Capítulo 3 - O melhor ano de nossas vidas

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O rapaz ainda chorava, e sem mais suportar tanto sofrimento, Clara o fez perder os sentidos. Ela pensava que seria capaz de ler a mente dele, mas logo compreendeu que isso não era nada simples, então se focou em questões mais imediatas: Qual era o nome dele? Onde ele morava? E o que poderia fazer para ajudá-lo?

Em pouco tempo, Clara soube que ele se chamava Hector, e que embora uma casa, rodeada de plantas e flores, estivesse nítida na mente dele, era em um apartamento pequeno e em péssimo estado que ele atualmente vivia.

Com base nisso, e sem querer perder mais do precioso tempo de que ainda dispunha, ela voou para o tal apartamento, carregando o desacordado nos braços, como se ele nada pesasse.

Em menos de uma hora, Hector estava devidamente acomodado em seu quarto, e Clara encarava seu sono inquieto e ouvia seus delírios. Vez por outra, ela apertava uma das mãos dele entre as dela. Aconteceu então que seus sentidos se desconectaram da passagem do tempo e tudo ao seu redor se resumiu aquele rapaz.

Então, a noite foi engolida pelo dia, e quando os raios do Sol invadiram aquele quarto lúgubre, e Hector abriu seus olhos castanhos, e olhou diretamente para ela, ali muito tranquila a encará-lo, tudo que Clara conseguiu fazer foi sorrir para ele. Estava encantada com a harmonia dos traços físicos dele. Ele era extremamente bonito e os olhos tinham um brilho que a cativaram por completo.

Apesar da nítida confusão em seu olhar, ele sorriu de volta para ela, e Clara soube que seus destinos tinham sido entrelaçados.

Instantes depois, Hector se levantou, Clara se aproximou um pouco mais, e foi então que seus lábios se uniram em um beijo pela primeira vez.

ooOOOoo

Naquele um ano em que esteve exilada, Clara se empenhou em aprender tudo que pôde sobre a cultura e a sociedade humana. Foi um período formidável e inesquecível.

Ela e Hector estavam totalmente apaixonados e o mundo os convidava a desfrutar tudo do melhor que tinha a lhes oferecer.

Clara agora sabia tudo sobre Hector. Sabia que ele era o filho mais velho de um casal recentemente divorciado. E que ele nunca aceitou aquela separação. Na visão dele seus pais precisavam ser um casal imaculado e perfeito, tanto que essa foi a razão de sua tentativa de suicídio.

Hector era incapaz de lidar com coisas que fugiam daquilo que ele considerava normal. E mesmo ciente disso, Clara escondeu sua origem dele. Ela sabia que mais cedo ou mais tarde teria que contar a verdade a ele, porém isso ficou totalmente relegado a um segundo plano quando uma fatalidade sobreveio a um familiar de Hector.

Foi nessa ocasião que Clara se deu conta do quão frágil era a vida dos humanos. Ela passou dias estudando sobre enfermidades, envelhecimento e morte. E ficou chocada ao saber que, diferente do que acontecia em seu mundo, ali passados algumas poucas dezenas de anos as pessoas morriam.

Impulsiva, ela decidiu que não poderia permitir que Hector morresse. Felizmente, o Dia da Travessia estava próximo, então ela decidiu que iria voltar a seu mundo e encontrar uma solução para aquele inconveniente chamado morte.

ooOOOoo

Na taverna do outro mundo, Clara estava sentada diante de uma medianeira que acabara de lhe vender informações sobre a morada de uma pessoa que poderia ajudá-la a conseguir o que tinha vindo buscar ali, e no pouco tempo de que dispunha.

– Você tem certeza que quer mesmo recorrer a ela?

– Não sei de outra pessoa que seja capaz de fazer coisas desse tipo.

– Isso é verdade, mas você sabe que a reputação dela não é das melhores...

– Não tenho tempo para me preocupar com isso.

Uma vez acertado o pagamento, Clara partiu. Em pouco tempo, ela chegava a uma caverna encrustada em um penhasco, onde uma mulher de asas mecânicas veio a seu encontro.

– Jade, eu quero fazer um acordo!

– Eu sei. Todos vêm aqui com esse mesmo propósito.

– Quero uma poção que permita a um humano viver como nós.

– Eu já cansei de recusar pedidos assim, mas poderei atender o seu se prometer me dar algo em troca.

– O que seria?

– Preciso de uma lágrima sua.

– Apenas isso?

– Sim, mas não agora. Haverá um momento certo para isso...

– E o que mais?

– Mais nada. Porém, se você aceitar, o acordo estará firmado. A imortalidade do seu humano por uma lágrima sua no tempo que eu determinar. Você aceita?

Clara não deu ouvidos à sua intuição e nem aos conselhos que outros tentaram lhe dar.

– Sim, eu aceito.

E naquele mesmo dia, pela mesma barreira enfraquecida, Clara atravessou para o Mundo dos Humanos, levando consigo a miraculosa poção.

Continua...

O Lamento da FadaOnde histórias criam vida. Descubra agora