo teria realmente acontecido. Preferiu duvidar de que estava ficando louco, naquele momento decidiu, que lutaria com qualquer coisa que o colocasse em perigo, continuou, já podia escutar o barulho do mar, ainda não havia caído um gota de chuva.

O silencio era de certa forma mais assustador, do que, a própria canção, por varias vezes pensou ouvir leves passos nas folhas caídas, quando a canção recomeçou, podia ouvir agora claramente ela cantar, ela gargalhava diabólica, em meio as arvores, e os passos antesleves, se tornavam pesados e rápidos, via vultos que desapareciam rapidamente, James preferia ignorar e seguir o seu caminho, já conseguia agora ver a fina areia da praia e algumas gotas de chuva que tocavam o chão, o cantarolar da garota cessou repentinamente e o corpo de James se estremeceu, um calafrio tomou conta de todo o seu corpo, algo gelado e úmido passava lentamente pela pele de sua nuca, então pôde escutar um sussurro calmo que soltava um ar frio em sua orelha.
- Olá James! Vamos brincar?

James se assustou, soltou um grito rouco e a fez rir, virou-se rapidamente e lá estava ela, a maldita garota, continuava sorrindo, seguia olhando fixamente para ele, porém agora, com a cabeça completamente tombada para esquerda, um liquido negro escorria de sua boca. James soltou uma risada forçada que ecoou no vazio da floresta, empunhou sua lança pronto para atacar, quando a coisa começou novamente a chorar, sua aparência havia mudado, agora era a irmã de James.

- Não bata em mim meu irmãozinho. – Disse a coisa chorando e voltando a cantar em meio a soluços.

Lagrimas desceram nos olhos do pobre diabo, lembrou-se que aquela era a canção que sua mãe cantava, lembrou-se da sua pequena irmã, ela estava ali, mas também se lembrava do enterro, do pequeno caixão, de sua mãe chorando. Deixou cair a lança e a coisa novamente começou a rir. James se abaixou para pegar a lança, ao se levantar a coisa havia sumido, deixou escapar um leve sorriso de alivio ainda com lagrimas no olhar, virou-se para seguir em seu caminho e de novo seu corpo estremeceu, lá estava ela, novamente sorrindo e cantarolando mais uma vez a mesma canção, entrou em meio as arvores e novamente desapareceu, a canção se distanciava com a garota.
James seguiu até a praia, agora com mais pressa e atenção do que antes, ainda pensava na sua pequena irmã, a chuva agora começava a cair com mais força, ele ficou feliz por ter coletado lenha, aquele, não era um dia muito bom para se ficar na escuridão de uma gruta, juntou a lenha que havia deixado cair ao ver a garota e se sentou em uma pequena pedra, ainda havia luz, acenderia a fogueira mais adiante, assim, economizaria um pouco de sua lenha e ficou ali, sentado, esperando pacientemente a chuva passar.

Durante a chuva, pensou em tudo que acontecia, chorou por sua irmã, pensou em sua mãe, em alguns momentos, teve certeza de que estava louco, duvidava de sua própria capacidade mental. Em meio a esses pensamentos, Nem sequer percebeu o tempo passar, quando então a chuva parou repentinamente. Ali, naquele lugar, nem mesmo o clima fazia sentido, ainda havia luz, James coletou mais um pouco de lenha, poderiam secar próximas a fogueira, se voltasse a chover teria lenha suficiente.
Durante este trabalho, comeu algumas das frutas que havia colhido, A noite estava suficiente aproveitou o resto da luz do dia para montar sua fogueira, logo acendeu sem muita dificuldade, pensou que daria tudo por um copo de café e um pouco de nicotina, com isso sorriu. Deitou-se próximo a fogueira com a lança em uma das mãos, pensou novamente em Stefanie e dos dias bons no Wolf, em meio a pensamentos desconexos, adormeceu, apesar de estar assustado com a garota, seu corpo pedia por descanso.

Algumas horas depois, acordou com um grito abafado que ecoava entre as montanhas além da floresta, a fogueira, havia se apagado e logo James começou a apalpar os bolsos em busca do precioso isqueiro, sentia um cheiro horrível, algo podre estava ali, tentou por duas vezes acender o isqueiro mais as tentativas foram em vão, tentou outra vez então viu em sua frente a face da maldita garota, ela havia voltado e estava agora próxima a seu rosto, com o mesmo olhar e o mesmo sorriso, James a golpeou e logo um grito horrível saiu daquele ser, a pele era úmida e com o golpe se partiu em vários pedaços, ela correu para fora da caverna, James acendeu com dificuldade a fogueira, pegou sua lança e ficou de pé.

Ela passava diversas vezes em frente a entrada do abrigo e com a voz da irmã morta de James começou a cantar novamente.

- Venha aqui filha da puta. – Gritou James.

- Não xingue nossa mamãe. – Ela respondeu gargalhando. – Venha brincar comigo, pequeno James.

Esse era o apelido pelo qual a mãe dele o chamava quando criança, perdendo a paciência partiu atrás dela, ela correu, no céu agora limpo daquela noite, a lua cheia, iluminava a praia com uma luz pálida, James pôde ver a sombra da coisa que abaixada continuava a rir, viu os olhos vermelhos que brilhavam contentes, correu em direção a ela e segurando a lança com duas mãos golpeou um de seus braços, ela grunhiu de dor e ele viu o sorriso que era sempre o mesmo se tornar uma expressão de fúria, o osso do braço daquela coisa, estava exposto e ela correu em direção a James, o impacto do golpe o jogou ao chão, seu peito estava rasgado pelas unhas da coisa, James se levantou e quando ela partiu para mais um golpe, a atacou com a lança que segurava. Ela caiu, olhando para o céu com a lança cravada no peito, riu e novamente começou a cantar a maldita canção, até que se silenciou. James chorando se aproximou e tirando a lança do corpo podre da coisa que ainda sorria, olhou para o céu e gritou.

- É apenas isso? – Sorriu ironicamente enquanto chorava.

Ela o agarrou pela perna e escalou em seu corpo arranhando seu braço, as unhas se soltavam dos dedos e ela gargalhava com felicidade, James a empurrou e ela caiu no chão, foi quando perfurou o crânio podre daquele ser, retirou a lança, o sorriso ainda estava lá, era perturbador, nesse momento ele pisou repetidas vezes na cabeça da coisa, esmagando o pequeno rosto, agora, ela não poderia mais sorrir, se sentou olhando para o corpo agora sem rosto da garota e em desespero chorou, como uma criança.

Passou algum tempo ali, esperando que ela se movimentasse, mas não aconteceu, se levantou, pegando a lança e a segurando pelos pés, a arrastou pela areia até um ponto distante, aonde as ondas não chegavam. Com as mãos, cavou na areia uma pequena cova com três palmos de profundidade, jogou o pequeno corpo e cobriu com a areia, colocou em volta do pequeno monte, varias pedras e com sua lança em mão foi até o mar, que estava calmo, precisava se lavar, entrou na água e subitamente se arrependeu, havia se esquecido das feridas em seu peito e dos arranhões em seus braços, quando a água salgada do mar, fez com que seus ferimentos ardessem como o mais quente fogo do inferno, suportando a dor, se lavou, precisava tirar o sangue e o cheiro das mãos.

Saiu do mar olhando para o pequeno tumulo que havia feito, caminhou em direção a seu abrigo, agora, exausto, seu corpo doía como no primeiro dia na ilha, seu peito queimava, a camisa rasgada deixava à vista o pouco sangue que escorria entre as três marcas de garras que se desenhavam, tinha ainda um pouco de lagrimas no olhar, quando olhou para a lua que havia iluminado dramaticamente aquela noite, proferiu algumas palavras inaudíveis e entrou na pequena gruta.

A fogueira ardia e exalava um forte calor, James tirou suas roupas e as colocou próximas ao fogo, lavou os ferimentos na água limpa do riacho, bebeu alguns goles da água e voltando a gruta, agora semi nu, sentou-se próximo a fogueira para se aquecer. Mais uma vez ele chorou, estava assustado, olhou para a lança que havia cravado no crânio daquele ser maldito, por um momento sentiu culpa pelo que havia feito, mas, o sentimento se desfez, quando olhou em seu peito, a marca que queimava pelo sal, se deitou, com a cabeça na pedra olhando para a entrada da caverna, segurando com as duas mãos a única arma que tinha, o cansaço finalmente tomou conta de seu corpo surrado pelo demônio, enfim, adormeceu.

Chaos - A Ilha Maldita.Onde histórias criam vida. Descubra agora