Heróis e vilões. Qual desses você escolheria? Os vilões sempre morrem, são presos ou fracassam em toda história. Os heróis ganham medalhas, prêmios e cerimônias em homenagem à sua coragem. Clássicos personagens antagônicos de uma história qualquer; mas esta história não se trata de uma trama dessas.
Agora, imagine que no meio de um dia como outros, alguns magos e criaturas mitológicas transformam o que antes era seu lar num verdadeiro "inferno na Terra". Eventos como esse marcam a vida de muitos e findam a vida de outros, deixando apenas uma lembrança em forma de pesadelo na memória de seus habitantes.
Uma mulher anda vagarosamente por entre as árvores quando escuta um grito distante. O grito vinha de sua filha, correndo atrás das gaivotas que saíam voando da praia.
— LUANA! Cuidado com as pedras escondidas na areia!
A garotinha parou e apenas encarou sua mãe de longe. Correu em sua direção, quase tropeçando em uma rocha perto da mesma.
— Eu avisei.
— Desculpa, mãe. Mas você viu! Nenhum arranhão!
Luana Coyle, a menina de 12 anos que encantava a todos na ilha de Dankai Lee. Sempre que passava por algum lugar ouvia as pessoas falando sobre ela e como era gentil. Ela se sente incrível sempre que os dias se findam. Seu maior sonho é que todos sejam sempre felizes, independente do lugar. A mãe de Luana era casada com seu pai, que não era muito bem visto pelas pessoas anciãs. Algo em seu passado sombrio ainda marcava um vazio na origem de sua família. Luana sempre teve dúvidas a respeito da imagem negativa de seu pai na comunidade, mas nunca se aprofundou no assunto.
— Vocês duas são engraçadas. Saem do centro sem me avisar e vêm curtir o mar sem a minha presença ilustre?
— Ora, vamos Samar. Não faça tanto drama... Só vim atrás da Luana, ela acabou se perdendo no meio das pessoas e foi parar na praia.
— Mesmo assim vocês deveriam ter me chamado.
O pai de Luana as tratava com respeito, mas mudava o semblante sempre que estava perto das pessoas. Os três voltaram para o centro, onde aconteciam algumas apresentações culturais. Apesar de ser uma comunidade não muito grande, as pessoas sabiam como representar seu companheirismo. Havia um ancião sentado num tronco embaixo da sombra de uma palmeira que apenas observava a família enquanto contava histórias do passado de Dankai Lee para os jovens dankianos. Luana percebeu que seus olhos estavam fixados nela e decidiu se aproximar para ouvir suas palavras, longe da percepção dos pais.
— ...E o estrondo que ouvimos foi pior do que qualquer outro barulho alto! Era como se o mundo fosse acabar naquele momento...— o ancião interrompeu a si mesmo —Boa tarde, Luana.
— Por favor, pode continuar aí. Só vou ouvir.
O ancião deu um suspiro profundo, levantando a curiosidade dos jovens.
— Tem certeza, menina indolente? Você estaria preparada para saber sobre o terrível passado de Dankai Lee?...
— Ué, sim. Mas o que tem de tão terrível nisso?
O mais velho se aproximou lentamente da garota, levando sua mão velha a sua boca para cochichar.
— Pergunte ao seu pai.
Aquela resposta não agradava seus ouvidos. O que diabos um cara como aquele esconderia de sua própria família?... As perguntas íam e vinham na cabeça da menina dankiana.
Na noite após as apresentações, Luana esperou que seu pai fosse ao mar pela última vez no dia para poder conversar e tentar entender as coisas. Quando ele estava à beira, onde os restos de sol permitiam apenas a vista da silhueta de seus cabelos ao vento, a menina andou até seu pai e apenas ficou em silêncio, ouvindo as fortes ondas do mar se quebrando.
— Você quer que eu te conte sobre o que aconteceu em Dankai Lee.
— Bem, é. Acertou.
— Luana... — suspirou — ...Existem muitas coisas que você só vai entender quando for mais velha.
— Não comece com esse discursinho! — Luana o interrompeu — Eu já sou madura o suficiente pra saber!
— E você acha que gritar desse jeito é ser madura?
A menina ficou em silêncio, sem resposta.
— Escute bem, só vou falar uma vez. Essa ilha sobreviveu a muitas coisas no passado, mas nenhum acontecimento foi tão marcante como aquele... Tô te pedindo, na maior sinceridade, não meta o nariz nesse assunto.
— Tá bem, pai...
— Promete?
— Prometo.
É claro que era mentira.
Por volta das 3h da manhã, Luana acordou de um pesadelo sem sentido e totalmente fora de contexto. Decidiu ficar à toa enquanto o sono não vinha, apenas para passar o tempo e esperar o amanhecer. Olhando para o teto, pensando nos segredos enterrados, levantou-se da cama e procurou por qualquer fato que evidenciasse essa tal coisa terrível, falhando miseravelmente.
No outro dia, escapando de seus pais por um tempo, correu até a cabana do líder da comunidade dankiana e voltou a procurar. Nada na ala de comunicação. Nada na ala de administração. Nada. Olhou diretamente para os panos mais altos, que abriam a entrada de uma biblioteca de arquivos importantes. Procurou por entre as prateleiras e logo percebeu que alguém se aproximava. O desespero tomou conta da menina e ela correu tentando desviar do alcance de quem estaria ali, sendo pega de surpresa por um dos guardas dankianos.
— Luana? O que você tá fazendo aqui? — perguntou o guarda.
— Ahh... Eu... — Luana desviou o olhar — ...Eu vim procurar um arquivo sobre a fundação da ilha pra um trabalho escolar!— deu uma risada sem graça.
O guarda olhou para a pedra que ficava próximo ao pescoço de Luana. Todo dankiano possui uma, e caso os níveis de cortisol estivessem altos, a pedra adotava um tom esverdeado. Porém, a pedra de Luana permanecia na sua cor de púrpura clara, então passou despercebida pela fiscalização visual.
— Tudo bem, caso esteja precisando desse arquivo, tá ali, ó... — o guarda apontou com o queixo para um canto da biblioteca.
— Ah, obrigada. Tenha um bom dia! — Luana se despediu, agradecendo por ter controlado suas emoções na hora de mentir.
Procurou no canto em que o guarda havia lhe dado a dica e acabou encontrando um livro com um símbolo estranho. Parecia ser a pista que procurava. Estava cheio de palavras estranhas e sem sentido, mas folheando as páginas encontrou uma foto de seu pai seguido de algumas informações pessoais. O que ela não esperava era ler "Condenado" na última categoria, "Classificação". Sentindo-se traída, se retirou da cabana e logo foi a procura sua mãe, a fim de conseguir algumas respostas. Identificando o cabelo longo e preso de sua mãe, correu até a mesma, escondendo o livro em sua mochila.
— Mãe! Aí está você! Temos alguns assuntos pra resolver aqui e agora.
— Luana?... O que houve?
— Eu digo o que houve. Vocês nunca me contam nada! Tudo que aconteceu antes de estarmos aqui!
— Como assim a gente nunca te conta nada?
— Eu não sei nada sobre mim! Estou vivendo um ambiente falso cheio de pessoas que me tratam como uma criancinha ainda! Eu nem sei como eu consegui essa cicatriz de queimadura! — apontou para sua mão, a qual tinha uma luva especializada para esconder e proteger a queimadura dos raios solares.
— Bem, quando você era neném eu tinha que fazer muitas coisas ao mesmo tempo, mais do que já faço, mas a mais difícil era cozinhar e cuidar de você. Num dia desses eu acabei me descuidando e você foi parar perto do fogo. Acho que você estava tentando descobrir o que era aquela coisa esquisita que brilhava e colocou a mãozinha lá.
— ...E?
— E é isso. Essa tua luva é por causa disso.
— Ah... Mas você tá me dizendo que foi um problema bobo como esse?
— Eu entrei em desespero, saí correndo atrás do seu pai pra podermos curar você! — ela deu uma risada forçada.
— Tá... — Luana desconsiderou — ...Mas e o acontecimento terrível de que todos falam?
— Todos? Todos quem? Alguém te contou alguma coisa? — o semblante da mãe havia mudado.
— O ancião do centro! Ele sabe muito mais coisas sobre mim!
A mãe suspirou e deu uma encarada bruta na palmeira que estava a poucos metros de distância. Voltou a olhar para a filha e deu um sorriso falso.
— Luana, você inventa cada coisa...
Desapontada. Luana sabia que aquilo que tinha ouvido de sua mãe não poderia ser uma verdade erudita. Passando pelo segundo dia de apresentações culturais no centro, à procura do ancião, percebeu que o mesmo não estava mais onde estava no dia anterior. Alguns jovens que estavam ouvindo suas palavras no outro dia estavam sentados ali, entediados e intrigados pela ausência do ancião. Luana correu até eles, despistando a atenção dos pais novamente para saber o que tinha acontecido.
— Oi Luana... — um rapaz a cumprimentou.
— Mas o que aconteceu por aqui? Onde está o ancião?
— Sei lá! — uma jovem se intrometeu — ...Perguntamos pra todo mundo mas ninguém soube responder.
— A gente acha que talvez o líder dank... — o jovem parou por um instante, ficando completamente apavorado e sem fôlego para continuar falando.
Logo uma mão pousou sobre a cabeça da menina, congelando qualquer estímulo nervoso do seu corpo.
— Minha filha! Aí está você... — Samar falava de um jeito gentil, deixando tudo mais assustador — ...Vamos embora? Preciso ficar na beira do mar de novo, quer me acompanhar?
A garota continuava sem expressão.
Os jovens fizeram a saudação dankiana — a qual se juntam os antebraços em cima do outro e curvam o tronco — e se retiraram, cada um indo para um canto. Samar pegou sua filha pela mão, andando em direção à sua cabana. Luana sabia que estava encrencada. Recebendo uma bronca da mãe e sendo colocada de castigo por um dia inteiro, sem poder sair de casa. A menina se sentiu sem valor e, com raiva, se dirigiu à sua mochila a fim de ler um pouco mais sobre o livro do símbolo estranho que havia... "roubado"? Não, pego emprestado sem o consentimento do líder da comunidade. Ao abrir sua mochila, o ódio tomou completamente o corpo de Luana, deixando a coloração de sua pedra completamente avermelhada e quente. Alguém havia tirado aquela pista de lá.
Na noite daquele dia, enquanto esperava que o sono profundo a encontrasse, Luana ouvia uma briga entre seus pais.
— ...Não, Cris, você ainda não me entendeu!
— Calma Samar! Eu sei que você esconde isso dela, mas você sabia que essa fase ia chegar em algum momento da vida dela...
— Só não esperava que chegasse tão cedo! Você viu o que estava na mochila dela! Se ela descobre tudo por trás do Raknor nós vamos perder ela!
— Acalme-se...
— Não fala comigo assim! — Luana sentiu uma energia estranha transpassando pelos panos de seu quarto —Não tem como me acalmar! Ela vai saber de tudo, nunca mais vai olhar pra mim da mesma forma, com aqueles olhos inocentes...
— Samar...
— ...Ela sequer vai pensar em te chamar de "mãe" de novo...
— SAMARCO!!— um som fora escutado pela menina, parecendo ser um tapa — ...Para de falar besteira. Para de se machucar e de me machucar sem motivo. Ela não deve ter lido nada, nem deve ter pensado alguma coisa negativa de você! Ora... Descansa, ela tá bem.
— Cris, nós vamos perder a nossa garotinha pra eles... — a voz de Samar saía trêmula, seguida de um choro.
"Você já perdeu, pai..." pensou a garota enquanto ouvia.
Assim que a discussão aparentou ter acabado, Luana esperou até que seus pais fossem dormir e entrou com um plano. Saiu de fininho pelos panos de seu quarto e passou pela cozinha, indo em direção ao quarto de sua mãe e seu pai. Levantou um dos panos com cautela para não fazer nenhum barulho ao adentrar. Andou na ponta dos pés até um tipo de escrivaninha que estava ali, imaginando que o livro pudesse estar em cima, mas nada. Tentou abrir uma das gavetas e percebeu que estava trancada. "Droga!", pensou. Se aproximou da cama em que seus pais dormiam e olhou para seu pai, morrendo de medo de ver seus olhos abertos. Percebeu que a chave estava presa a um cordão que o pai usava. Para sua sorte, a chave estava de um lado enquanto seu pai dormia abraçado de sua mãe, virado para o outro lado. A menina pensou como poderia tirar a chave de lá e voltou para seu quarto, devagar.
Procurou em suas coisas uma tesoura sem ponta, coincidentemente da cor de seus olhos. Voltou para o quarto anterior mas, ao adentrar, percebeu que seu pai havia virado exatamente para o lado o qual a chave estava, deitando em cima dela. Luana bufou silenciosamente. Se aproximou de Samar, levantou um pouco uma parte do cordão e tentou cortá-lo com sua tesoura, levando um susto pelo ronco alto de seu pai. Esperou por alguns segundos e tentou cortar o cordão novamente, tendo sucesso. O pai da menina começou a se revirar de novo, deixando a chave exposta e fácil de ser pega por Luana. Abriu a gaveta, pegou o livro do símbolo estranho e saiu rapidamente do quarto de seus pais. Pegou algumas coisas importantes de seu quarto e colocou tudo dentro de sua mochila. Pulou da janela e saiu correndo até o caminho que levava ao centro cultural da ilha. Enquanto corría tensa, para não ser percebida por ninguém, um carro com rodas enormes apareceu, assustando completamente a menina.
Se ajoelhando na areia fina que ficava na beira do caminho, esperou pelo pior quando uma voz familiar ecoou.
— Fala, Luana! — a menina olhou para o carro — Diz aí, o que você tá fazendo a essa hora no meio das palmeiras?
Era o mesmo jovem que havia falado com ela no mesmo dia. Ele estava acompanhado pelo mesmo grupo que ouvia o ancião.
— Ah! Que susto... E aí, beleza? Eu tava querendo ir até a praia das jangadas e...
— Nossa! Vai viajar? — a moça que havia falado antes também estava no carro.
— Não, vou fugir.
Os jovens se entreolharam, achando aquilo interessante e fofo ao mesmo tempo.
— Sobe aí! A gente te dá uma carona.
— Jura?
— Claro! Entra aí, guria — o jovem sorriu.
Saíram em disparada com uma música bem alta tocando no rádio, zoando e se divertindo pelas estradas da ilha. Um dos jovens que estavam ali ofereceu uma argola amarela para Luana, completamente tonto, sendo interrompido por outra moça que brigou logo em seguida com ele. A menina não entendeu nada, mas seguiu com o baile. Cerca de uns 5 minutos depois, chegaram perto da praia em questão e se despediram da garotinha.
Luana se enfiou no meio das múltiplas pessoas, despistando a atenção dos guardas e dos tripulantes. Escondeu seu rosto para que não a reconhecessem e entrou escondida em uma das jangadas. Ali começava a descoberta sombria sobre Dankai Lee e sobre sua própria origem.
– PRÓXIMA JANGADA PARA AS TERRAS DE KAN'NIAN! EMBARQUE IMEDIATO!! — última chamada.
Enquanto a jangada seguia para o fim do mar dankiano, um bote de guardas pediu para que vistoriassem toda a embarcação, alegando que a filha de Cris e Samar havia desaparecido e que um grupo de jovens havia sido detido perto da praia, sendo cúmplices da fuga. Luana se escondeu atrás de uns barris que estavam espalhados enquanto os outros vistoriavam tudo e todos. Um dos guardas se aproximava do barril em que Luana havia se escondido, sendo interrompido pelo chefe dos guardas locais. "Tudo limpo, homens! Vamos continuar a busca na costa!". Por pouco...
Esperou até que a jangada entrasse em mar aberto e, dentro do barril em que estava escondida, acendeu a luminária que a trouxe. Começou a ler o livro do símbolo estranho."345° dia - Discussão Raknoriosa
Entram os 3 magos definitivos e sentam-se na mesa principal. Logo após, o mago de rakyter elegido pelo Conselho entra e se senta na segunda mesa da assembleia. O primeiro mago inicia citando o traidor foragido e banido..."A página estava rasgada.
Folheou o livro até a página em que estava seu pai. Olhava para seu semblante fechado, imaginando a loucura que causou depois de ter sumido. Pensando em toda essa história, ela acabou adormecendo com o balanço marítimo, o qual já estava acostumada, e com o som das ondas que iam sendo geradas pelo deslocamento da jangada.
Uma luz iluminava os olhos de Luana. Já era dia. Se preparava para sair do barril sem ser reconhecida pelas pessoas, mas quando saiu, todos a encaravam. "Droga..."
— Você é a filha de Cris e Samar?
— Eu... Não, nem sei do que está falando! Ela sumiu?
— Luana, você não nos engana. Ah, eu sabia! — um dos tripulantes entrou em desespero — E agora? Não podemos voltar pra Dankai Lee senão Samar vai pensar que nós também somos cúmplices e depois ele vai jogar aquele feitiço...
Outro homem da jangada tampou a boca do que falava com a menina. A embarcação estava sem viajantes, apenas com os tripulantes e a garota. Todos se juntaram para decidir o que fazer com ela sem que sejam pegos por seu pai.
— Escuta, Luana, tá vendo essas terras? Corre. Fuja daqui e finja que nada disso aconteceu. Não nos mete em nada se te perguntarem como você veio parar aqui!
Luana assentiu, assustada. Saiu correndo para longe da embarcação, sem saber o que encontraria naquele pedacinho de mundo novo.
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Ramwari - Uma História de Heróis e Vilões
Fantasy"Ramwari - Uma História de Heróis e Vilões" é um conjunto de várias histórias reunidas em uma trama, apenas. O universo mágico e cheio de criaturas místicas engloba temáticas como problemas familiares, amor paterno, ausência de estranhamento sobre a...