Capítulo 2 - Encontro inesperado

166 24 59
                                    

Era um dia como qualquer outro, e Clara não tinha nada de diferente para fazer. Ela se achava em uma taverna e já pensava em ir para casa quando a conversa entre dois amigos prendeu sua atenção.

– Perto de uma queda d'água, ou adentrando a Floresta Leste, ou em qualquer um dos ermos, enfim, em lugares assim, a barreira fica totalmente visível. Mas se você tiver dificuldades para enxergar depois que escurece, você pode usar um feitiço.

– Não tenho problemas com isso, muito pelo contrário...

– Certo! Ah, tem um detalhe: A gente só consegue atravessar para o outro mundo durante esse dia. A Lua Fantasma à pino no céu marca o instante da abertura e do fechamento da barreira. Se acontecer de você ir para lá e não conseguir voltar a tempo, vai ficar preso daquele lado por um ano!

– Estou sabendo... Mas vou ter que correr esse risco. Preciso de ingredientes que só são encontrados lá. Me diz: Você já esteve no Mundo dos Humanos?

– Já, mas foi só uma vez e pra nunca mais! É um lugar imenso, e caótico, e cheio de humanos!

– Ha! O que você esperava?

– Não, você nunca vai entender o significado da palavra "cheio" enquanto não for lá.

Clara escutava a conversa com interesse, mas percebeu que seus conterrâneos já estavam de saída. Amuada, ela não demorou em deixar a taverna também, porém sem conseguir parar de pensar naquele assunto.

Ela já ouvira centenas de histórias sobre o Mundo dos Humanos, mas até então não pensava que pudesse ser algo digno de uma jornada. No entanto, a ideia de que todos os anos a barreira que separava os dois mundos se enfraquecia a ponto de permitir a travessia para qualquer um dos lados era no mínimo intrigante.

Um pouco depois de já ter sobrevoado um bom trecho de seu trajeto habitual, Clara fitou o breu abaixo de si. Naquela noite, a densa escuridão da Floresta Leste lhe parecia muito mais convidativa do que ameaçadora. Olhando então mais para o alto, ela avistou a lua e deduziu que a passagem para o outro mundo estava prestes a abrir.

ooOOOoo

Clara sentia-se deslumbrada com o Mundo dos Humanos. Sua breve estada ali estava próxima ao fim, mas por ser capaz de ficar longos períodos sem dormir, ela não desperdiçou um só instante do tempo disponível.

Mesmo durante a madrugada, aquela cidade emanava vivacidade. Agora ao anoitecer, ela contemplava as luzes cintilantes dos arranha-céus, a mistura eletrizante de sons e cheiros, e a extensão sem fim das avenidas. Diferente de seu conterrâneo na taverna, ela não achou nada ali caótico.

Pelo tempo em que esteve entre os humanos, Clara se manteve bem camuflada, com uma aparência e roupas adequadas, e que a permitiam passar despercebida entre os tantos transeuntes. Sentia-se satisfeita e julgava que a travessia valera o esforço, mas, de repente, um rosto na multidão despertou sua atenção.

Tratava-se de um rapaz humano de olhos castanhos e cabelos escuros, as roupas dele pareciam desalinhadas, e ele tinha o rosto tomado por uma tristeza tão palpável que ela podia sentir a angústia dele como se fosse sua. Então, ela percebeu quando esse rapaz entrou furtivamente em um daqueles bonitos prédios, e sem saber porque decidiu segui-lo.

Avistou-o correr e passar por uma estranha porta, feita de um metal lustroso, e com duas bandas que se fechavam ao centro, à semelhança de um portal. Ela usou seus poderes para ficar intangível e invisível , e assim poder voar livremente.

Ela nunca teria imaginado o quanto essa habilidade seria oportuna naquele momento. Pois, logo descobriu que a porta que o rapaz tinha atravessado não conduzia a outro saguão, mas era na verdade parte de um aparato que levava seus ocupantes para o alto.

Assim, Clara flutuou bem próxima ao rapaz. Conforme o aparato subia, de tempos em tempos suas portas se abriam e as pessoas deixavam seu interior, até que o rapaz foi o único a restar lá dentro. Quando ele enfim saiu, ficou um tempo parado diante de outra porta.

Clara estava bem atenta quando o rapaz deixou o abrigo do prédio e chegou a um espaço descoberto. Depois, ela o viu caminhar até a beira da construção, que só agora ela percebia ser alta como uma montanha, e em uma fração de segundo, ela entendeu o que acontecia.

Velozmente, Clara voltou a se materializar e há poucos instantes de o rapaz se jogar dali. Então seus olhares se fixaram, e daquele momento em diante a vida dela mudaria para sempre.

– Quem é você? - ele exigiu saber.

– Você pensava em se jogar daqui? - retrucou plácida, já acostumada à linguagem dele.

– Que truque é esse? Aonde você se apoiando?

Percebendo a perturbação dele, Clara o empurrou para trás.

– Para! Sai da minha frente! Eu já me decidi!

– Mas por que você quer tirar sua vida?

– Não te interessa! Sai da frente!

Clara não se moveu e, instantes depois, aquele humano estava de joelhos diante dela, chorando como uma criança.

Continua...

O Lamento da FadaOnde histórias criam vida. Descubra agora