Capítulo IX

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Após passarem a noite na caverna a qual foram jogados pela sereia, Rosivaldo e Luana saíram de manhã com a banheira um pouco danificada, porém útil para carregar os defeituosos desmaiados. Andando pelo caminho do riacho, Luana olhava para Helvetica, se perguntando por que ela tinha levantado e como ela tinha conseguido controlar a energia térmica que ela possuía, mesmo não conseguindo antes. Ela parecia inocente, mas será que não era o que aparentava?
— Chegamos. Me ajuda a pôr a banheira em cima dessa pedra...— disse Rosivaldo.
— Ok...
Luana subiu na pedra, se virando para ajudar a arrastar a banheira pesada enquanto Rosivaldo a empurrava com a força de seus quatro braços.
— Eu o achei no meio da floresta...— disse Rosivaldo.
— Oi?— respondeu Luana.
— Esse molequinho aí... Ele sempre reclama dos chifres grandes mas rapaz, se tu visse os chifrinhos que ele tinha quando pequeno...
— Você encontrou ele ainda bebê?...
— De certa forma.
— O que você quer dizer com isso?— perguntou Luana, se esforçando para puxar a banheira por inteira até o topo da pedra.
— Bem...— Rosivaldo subiu na pedra para ajudar —...Eu acho que ele era um bebê, mas estava quase morrendo. Se eu não tivesse levado ele pra casa, com certeza estaria morto a muito tempo.
— Como assim?
— Parecia que ele tinha acabado de sair de um pote de geléia. Ele estava meio grudento e mais gelado que um cubo de gelo. Morreria de frio ou sufocado.
— Que horror... Você não tem nenhuma ideia de onde ele tenha vindo?
— Não.
Rosivaldo empurrou a banheira de uma forma meio brusca e acabou com uma das rodinhas em cima do pé de Luana.
— AAAI!!
— Luana! Me desculpe! Eu não quis machucar...
— TIRA! TIRA! TIRA! TIRA! TIRA!...
— Ah! Certo!...— Rosivaldo levantou a banheira, tentando colocar a mesma em cima de outra pedra, tendo sucesso —...Deixa eu ver se machucou...
Rosivaldo se ajoelhou em frente da garota e tentou examinar onde doía.
— Olha, pelo que eu tô vendo aqui, o seu pé direito nunca mais vai ficar igual ao outro.
Luana sentiu seus olhos se enchendo de água enquanto olhava para o homem de quatro braços. Sentia que precisava chorar, mas segurou e perguntou com a voz falha.
— ...É sério isso?
— É, ué. Seu pé direito nunca vai ser que nem o outro porque o outro é esquerdo.
As lágrimas de Luana se transformaram em uma expressão irritada. A garota começou a dar tapas no homem enquanto o mesmo dava gargalhadas.
— SEU CABIDE DE BRUXA!!
— HAHAHA! Ah, vai. Foi engraçado. A sua cara toda marejada de choro...
— Pára! Vamos subir essa banheira logo!
— Espera...— Rosivaldo tirou do bolso de seu macacão umas faixas de curativo e retirou uma folhinha de uma plantinha que crescia entre as pedras do desfiladeiro -...As plantas que crescem aqui são conhecidas por terem habilidades de cura.
O homem de quatro braços enrolou a folha no pé de Luana e em seguida enfaixou o mesmo, dando um nó na frente e fazendo um laço.
— Consegue continuar?
Luana olhava fixamente para os olhos quase fechados de Rosivaldo. Assustada, porém agradecida por ter ajudado, assentiu. O grande esforço feito por Luana e o pequeno esforço feito por Rosivaldo resultaram, com sucesso, no fim da subida de uma banheira em um monte de pedras gigantes. Antes de subir a banheira para o topo do desfiladeiro, passando pela última pedra, o homem de quatro braços subiu ao topo e puxou a banheira com todas as suas forças. A garota da ilha empurrava com sua força quase insignificante se comparado à Rosivaldo, ajudando a findar aquele processo demorado e esforçado. Quando o homem subiu a banheira por inteira no topo do desfiladeiro, Luana se desequilibrou e, num instante, caiu da pedra gigante.
— ROSIVAAAAAA....
— Te peguei, garotinha!— Rosivaldo estendeu a mão, segurando o braço da garota e impedindo que ela tivesse um fim naquele instante —Aguenta firme! Estamos perto de chegar em casa!...
Luana olhava para as pedras empilhadas, com o coração acelerado. Rosivaldo puxou a mesma para o topo do desfiladeiro, se ajoelhando logo em seguida e verificando se ela tinha se machucado.
— Você tá bem? Se machucou?
Luana parecia incomodada com alguma coisa.
— Ei, ei! Do nada você se preocupa comigo e quer que eu termine viva... Que história é essa?
— Calma! Só estou tentando ajudar você...
— E o que aconteceu com a "bruxa" que você dizia que eu era?
— AÍ!...— uma voz foi ouvida, arrepiando ambos —...Eu quero dormir nessa bagaça, então o papai e a filhinha podem discutir em um outro momento?
Ambos se entreolharam, surpresos, até que perguntaram ao mesmo tempo?
— Needle?
A garota coelho se levantou em meio aos seus... amigos, desmaiados.
— Putz, que desgraça... Agora não vou conseguir dormir mais.
— Para com isso, sua besta...— Luana se aproximou da banheira e abraçou a coelha assassina —...Ainda bem que acordou, fiquei preocupada...
Needle apenas ficou parada, sem abraçar de volta.
— Tá bem, tá bem. Cadê aquele sem vergonha daquele mago desgranhento que me estrangulou?
— Ele escapou...— respondeu Rosivaldo.
— É O QUÊ?!— Needle saiu da banheira, ficando do lado de Luana —Que diabos tu tá fazendo aqui, barata humana?
— "É Rosivaldo. Eu salvei você e a sua trupe defeituosa daquele mago e de uma sereia demoníaca."— Rosivaldo imitava a garota coelho, debochando —Qualquer coisa que você disser a mim vai ser pura ingratidão.
— Dá licença, tá achando que é o herói da parada agora? Eu pedi pra me salvar? Eu tinha tudo sob controle.
— Ahh, Needle?...— a garota da ilha interrompia —...Você desmaiou no primeiro golpe.
O rosto de Needle praticamente foi ao chão, junto com a sua dignidade.
— Isso não interessa agora. O importante é que você está viva— respondeu Rosivaldo.
Needle deu uma bufada, dando de ombros e olhando seguidamente para a banheira.
— Pelo visto nem eles aguentaram o baque...
— Não mesmo...— disse Luana —...Aquele mago é extremamente perigoso e conseguiu nocautear até mesmo a Helvetica, que tem toda aquela força térmica...
— Na verdade, aconteceu uma coisa bem estranha no caminho pra cá...- interferiu Rosivaldo — ...A sereia demoníaca que perseguiu a gente, bem, ela desidratou por causa da menina das pernas tortas aí...
— Caraca, tá brincando?
— 'Tamo não— respondeu Luana.
Needle olhou fixamente para Helvetica.
— A bicha é poderosa mesmo...— bocejou —...Mas vem cá, o que vocês estavam fazendo?
— Levando vocês de volta pra fazenda pra vocês descansarem...— respondeu Rosivaldo.
— Ué, você despreza a gente. Não vai ser surpresa acordar amanhã com os meus colegas mortos pelo bunda mole de quatro braço.
Luana olhou para Rosivaldo, esperando que ele se justificasse pelo comportamento alterado estranhamente de forma rápida. O homem suspirou e se explicou.
— Me desculpem! Tá? Eu sinto muito por ter tratado vocês que nem lixo! Vocês não sabem o que aquela organização pode fazer com as criaturas!... Eu te julguei mal, menina. Você e seus amigos também, coelha, mas eu fiquei pensando naquela hora que o mago pegou o Bumi. Eu não consegui salvar ele a tempo, mas eu percebi que se eu não ajudasse vocês a saírem daquela situação a coisa seria a mesma. Não salvaria meu menino e ele ia continuar sem amigos, como sempre...
Luana olhou para Bumi, entristecida. Logo voltou o olhar para Rosivaldo e se aproximou.
— Rosi, eu prometo que vou ser a melhor amiga do Bumi, pra todo o sempre!
Rosivaldo abriu um sorriso de uma orelha à outra, abraçando a garota com sua força descontrolada e acabou sufocando a mesma.
— Rosiv...
— Ah, desculpa— o homem soltou a menina, que deu um suspiro enorme —Obrigado por essa disposição, garotinha.
Luana sorriu. Ambos olharam para Needle, que estava com uma das flores azuis florescentes na mão.
— Ai, ai... "continua no próximo capítulo de "Corazón Apertadito"— disse a garota coelho, com ironia.
Ambos deram uma risada sem graça.
— Bora bater perna que eu tô com fome.
Rosivaldo assentiu, seguido por Luana. O homem de quatro braços segurou uma extremidade da banheira, empurrando a mesma pela floresta enquanto as meninas acompanhavam logo atrás.
A brisa gelada que balançava os cabelos de Luana era a mesma que arrepiava a nuca de Needle, que se incomodava sempre. Algumas folhas que se soltavam de galhos enfeitavam a viagem cansativa de volta à fazenda, mas ainda assim traziam uma sensação de paz. Dava pra ouvir alguns pássaros cantando enquanto o dia amanhecia e iluminava as fronteiras da floresta, uma vez que a única luz presente dentro da floresta em si eram das flores florescentes. A inconsciência dos outros três defeituosos e do garoto bode trazia uma certa preocupação aos viajantes, mas ao mesmo tempo uma esperança de que eles estariam bem em poucas horas.
Enquanto andavam por entre as árvores da floresta escura e sombria, um barulho sobressaiu de uns arbustos que estavam em um canto. Rosivaldo parou de empurrar a banheira e ficou em alerta, fazendo um sinal para que as meninas se protegessem também.
— O que está acontecendo, Rosi?— perguntou Luana, assustada.
— Shhh... Tem alguma coisa ali.
A cautela e o cuidado para que a tal coisa não os atacasse e não fugisse tomou os três e a banheira. Needle se ofereceu para averiguar o local para terem certeza de que não se tratava de algo perigoso. Quando estava quase encostando sua mão robótica em uns galhos pequenos do arbusto, um hualpa — animal parecido com uma lhama, só que com 5 olhos, dentes meio afiados e quatro pernas dianteiras — saiu daquele cantinho, assustando a garota coelho e os outros dois.
— Ah, é só um hualpa. Eles não são perigosos, tá tudo bem— concluiu Rosivaldo.
O hualpa deu uma encarada bruta em Needle, que estava em choque por ter quase matado o animal. Em menos de 5 segundos o animal deu uma lambida enorme na cara da garota coelho.
— AAAAAHH QUE NOJOOOOO!!
Needle já ia se preparando para pegar seu bisturi e findar a vida do animal quando Luana correu e ficou em frente ao hualpa.
— Não mata ele, por favor! Ele não sabe o que faz às vezes...
Needle hesitou, guardou o bisturi e passou a mão brutalmente por seu rosto, tirando toda a saliva grudenta do hualpa de sua máscara avermelhada.
— Vambora logo dessa porcaria que eu tô querendo meter o louco em todo mundo.
— Certo, certo... Vamos indo— disse Rosivaldo.
— Adeus, hualpa!— Luana se despediu.
Foram apenas dez minutos de caminhada empurrando uma banheira. A luz do sol era um simples sinal de que a fazenda estava logo ali. Os três saíram da floresta e logo avistaram o velho celeiro onde Rosivaldo fazia seu trabalho todo os dias. Assim que chegaram na porteira da mesma, Luana segurou-a para que o homem de quatro braços entrasse e levasse todos para dentro. Needle foi para um canto longe de todos, levando suas duas mãos ao seu rosto e tirando sua máscara lentamente, de costas.
— Needle!
A garota coelho parecia não ter escutado o chamado.
— Needle?...— o homem se aproximou, encostando sua mão no ombro de Needle —Ei...
Needle cobriu os olhos rapidamente, se assustando com o toque e gritando enraivecida o que Rosi queria.
— Não quer usar o banheiro aqui?— ofereceu.
— Se eu vim pra cá eu meio que já respondo essa pergunta, né babaca?
— Certeza? É que lá tem sabonete...
— Eu já te respondi. Sai de perto de mim.
Rosivaldo tentou se aproximar mais ainda, pegando a máscara de coelho da menina e tentando remover lentamente o braço que cobria seus olhos. A garota revidou, se afastando e pedindo para que ele a deixasse em paz.
— Como quiser...— Rosivaldo pegou sua mão robótica e entregou a máscara.
Luana entrou no celeiro da fazenda para pegar sua mochila e procurar o livro do símbolo da organização. Levou o mesmo para a cozinha, a qual possuía uma pequena mesa, e começou a folhear todas as páginas com os magos presentes nelas. Procurava pela sereia demoníaca que havia perseguido ela e o homem de quatro braços, já que percebeu que havia uma tatuagem do símbolo na cintura da sereia. Acabou não encontrando o que desejava, mas descobriu algo por acidente. Tinha um pedaço de papel no fim do livro, que na verdade era uma fotografia de um jovem mago usando um terno e com os olhos brilhando. Achou aquilo meio curioso, mas deixou passar.
Rosivaldo entrou pela porta que dava na cozinha, seguido por Needle minutos depois.
— E aí, o que a gente faz com os desmaiados?— perguntou Luana, intrigada.
— Bem, eu preciso tratar umas feridas que o Bumi arrumou no braço. Alguém tem que cuidar dos defuntos aqui e da menininha isqueiro— respondeu Rosivaldo.
— EI! Não chame eles de defuntos! Podem não ser aceitáveis pro seu padrão de aparência ou personalidade mas eles têm defeitos, assim como você também tem!— refutou Needle, nervosa.
— Needle!...— Luana interferiu, acalmando-a —...Não foi isso que ele quis dizer. Ele só estava brincando...
Needle bufou, fazendo uma cara feia e virando de costas para Rosivaldo. Pensava enquanto andava de um lado para o outro.
— Vou cuidar dos "defuntos" junto com a Luana. Você cuida do teu menino. Tudo bem pra você, garota?
Luana olhou para Needle, confusa pelo fato da garota coelho ter tido uma decisão, mas balançou a cabeça dizendo que não havia problema nenhum.
— Ótimo...— Needle pegou Bumi no colo, entregando para Rosivaldo com cuidado —...Cuida bem do menino.
— Com todo meu coração...— respondeu o homem, olhando fixamente para o rosto machucado do menino bode.
— Vem, Needle, me ajuda aqui!— Luana puxava a banheira pesada, sem muito sucesso.
A garota coelho pegou a banheira, puxando a mesma para o celeiro junto com Luana.
Havia uma tocha queimando. A chama era forte, tendo uma cauda azulada e brilhante. Elisa observava a chama ardente com um semblante decepcionado. Logo uma voz sobressaiu.
— É lindo, né? Uma coisa tão simples que pode acabar com uma sereia tão poderosa...
A sereia permaneceu olhando para a chama, sendo refletida no brilho escuro dos olhos sem vida de uma criatura aquática.
— Você é fraca. Está presa ao laboratório ainda. Você se sente sozinha por ser a única que perdeu alguma coisa importante, mas eu vou te contar uma coisa...
A mão robótica, a mesma que estalou os dedos e findou a vida de um dono de um dos maiores laboratórios de Kan'nian, se esticou ao lado da cabeça molhada de Elisa para a chama da tocha e absorveu o fogo azulado que estava na mesma. A sereia virou-se para trás e se deparou com os olhos brilhantes de Drakin.
— Você perdeu uma banheira. A preciosa banheira que te locomovia e te agradava... Você nem conseguiu recuperar ela...— Drakin movia a mão robótica enquanto controlava o fogo —Quer ela de volta?
Elisa olhou diretamente para os olhos de Drakin, abrindo lentamente um sorriso assustador de dentes pontudos.
— Boa garota...— Drakin riu, disfarçadamente.
O fogo que estava na mão de Drakin se absorveu, preenchendo a marca hauthana que havia na palma de sua mão. Logo ouviu-se a mesma risada que ecoava antes, no meio de névoas e trovoadas enquanto um homem de quatro braços assistia sua irresponsabilidade gerar consequências em um menino inocente.
— Vamos fazer uma visitinha.

Ramwari - Uma História de Heróis e VilõesOnde histórias criam vida. Descubra agora