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"Quanto mais o tempo flui, mais complicadas ficam as coisas." - Don't leave me

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Movimentei pernas e braços no ritmo e intensidade da música. O suor deslizava na curvatura do meu pescoço para o abdomen, molhando cada vez mais o moletom branco. Deixei a melodia adentrar para além dos meus ouvidos, conduzindo meus passos, levando meu corpo a entrar em perfeita sincronia com a canção. Me movi conforme a serenidade do balanço inicial, girando e girando, e ao decorrer que o som se tornava agudo, meus movimentos ganhavam abundância, junto de uma lufada de emoções partindo do meu coração, emanando para todo canto daquela sala, indo e voltando, me cercando, transformando o ar leve em denso de preocupações e frustrações. Cedi a cada sentimento, me entregando de corpo e alma. Eram movimentos precisos e ferozes e expressões sofridas em minha face. Eu sentia tudo em cada extensão do meu corpo. Girei e girei, deslizei e desabei, a música atingindo seu ápice junto a mim, entoando a última nota.

Meu peito subia e descia no ritmo descompassado do meu coração, o suor escorria pelas minhas têmporas, sentia cada parte do meu corpo pulsar, um formigamento começou nos meus membros e no mesmo instante levantei, senão a exaustão me pegaria antes da hora. O moletom estava encharcado de suor, fui até minha mochila e retirei uma camisa que tinha levado, me despi e a vesti, sempre andava com uma ou duas a mais. Estiquei a outra no chão para secar um pouco antes guardá-la, bebi toda a água da minha garrafa e respirei fundo recuperando o fôlego. Senti como se tivesse carregado algo muito pesado nas costas, talvez fossem os ensaios árduos das últimas semanas, meu corpo necessitava de massagens fazia um bom tempo, mas não sobrava quase nenhuma brecha no meio da minha rotina para um momento de cuidados e descanso. Só que eu não podia pegar leve praticando, o dia da apresentação se aproximava mais rápido do que eu esperava.

Olhei as horas tomando um susto ao ver que faltavam quarenta e cinco minutos para começar meu expediente, tinha passado do tempo planejado, ainda teria que pegar o ônibus, tomar banho e me arrumar para finalmente seguir ao trabalho. Grunhi irritado, tampei a garrafa colocando no bolso lateral da mochila, peguei o moletom enfiando no bolso maior e passei as alças nos ombros. Sai correndo da sala as pressas, praticamente corri até a parada, e para meu azar o ônibus demorou uns sete minutos.

Cheguei em casa faltando dez minutos para as três horas, entrei disparado em direção ao banheiro, não passei mais do que cinco minutos debaixo do chuveiro, mas o suficiente para me lavar bem. Me arrumei e guardei o necessário na mochila, por fim conectei o fone no celular para escutar alguma música no curto caminho que faria. Antes de sair fui ao único quarto daquele apartamento, vovó estava deitada na cama assistindo televisão, não demorou muito até me notar e fazer sinal para que eu me aproximasse.

- Vó, já estou indo trabalhar. - sentei na ponta do colchão.

- Ah, Jimin, sempre tão esforçado. - gesticulou para eu chegasse mais perto.

- Ficará bem aqui, certo? - franzi as sobrancelhas preocupado, como todos os dias.

- Não se preocupe tanto comigo, estarei te aguardando para o jantar. Foque no que tem de fazer e tenha um bom trabalho. - sorriu, e como reflexo, sorri de volta.

Acariciei suas mãos e beijei sua testa, sai do quarto indo em direção a porta da frente, repentinamente lembrei do boné em cima da mesa na cozinha, dei meia volta em passos largos, não podia esquecê-lo. Apanhei-o num ato veloz e estuguei novamente para a saída, mas meus passos foram interrompidos novamente, dessa vez por um barulho vindo do quarto, girei os calcanhares com ímpeto e retornei ao cômodo, minha visão foi atingida pela cena de vovó caída no chão com as mãos pousadas na cabeça e expressões de dor.

- O que aconteceu?? - meu coração errou várias batidas. Agachei ao seu lado e ajudei-a levantar, colocando-a de volta na cama.

- Eu só levantei para desligar a tevê, senti tudo girar e minha cabeça doeu aqui atrás. - indicou perto da nuca. - Agora tem estrelinhas na minha vista.

- A senhora tomou o remédio das duas horas? - perguntei de prontidão já imaginando a causa daquilo.

Ela virou o rosto lentamente e me encarou. Ali estava a resposta.

- Aigoo vovó, eu disse para não esquecer. - proferi chateado.

- Miane, não fique com raiva de mim, miane. - segurou minhas mãos, mas as soltou no mesmo segundo, para desferir coques na sua cabeça. - Pabo, pabo.

- Ya, ya. - a fiz parar. - Eu só fico preocupado. Sua pressão deve ter aumentado, não faça isso. - me pus de pé. - Fique deitada, vou pegar o remédio.

Tracei o caminho para a cozinha, peguei a caixa com as pílulas em cima do pequeno armário, um copo d'água e o aparelho de medir pressão. Retornei ao quarto e a fiz tomar o remédio, tirei o medidor da bolsa e ajeitei no seu braço. Como eu suspeitava, muito alta. Tive que ficar com ela até a pressão normalizar. Os minutos passavam e mais uma vez eu chegaria atrasado, mas não me importava naquele momento, a saúde da minha velhinha era em primeiro lugar, para isso eu estava ali.

Cerca de meia hora depois sua pressão estabilizou, pude ficar tranquilo, mas eu não quis mais ir trabalhar, optando lhe fazer companhia para caso acontecesse algo pior - o que eu torcia para não acontecer - mas ela insistiu para que eu fosse e prometeu se cuidar, tentei retrucar, porque a verdade era que eu não queria encarar o senhor Hyun me humilhando por aparecer atrasado mais um dia. Após muita insistência dela, atendi o pedido.

Todo dia meu coração pesava por ter que deixá-la sozinha em casa para fazer minhas obrigações, o pior é que eu não tinha outra opção, precisava fazê-las, eu tinha que comprar seus remédios, o dinheiro da sua aposentadoria era todo para o aluguel e comida. Éramos nós dois em um quartinho vivendo da melhor maneira que eu podia oferecer, vovó merecia estar em uma situação bem melhor, sem passar por aperreio todo mês, se não fosse por seus filhos egoístas terem a abandonado, nunca compraram sequer uma caixa de remédio para ajudar nas dificuldades de saúde que ela enfrentava ou a visitaram. Eu era o único, sempre cuidei dela com todo amor e carinho, muitas vezes me deixando de lado, e eu não ligava se faltaria coisas para mim, só queria ver minha avó bem e feliz, apesar do pouco fornecido, eu não ganhava muito bem, mas era de onde eu podia tirar parar manter sua saúde e bem estar equilibrados.

No entanto, a situação tinha apertado nos últimos meses, o aluguel aumentou, o dinheiro não parecia mais suficiente, eu tinha que me desdobrar na rotina para dar conta de fazer diversas tarefas. Suportava o sexto semestre da faculdade quase sugando minha alma e meu chefe me desprezando por não chegar no horário certo. Mas nunca era proposital, eram só minhas responsabilidades crescendo a cada dia que passava, e eu não estava muito longe de cair na loucura.

Meu coração se apertou e segurei as lágrimas que ameaçaram cair, eu tinha que ser forte. Respirei fundo e mudei a música melancólica para uma mais animada, quem sabe me proporcionasse energias positivas para os minutos seguintes. Dobrei a esquina tendo em vista o estabelecimento do meu local de trabalho, onde com toda a certeza do mundo um homem gorducho ranzinza me aguardava com as palavras mais hostis na ponta da língua a serem lançadas contra mim. E uma coisa eu sabia, senhor Hyun não me daria mais chances para consertar meus erros.

A cor cinza é a cor da neutralidade, da estabilidade e da ausência de emoções. Pode também representar chateação, tristeza, sofrimento, solidão e isolamento.

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Um capítulo curto para vocês entenderem um pouco da vida do Jimin na história. ^^

➳❥ Paint me {P.J}Onde histórias criam vida. Descubra agora