Emmanuel chegou à Estação de Marechal Hermes, vindo de trem, por volta das nove horas da noite.
Era a primeira vez que ia àquele bairro, o mais distante que fora até então desde que chegara ao Rio, há uns dez meses.
Como sua vida consistia em casa-trabalho-terreiro, ainda não tivera tempo e oportunidade para visitar outros recantos da Cidade, ficando restrito às áreas do Centro, Zona Norte e Zona Sul.
A princípio ficou receoso, embora Seu Jamil lhe garantisse que o bairro era tranquilo.
Isso o rapaz constatava pelas ruas vazias e silenciosas, assim que se distanciou da estação de trem, seguindo as indicações do amigo e se guiando pelo mapa que desenhou a partir do Google Maps, que o salvara inúmeras vezes, embora inúmeras vezes, também, o fizesse andar além do necessário!
Porém, ruas desertas ainda lhe davam medo, e evocou seu Guardião, Tranca-Rua de Embaré, para acompanhá-lo.
Uma risada ecoou em sua mente no mesmo instante, seguido de uma pergunta sarcástica que também era uma repreensão:
" - Tu acha, calango, que eu te deixaria ir pra furada?! "
Emmanuel sorriu, um pouco envergonhado por acreditar, por um segundo, que estava mesmo desamparado.
A menos que ele precisasse passar por alguma situação desagradável, para aprender alguma lição, seu Exu Guardião jamais permitiria que ele caminhasse para o perigo, a não ser que ele próprio ignorasse o alerta.
- Claro que não... mas ainda sou um humano de carne, osso e nervos, e o medo faz parte...
Depois de ter virado em três esquinas, ter vencido dois quarteirões, Emmanuel se deparou com uma singela pracinha, que muito bem poderia estar localizada numa cidade do interior!
Sorriu ao ver as luzinhas coloridas que piscavam por todo o contorno e um pinheirinho natural enfeitado, provavelmente decorado pelos próprios moradores.
Naquele momento, sentiu-se mesmo como se estivesse em uma cidade pequena!
Chegando ao centro da pracinha e girando sobre o próprio eixo, para reconhecer sua localização, soltou uma gargalhada involuntária ao perceber uma rua mais à frente, margeando um rio canalizado, com árvores dispostas a intervalos iguais... era a mesma rua que ele pegou assim que saiu da Estação de Marechal Hermes!
- Como sempre, São Google me fazendo peregrinar! Enrolão!
Com o pequeno mapa improvisado em mãos, Emmanuel localizou a casa de seu amigo e Dirigente, que ficava na outra extremidade da praça.
Fácil identificar a morada de um Filho de Fé pelas quartinhas brancas sobre o portão de entrada.
Diferente de outras casas por quais passou até chegar ali, a casa de Seu Jamil estava bastante tranquila, sem o pagode que ouviu em algumas, e as falações e risadas em outras - ou em todas.
"- A Santa Natividade sendo cultuada como deve ser..." - Sussurrou uma voz à mente de Emmanuel.
- Seu Jamil vive mesmo a Religiosidade, mesmo fora do Terreiro... isso é difícil até mesmo entre os mais devotos! - Respondeu o rapaz, verbalizando suavemente.
Parou diante do portão de ferro e apertou a campainha que fez soar, ao longe, um som melodioso.
Não demorou muito para que fosse atendido, tendo diante de si, com seu jeito bonachão, o senhor Jamil.
- Sabia que era você, meu rapaz! Mesmo sem conhecer o lugar, consegue ser pontual!
- Deve ser o um-quarto do sangue inglês que corre em minhas veias, o responsável pelo meu lado mais sem graça!
- Sem graça que nada! Nós cariocas que somos espalhados demais! Mas, entre! Tem uma roda de histórias lá na sala para nos entretermos enquanto comemos rabanadas!
A casa de Seu Jamil era as típicas encontradas no subúrbio do Rio, construídas na década de 1950, com cômodos espaçosos, quintal rodeando a construção com algumas arvorezinhas frutíferas e roseiras, varanda pequena com colunas trabalhadas e adornada por jogo de mesa e cadeira em ferro esmaltado de branco.
Um vaso grande, contendo um mix de plantas, como arruda, guiné-pipi, boldo, vence-demanda, alecrim, manjericão e até espada-de-são-jorge, foi transformado numa inusitada "árvore de Natal", com minúsculos pisca-piscas cuidadosamente entremeados nas folhas e galhos.
Ausentes outros enfeites natalinos, o vaso com as sete ervas sagradas era o único que lembrava vagamente a data em sua faceta comercial.
Sob uma das duas janelas da sala, estava um peji, um altar doméstico sobre um aparador antigo e talhado com folhas de acanto, de onde queimava um incenso em pó dentro de um alguidar de bronze, que perfumava o ambiente com mirra e olíbano.
Uma imagem de São Judas Tadeu estava ao centro, juntamente com uma delicada Nossa Senhora da Conceição.
Entre as duas estatuetas havia jarrinhos com cravos vermelhos e lírios brancos.
Em uma mesinha disposta em frente a esse altar principal, fora montado um menor e provisório, com a imagem de Menino Jesus na manjedoura e oferendas como as que Emmanuel havia feito em seu próprio peji: tigelas com Acaçá e Ebô, vela de 7 dias acesa, flores do campo, um pãozinho redondo de milho e duas taças translúcidas, uma contendo água límpida e a outra vinho tinto.
No meio da sala de poucos móveis, estava Amanda, filha de Jamil, sentada na poltrona com algumas crianças aos seus pés, enquanto alguns adultos os rodeavam.
A jovem era professora do Ensino Fundamental e contadora de histórias nas horas vagas - ou mesmo em sala de aula.
Em suas mãos estava uma bíblia pequena, de capa escura e folhas finas de seda.
Amanda sorriu involuntariamente quando o jovem médico entrou na sala acompanhado por seu pai, cumprimentando-o com leve meneio de cabeça, voltando sua atenção às crianças sentadas aos seus pés, com olhos brilhando de expectativa.
Para algumas das pequenas, era a primeira vez que ouviria uma História de Natal.
- A história que vou contar é muito antiga, mas, apesar disso, pouco se fala hoje em dia. É uma linda história sobre um bebê muito especial que mudou o mundo e que é o aniversariante desta festa bonita que participamos esta noite!
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Cumprindo Promessas
Short Story🔥 História Completa e Finalizada 🔥 Um Conto De Natal Umbandista. O maior presente de todos. A história de um menino que veio para mudar tudo. A história de outro menino que veio e se foi, deixando uma promessa a ser cumprida.