21.1

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penúltima parte.

em breve, a última!


deixe seu comentário e voto de incentivo <3


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[— Sempre haverá um retrocesso só por que ela não estava com o aparelho?

— Por horas sem usá-la, possivelmente. Mas o costume varia de paciente para paciente.]

Val continua olhando de um para o outro e de outro para um. Tudo que consegue entender são palavras quebradas e à toas já que nesse momento nenhum deles tenta olhar para ela ou falar em libras.

— Mas, doutora... Ela não é tão nova. Não será difícil para ela se adaptar?

— Já tive pacientes que perderam a audição quando crianças e nunca usaram um aparelho até seus vinte e tanto anos. O que será um processo mais lento é o da fala.

— O antigo fono dizia que para falar precisamos ouvir.

— É exatamente isso. Ela precisa ouvir muito para conseguir produzir sons, inicialmente podem ser básicos, até se tornaram efetivamente uma palavra.

— E como será esse processo? — Tina observou seu pai colocar sua mão em seu queixo, aparentemente pensativo.

Ainda segurava seu celular com a mão livre, mas já não digitava.

— Bem, não existe nenhuma parte do corpo humano cuja única função esteja apenas relacionada com a fala, entende?

— Não?

A doutora ri e Val se pergunta onde está a graça, afinal, ela também quer ouvir normalmente o que eles falam.

— Não, senhor. As partes do corpo humano que utilizamos na produção da fala têm outras funções primárias, como, por exemplo, mastigar, engolir, respirar ou cheirar. Ao produzirmos qualquer som de qualquer língua fazemos uso de uma parte específica do corpo humano, o aparelho fonador. Podemos dizer, de maneira bastante leiga, que trabalharemos para fazer com que Valentina saiba usar seu aparelho fonador também para a fala. Por isso, é um processo, uma adaptação.

Ela continua olhando para ambos enquanto seu pai acena, como se entendesse alguma coisa. Será que realmente entendia? Se questionava.

Seu pai olha para ela e se aproxima, colocando novamente uma mão no ombro dela. Ele está sorrindo.

— Vai dar certo, filha.

Eu estou te ouvindo — ela abre a boca, mexendo-a como sabe que as palavras soam e também em libras para tentar fazer com que seu pai a entenda. — Distante e ainda incomoda... Mas estou te ouvindo.

— Acho que não melhorará tão rápido, filha. — Seu pai está entre falar as palavras vocalizado e falar em libras.

Podemos ir? — Valentina sabe que frases curtas seu pai consegue entender em libras, sem ela precisar mexer seus lábios.

Ele olha para a médica que acena.

— Não esqueça de lembrá-la do momento certo para tirar o aparelho auditivo e de, pela manhã, sempre colocá-lo.

Seu pai volta a olhar para Val.

— Conseguiu ouvir o que ela disse?

A menina acena.

Com dificuldade — fala e, no fim de sua frase, estende sua palma para que ele não possa falar nada. — E eu sei que vai melhorar.

Ele sorri antes de afastar a sua mão do ombro dela e estendê-la. A menina sabe que seu pai normalmente nunca faz qualquer um daqueles movimentos para se aproximar fisicamente dela, mas, eu sinto o que ela sente e ela não se incomoda da atitude dele.

Não é melhor ou pior que a sua mãe, mas é... diferente. Claramente é um movimento mais tímido, retraído, mas é tão confortável quanto, mesmo à sua maneira de tocar.

Tina realmente gosta da sua fonoaudióloga, mas com aquele aparelho preso em sua orelha, incomodando e o som distante, a faz querer se afastar daquela sala apertada e branca demais.

Quer ir para casa. Quer ouvir os menores e aparentemente "não-importantes" sons.

Sendo assim, quando ela sai da clínica, está aliviada. Sente vontade de correr, mas se mantém próxima de seu pai, andando até o carro da família.

Valentina inclina sua cabeça, encarando seus pés. A cada passo, um barulho é ouvido. Ela cutuca seu pai e aponta para seus pés. Olha para ele e ver seus lábios se mexerem enquanto continua escutando sua voz soar distante:

— Britas. É o barulho das britas.

Ela chuta algumas pedrinhas de brita e ouve o barulho delas. Uma das que chuta, voa distante. Está distante o bastante para que ela não consiga ouvir o barulho quando bate no chão.

Um outro barulho, ao seu lado, chama a sua atenção e é similar ao som das britas. Ela encara seu pai e vê quando ele tira de seu bolso o molho de chaves. Com elas, ele clica em um botão da chave do carro e a menina arregala seus olhos quando consegue ouvir o carro disparar, destravando.

Caminham em direção ao carro e seu pai abre a porta do carro para ela. Em um aceno, agradece e quando a porta está fechada, os menores barulhos da rua são abafados. Quando seu pai dá a volta e abre a porta do carro, ela consegue ouvir momentaneamente os demais barulhos na rua antes de ele entrar no carro e fechar a porta.

— Você está ouvindo? — ele a pergunta enquanto afivela seu cinto.

Ela faz o mesmo e acena com a sua cabeça, confirmando. O resto do percurso de carro para a casa é tranquilo e com a janela aberta, ela ouve até mesmo o barulho do vento forte. Valentina quer chorar, mas se contém. Ainda sente o incomodo e ainda pensa em tirar o aparelho auditivo porque pressente que ele tem grandes chances de lhe dar uma dor de cabeça exaustiva... Mas seu desejo de continuar é maior do que o seu incomodo atual.

Em casa, como sua mãe não está, Valentina vai direto para o banheiro e antes que possa fazer qualquer coisa, ouve a batida na porta do banheiro. Abre a porta e seu pai a alerta:

— Se for tomar banho, tire o aparelho.

Me lembrarei — fala ao fechar a porta novamente.

Após tomar seu banho e colocar o aparelho auditivo novamente, ela vai para seu quarto e está a ponto de pegar seu celular, que tinha deixado sobre sua cama, quando sua mãe aparece na porta de seu quarto, ao lado de seu pai.

Filha... — sua mãe fala, pelo costume, tanto em libras quanto verbalmente. — Você está me ouvindo? — a segunda frase é apenas falada oralmente.

Valentina está sentada em sua cama e se levanta para abraçar sua mãe. Não há respostas, verbais ou de sinais, que sejam o suficiente para descrever a forma como o coração dela palpitava ao ouvir a voz de sua mãe. E, naquele instante, mesmo que ela pudesse falar todas as palavras possíveis, não haveria uma que a descrevesse melhor do que aquele abraço.

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