Capítulo VI

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O som de uma porta abrindo brutalmente ecoava por toda a casa.
Rosivaldo não pensava em nada mais do que sua falta de responsabilidade com Bumi. Luana se sentia culpada por ter dito aos quatro defeituosos que eles poderiam ir para a fazenda que nem era dela.
O homem de quatro braços entrou em sua casa sem saber o que fazer. Abriu a geladeira, tirou uma latinha de uma bebida alcoólica e sentou-se no sofá, incrédulo. Luana e os defeituosos permaneceram fora de casa, deixando Rosivaldo pensar um pouco sozinho, apesar de parecer não pensar nada.
— E agora?— perguntou James.
— Lá se foi o espeto de bode...— disse Needle, sem pensar no que dizia.
Robson pisou no pé de Needle, propositalmente.
— Você não presta, garota...
Luana não conseguia dizer uma palavra, triste. Era difícil para Helvetica ver aquela garota, que antes tinha um sorriso animador, com um semblante triste. Logo ela se aproximou da garotinha, observando os detalhes de sua blusa.
— Lu... Luana tri... iste? Helvetica tiste...
Luana olhou para a menina e apenas sorriu, mesmo estando triste. Respirou fundo e olhou para o céu.
— Tadinho do Bumi... Eu o conheci ontem, mas já senti que ele seria meu único amigo verdadeiro!
— O que temos que descobrir é quem é esse tal de "Drakin"...— disse James, pensativo.
Luana olhou diretamente para os olhos negros de James, que estranhou tal ato. A garota saiu correndo para o celeiro e voltou com sua mochila, crente que poderia descobrir a identidade do cara que sequestrou seu amigo.
— O que está fazendo, garotinha?— perguntou Robson.
— Eu acho que sei como descobrir quem é aquele cara... Eu roubei um livro que tem o mesmo símbolo que eu vi na mão daquele mago.
Luana tirou de sua mochila o livro de que se referia. Abriu acidentalmente na página que tinha a foto de seu pai. Apenas deslizou os dedos pela foto e virou a página, aparecendo a foto de Derlock Ryrax. Helvetica deu um leve grito de pavor, correndo para trás de James.
— Esse desgraçado...— disse Needle, baixinho.
— Esse aqui? Você conhece?
— Ele é o bunda mole que quase nos matou naquele inferno.
— Ele era o dono do laboratório?...
— Tipo isso— interferiu James —Ele criou um tipo de calabouço de aberrações. Você não tem ideia das condições horríveis que a gente viu...
Luana leu as informações que estavam escritas, uma por uma.

Denominação: Derlock Bruis Ryrax
Idade: ???            Altura: 1,77 m
Destinação Organizadora: Mago - obs: proprietário do laboratório de protótipos experimentais
Poderio: 187 eorians*             Posse: 1999
Classificação: Ativo

*unidade de medida do poder e das habilidades dos magos.

— Não acho que ele tenha relação com o Drakin...— comentou Luana.
— Eu acho que sim, porque ele faz parte dos magos... Mas mesmo assim é melhor sabermos mais sobre o desgraçado que nos maltratou. Se ele aparecer de novo, vamos saber como nos defender— disse James.
Helvetica segurou a mão de polvo de James, que olhou rapidamente para a mesma. Sua mão estava quente e seus olhos diziam mais palavras do que sua própria boca. Estava com medo de que isso acontecesse. A menina folheou todas as páginas do livro à procura de uma página sobre Drakin. Não encontrou nada, nem mesmo um tipo de registro, mas isso não a impediu de tentar descobrir quem era ele.
— Vamos parar de ficar discutindo nada e vamos ao que interessa?— disse Needle, tirando o casaco que Luana havia a emprestado e arrumando os cabelos —O menino bode acabou de ser sequestrado por um louco com braço robótico e nós estamos olhando um livro!
— O que vamos fazer então, gênio?— perguntou Robson.
— Simples! A Luana disse que o símbolo do livro é o mesmo que estava na mão do cara. Eu me lembro bem que todos os encapuzados do laboratório tinham o mesmo símbolo nos capuzes. Vamos voltar para os escombros de lá e procurar por pistas.
— Olha... Primeira vez que eu vejo você ser útil!
— Fica quieto, bicho feio.
— Ok, então é melhor irmos todos juntos— decidiu James.
— ...mas não com essas roupas, né?— perguntou Robson.
— Ô criatura, você quer ir num brechó procurar um samba canção e uma havaianas ou quer salvar o menino bode?— disse Needle, irritada.
— Tá. Vamos logo então...
Todos concordaram e saíram da fazenda sob a luz de um resto de sol que ainda havia no céu. Rosivaldo observou a partida dos desconhecidos que seu menino havia trazido, sentindo um leve alívio.
O campo ainda estava iluminado. Adentrando a floresta, o sol que antes trazia conforto havia sumido. A floresta estava escura e sombria, quase como os quartos do laboratório. Cada passo que ouviam os deixava mais apreensivos e nervosos. Quando menos esperavam, um orc apareceu, impedindo o caminho e congelando todos por inteiro. Outro orc apareceu, bloqueando a entrada por onde vieram. Dois deles apareceram dos galhos das árvores e tentaram capturar Needle e Robson, mas eles desviaram, ficando atentos. Helvetica pulou para as árvores que estavam em seu lado, sem pensar em qualquer tipo de consequência.
— Helvetica! Espera a gente!...— gritou James.
Todos correram pela floresta, seguindo Helvetica e esperando por uma saída. Enquanto corria como o vento, um orc apareceu e segurou a garotinha de perna de dragão, parando os quatro defeituosos e a garota da ilha que corriam logo atrás. Logo o orc levou um coice de Helvetica, que foi solta pelo mesmo. A menina caiu em pé, chamando os outros para fugirem. Os braços extremamente fortes e resistentes dos orcs invadiam a fuga desesperadora que tentavam realizar. Luana acabou sendo capturada por um dos braços, ficando completamente imóvel e incapaz de se movimentar. Needle apenas olhou para trás e, com muita naturalidade, cortou a mão do orc para fora usando seu bisturi. O braço que parecia real e resistente se transformou em névoa, desaparecendo e deixando ambas confusas.
— GENTE! PARA!— gritou Luana.
Helvetica, que antes corria como nunca, parou por um segundo para tentar entender o que acontecia, assim como os outros.
— Eu acho que eles não são de verdade! São feitos de magia, ou sei lá!
— Vamos tentar eliminar todos eles pra termos certeza de que não passa de um truque!— gritou Needle.
James e Robson olharam para Helvetica, esperando uma resposta ou um ato que confirmasse a informação. A garotinha apenas fez sinal para que todos a seguirem. Assim fizeram. Helvetica acabou levando todos para o mesmo rio que foram apresentados ao menino bode e à menina da ilha, ficando sem saída ao quase cair no mesmo. Todos sentiram que era a hora de se render e desistir de tudo quando sete orcs surgiram das árvores sob a luz do luar. Quando menos perceberam, a menina com perna de bode saltou e deu outro coice no mesmo orc que havia a segurado. Needle não pensou duas vezes e logo pegou seu bisturi, pulando para cima de um orc e acabando com ele. Robson puxou a perna dos orcs que estavam sendo atacados e logo partiu para cima também.
Luana não sabia o que fazer diante da situação. Pensava se tentava atacar um dos orcs ou se ficava quieta. Quando menos esperava, um orc veio correndo em sua direção, prestes a dar o golpe final na menina. James interferiu, dando uma surra com uma pedra pesada no orc e distraindo o mesmo para que não atacasse Luana. Needle decepou o orc que estava a atacando ao meio, transformando seu corpo forte e resistente em uma névoa que parecia ser mágica.
— CONTINUEM! VAMOS DESTRUIR TODOS DE UMA VEZ!— encorajou a garota coelho.
— TÁ, CALA A BOCA E DESTRÓI MAIS BICHO FEIO QUE NEM VOCÊ!— gritou Robson.
"Velho chato..." pensou Needle.
Os coices consecutivos de Helvetica detonaram o orc que estava em sua frente, transformando-o em névoa também. James conseguiu derrubar o orc que estava tentando o matar, jogando a pedra pesada sobre a cabeça do mesmo e o transformando em névoa. Um outro orc se aproximava da garota com perna de bode para atacá-la.
— JA... JAM-MES!...
— HELVETICA!— gritou o cara de olhos negros.
O orc estava prestes a dar uma surra na garotinha quando ela apenas se abaixou, tampando os olhos e esperando sua morte. O soco do orc logo se transformou em névoa ao atingir a menina. Seu corpo havia se aquecido novamente. Helvetica abriu os olhos e olhou para James, assustada.
— Muito bem, Helzinha! Você acabou com ele!— disse James, acenando.
A garotinha deu um sorriso, pulando de alegria e batendo palminhas. Robson derrubou um orc que tentava atacar Needle, enrolando seu braço por todo o corpo falso do monstro e esmagando-o por inteiro. O monstro virou névoa.
— Valeu, vovô, mas eu não preciso de ajuda— disse a garota coelho, irritada.
Logo depois, a mesma pulou por cima de outro deles, que estava prestes a atacar Robson, decepando sua cabeça e transformando o monstro em névoa.
— ...afinal não sou eu que está com 50 anos de idade, quem sabe mais?... Uns 60, 70...— Robson puxou o pé de Needle, impedindo que ela continuasse falando.
— Prefiro você com a boca fechada, coelhinho.
O único orc que restou correu em direção à Luana, pronto para acabar com a menina. Os defeituosos tentaram impedir a tempo, falhando e impedindo que qualquer contra ataque acontecesse.
— LU! LU!...— gritou Helvetica, desesperada.
A menina da ilha deu uma surra no orc com o livro que havia roubado, derrubando-o. Ela subiu em cima do orc caído e o sufocou com o livro, transformando o mesmo em névoa.
— Isso aí, guria!— gritou Needle, aplaudindo.
Os defeituosos comemoravam a fuga de um ataque mágico por entre a fumaça mágica que decorava o momento da vitória. Logo, a atenção de Robson se voltou para um óculos no chão. As lentes eram em forma de losangos e de colorações roxas. James notou a observação feita por seu companheiro, analisando e deduzindo que aquele seria o óculos de Derlock.
— Ele se foi...— concluiu Robson.
— Espera, não temos certeza.
— Ué, tá aqui o óculos. Cadê o mago? Morreu.
— Não é tão simples assim, tiozão elástico, vai que esse maluco tá por aí...— refutou Needle.
A menina da ilha não entendia do que se tratava aquela conversa, então apenas olhou em sua volta e parou em um certo ponto, no meio de alguns arbustos e galhos baixos. Parecia que alguém os observava, bem ali. Luana encarava o que parecia ser uma sombra para ter certeza de que era apenas sua imaginação. Piscou duas vezes e logo aquela figura estranha sumiu, levando a garota a acreditar que estava tudo dentro de sua mente. Voltou a olhar para os defeituosos, notando a disputa de apelidos ofensivos entre Needle e Robson.
— Pessoal, vamos indo... É meio perigoso ficar aqui no meio da floresta e também já tá ficando tarde. Aqui já é escuro, vai ficar mais ainda... É melhor ir pro outro lado do rio aqui e dormir por lá mesmo!— alertou Luana.
— Sim, vamos. Tu fica na tua ô, robô escangalhado...— disse Robson a sua querida amiga, Needle.
A coelha espumava de raiva, mas não revidou e apenas ficou calada. Todos atravessaram o mesmo rio que haviam atravessado antes, cada um de um jeito e sempre um de cada vez. James carregando Needle e andando calmamente de pedra em pedra e Robson esticando seu braço, até se segurar em uma árvore do outro lado e dando um impulso, como um salto com vara. Luana andou bem devagarinho, tomando cuidado para não se molhar pisando no rio e, por fim, Helvetica foi caminhando como se fosse um chão liso, já que pisava nas pedras e nos vãos entre as pedras. Pela metade do riacho, a menininha acabou pisando em um vão mais fundo e, com seu 1 metro e 60 centímetros de altura, afundou bruscamente. James se desespera, larga Needle e fixa seus olhos negros no exato lugar onde ela havia caído. Ainda saíam algumas bolhinhas de ar.
— AI!— Luana se desequilibrou por ter se distraído, sendo pega por Robson com seu braço esticado.
O pânico tomou os quatro viajantes restantes. As bolhas pararam de subir. Nenhum sinal de Helvetica. Um silêncio assustador, seguido pelo som das folhas das árvores sendo chacoalhadas pelo vento.
Needle, Robson e Luana gritavam chamando por ela enquanto James ficava paralisado, no conflito interno entre pular e salvar sua amiga ou correr o risco de falhar e uma coisa pior acontecer. A água foi perturbada por Helvetica se erguendo com uma expressão de choque.
A menina foi andando desesperada para o outro lado do rio, dessa vez pisando somente nas pedras. Chegou em disparada na margem, caindo nos braços defeituosos de James.
— Tá tudo bem, Hel?! Você se machucou?!— James tirava os fiozinhos de cabelo molhados do rosto da menina.
— E... Esc-curo...— Helvetica segurava James com toda a sua força, em choque.
— Quer voltar pra fazenda? Não tem problema nenhum se quiser...
A garotinha parou, pensou e balançou a cabeça, dizendo que não. O homem concordou e segurou a mão de Helvetica, olhando para os outros e dando a entender que estavam prontos para ir.
— Tá tudo bem?— perguntou Luana à menininha, sendo correspondida com um sorrisinho gentil.
— Beleza, tá viva. Agora vam'bora que eu tenho que achar uma árvore bem grande que possa me proteger de uma possível chuva!! Eu hein!— comentou Needle.
Todo mundo, com exceção da coelha, bufou e ignorou a impaciência chata dela.
Seguiram durante um tempo pelo resto da floresta até um cantinho envolto pelos galhos e raízes retorcidas de uma árvore kan'niana bem alta. Needle subiu em um galho meio baixo e se sentou em um outro por ter vários outros galhos cheios de folhas e cipós em cima para se proteger de qualquer possibilidade de chuva. Robson catou alguns gravetos e folhas secas do meio desse lugar e os juntou, formando um tipo de fogueira. Olhou para a garotinha de perna de bode, que torcia o cabelo para tirar o excesso de água, e a chamou.
— Menina, será que você consegue por fogo nesses galhos?
Helvetica apenas encarou o rosto defeituoso de Robson.
— Entendeu? Fogo. Gravetos. Fogueira.
A menina olhou para a mini construção do homem e ficou encarando. Robson pegou na mão de Helvetica e a colocou sobre os galhos.
— Esquenta! Faz pegar foguinho! Sabe? Fogo! Fuuhh...— tentava imitar com gestos uma chama.
— Ah, que horror. Se você teve filhos tenho pena dos filhotes de cruz credo— indagou Needle.
— Fica na tua aí! Vamos tentar de novo. Põe a mãozinha ali e faz o negocinho do fogo!
Helvetica encarou os galhinhos, pensativa.
— Helvetica n-não con... Co-ontro-lar. Helvetica não s-sa-be... er u-usar...
— Era só o que me faltava!— Robson soltou a mão de Helvetica, nervoso.
James voltou do corredor de árvores, carregando um monte de galhos secos. Juntou todos no mesmo lugar e pegou na mão de Helvetica.
— Você consegue, Helzinha. Eu acredito em você!
A garotinha sorriu, esquentando a mão de polvo do cara de olhos negros e sorrindo mais ainda com os olhos. James soltou a mão de Helvetica, deixando que o calor que ela produzia aquecesse somente os galhos. Quando menos perceberam, ela havia acendido uma pequena chama em um galho pequeno. Luana foi assoprando o foguinho, aumentando cada vez mais e completando a fogueira.
— E...Eu con-conse-guir!— ria, toda alegrinha —E-eu Helvetica ú... út-til!
— Isso mesmo Helzinha, você é útil...— James pareceu mais desanimado por ter se lembrado do riacho, porém contente por ter ajudado ela a acender uma chama.
A luz da fogueira no meio daquela floresta escura acalmava a mente de Luana, que pensava sobre sua atitude na beira do rio. A menina doce que era amada por todos havia se transformado em uma menina violenta e agressiva. O que estava acontecendo? "Então isso que é puberdade?", pensou cabisbaixa e confusa. Todos se ajeitaram a uma certa distância da fogueira e deram um jeito de se aquecer naquela noite fria. As raízes da árvore grande eram, de certa forma, meio confortáveis para se deitar por cima. Apesar de ter um tronco incrivelmente grosso e resistente, essa espécie, que se ligava às florzinhas azuis brilhantes, tinha pequenas fibras parecidas com uma pluma na superfície do caule. Ótimas para aquecimento e um conforto quando necessário.
Se despediram num "boa noite".
Uma sala escura, mal iluminada por tochas azuladas e anis, estava diante de um braço robótico e uma aura mágica de cor púrpura em um altar no centro do ambiente. Os olhos azuis e brilhantes de Drakin pareciam mais vibrantes e demonstravam sua personalidade maligna. Sentado de forma despojada em um trono feito de um metal da região de Fanilória, o raspirídio, sentiu uma presença vindo por trás.
— Senhor Kin?...
— Diga, Darius.
— Eles conseguiram.
O guerreiro raknorioso fez uns gestos, colidindo a armadura de ouro de uma mão com a outra, deslizando rapidamente para os cotovelos e as separando lentamente, gerando um pouco de uma névoa dourada. Logo, um portal se abriu para o vilão e nele, uma espécie de miragem era transmitida. A cena da beira do rio, com os defeituosos e a menina dankiana contra os orcs, se repetia.
— Eles acharam os óculos?— o rosto cicatrizado de Drakin virou levemente, ainda não olhando para Darius.
— Sim, Senhor Kin. Seguiram para a floresta e parece que não vão voltar tão facilmente.
O mago virou-se, olhando para Darius e sorrindo.
— Ótimo...

Ramwari - Uma História de Heróis e VilõesOnde histórias criam vida. Descubra agora