Cap. 4 - Levantamento

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   Gradativamente me apeguei a essa nova rotina, acho que posso dizer que estava feliz. Eu ainda pegava ônibus lotado pela manhã, vez ou outra era surpreendido pela chuva e ficava com os tênis encharcados, sempre almoçava algum lanche às pressas, não tinha nenhum crush e não conhecia ninguém além do pessoal da minha turma, ou do apartamento.

   Era novamente manhã de quarta, eu havia acabado de chegar na USP e sai em disparada pelos corredores, rumo a FAU. Os alunos que já estavam no prédio mandaram mensagem no grupo da turma anunciando que a professora Júlia havia acabado de chegar. Atravessei o hall de entrada e meus tênis fizeram um assobio irritante por conta do atrito com o piso caramelo. Subi as rampas até chegar à sala 12, encontrei com toda a turma ainda do lado de fora e tentei controlar minha respiração esbaforida, antes que a megera me notasse.

   - Bom dia turma, me parece que hoje todos conseguiram chegar a tempo... - Eu odiava tanto aquela mulher, que revirei meus olhos diversas vezes depois desse comentário debochado. A menina da borracha, na aula do Batista, estava de olho em mim e gargalhou baixinho ao notar minha expressão de puro... "Ranço" que chama, não é?

   Quando adentramos a sala escolhi um canto próximo de uma parede lateral, a garota da borracha se apressou em sentar do meu lado.

   - Muito bem, vamos fazer um exercício sobre o Programa de Necessidades, com esse exercício a gente define a lista de informações que vão nortear nossas decisões na hora de conceber uma edificação. Podem formar duplas. - A garota da borracha se aproximou e ficou me encarando com um sorriso levemente assustador.

   - Oi, eu sou a Vanessa, posso fazer com você? - Me questionava como ela conseguia parecer tão feliz logo cedo, meu humor só melhorava depois do almoço, talvez a maquiagem dela fosse a responsável por parte desse trabalho.

   - Claro... - Forcei um mísero sorriso, mas meus olhos nem se movimentaram. Para minha sorte, a professora interrompeu o clima constrangedor quando começou a explicar todo o exercício.

   - Muito bem, prestem atenção! Na primeira rodada um de vocês será o cliente e o outro será o arquiteto. O cliente vai dizer qual projeto ele quer, quais os problemas que ele pretende que o projeto solucione. O arquiteto deve anotar todas as dicas e orientações do cliente e deve formular as perguntas certas para descobrir quem é o cliente. Elaborem uma ficha com as informações que possam traçar um perfil, quanto mais você conhecê-lo, mais entenderá o que é realmente necessário para ele.

   Ela não precisava nem respirar para falar, todo aquele texto já estava impregnado em sua mente. Era automático e parecia seguir uma sequência lógica que ainda não fazia tanto sentido para mim.

   - Na segunda rodada vocês devem inverter os papéis, todos devem me apresentar o perfil do cliente e o programa de necessidades contendo as informações sobre como será o projeto que vocês irão desenvolver. Enquanto isso vou passar a lista de chamada para vocês assinarem, parece que hoje, infelizmente, não vou poder dar falta para ninguém. - O sorriso da barbie arquiteta era no mínimo doentio.

   Eu ainda estava visivelmente desconfortável com aquele ser diminuto, de rosto bem redondinho que me cercou para ser sua dupla. Apesar de formamos a dupla mais improvável daquele exercício, fiquei grato de alguém finalmente ter se aproximado de mim.

   - Por que você quis fazer esse exercício comigo, Vanessa? - Tentei sanar minha curiosidade.

   - E porque eu iria não querer? - Ela tentou rebater com um novo questionamento. - Olha, você parece ser diferente do restante da turma. Não sei explicar, eu te acho engraçado. Sempre tirando cochilos nas aulas teóricas. - Vanessa me passou a lista de chamada e cochichou algo. - Toma, assina o nome da Marcinha.

PROGRAMA DE NECESSIDADES (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora