Capítulo 11

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Meus punhos estão doendo, os ossos das minhas mãos quase se quebrando ao entrar em contato com o saco de box.
Maldição.
Continuo socando forte, rugindo a cada vez que a pele machucada sangra mais um pouco e marca o couro branco. Inspiro fundo, socando o saco e gritando ao perceber que a mancha de sangue ficou maior.
- eu adoraria saber o que te deixou com tanta raiva assim, mas creio já saber o motivo. - fecho os olhos com força, escorando o braço esquerdo no saco de pancada ao virar o rosto para o lado.
Meu pai está parado na porta, os olhos que tanto reconheço quando me olho no espelho me encarando com um sorriso casto nós lábios.
- já fazia um tempo que eu não te via socando esse saco como se quisesse arrancar o couro dele com os punhos, me diga filho, isso tem haver com a ruiva ou com seu irmão ?
- e você se importa pai ? - dou um último soco antes de começar a tirar as faixas das mãos.
- pode achar o que quiser de mim Andy, mas nunca diga que eu não me importo com você.
Ah, ele só pode estar de brincadeira !
- ah, você se importa comigo ? Então estaria disposto a rasgar aquela merda de contrato e me deixar seguir com a porra da minha vida do jeito que eu quiser papai ?
O olha dele cai por um segundo, as mãos se enfiando dentro dos bolsos do roupão felpudo escuro. Largo as faixas sujas de sangue em cima da pequena mesa de vidro, alcançando meu celular e olhando a hora.
- sabe que eu não posso fazer isso Andrew, não quero que prejudique seu futuro por ser um adolescente imaturo que só pensa no amanhã. Eu estou visando o resto da sua vida filho, e sei que um dia você vai me agradecer por isso.
- agradecer pai ? Agradecer pelo que ? Por me enfiar dentro de um escritório e resolver coisas chatas como aonde iremos construir o próximo prédio ou para quem vender certo tanto de ações ? Por que não me poupa dessa vida de merda que você está escolhendo e me deixa em paz ?
- alguém tem que cuidar do que eu construí Andrew ! - ele diz mais alto, já perdendo a paciência. - não vou deixar qualquer um colocar as mãos naquilo que eu tanto trabalhei para ter.
- você tem o Anthony, aproveita que ele está disposto a dar vida por isso e deixe nas mãos dele. Eu não me importo.
- eu tenho dois filhos, não um só Andrew. Ambos tem que tomar aquilo que lhes são de direito e isso inclui que você tem que assumir a sua parte na empresa e dirigir aquilo por no mínimo cinco anos, está no contrato.
Levo minhas mãos até meus cabelos e os puxo com raiva, me virando mais uma vez para socar o saco de box com toda a força disponível.
- contrato que você me fez assinar sem saber, você disse que era uma transferência do documento do carro para o meu nome. Você me enganou e faz questão de jogar isso na minha cara sempre que pode ! - digo possesso, o peito subindo e descendo rapidamente.
- não importa como eu fiz isso Andy, está feito. Não se esqueça de que ele foi registrado em cartório e eu posso te obrigar em juízo a cumprir o que está determinado ali.
- e ainda fala que se importa comigo, quanta hipocrisia pai.
- esse é o meu jeito de cuidar de você Andrew. - meu pai se vira, quase saindo mas antes de deixar a academia ele para e volta a me olhar.- cumpra o acordo e estará livre depois disso, deixarei tudo nas mãos de Anthony e você poderá fazer sua amada faculdade, cuidando de alguns assuntos da empresa por fora, é claro.
Sinto minha sobrancelha esquerda se arquear na hora, o rosto sereno dele não esconde a verdade e eu me sinto estranho por ter conseguido algo em tão pouco tempo de discussão.
Ele está amolecendo.
Solto o ar, me perguntando se esse será mais um truque apenas para me manter na linha por um tempo ou se ele está falando sério e está disposto a fazer isso mesmo.
- o que me garante que você irá me deixar livre depois desses cinco anos ?
- por enquanto, nada, mas se você quiser te entrego uma cópia do contrato e você poderá ver na terceira folha, artigo sete ponto oito, que o tempo pedido de preparação para o trabalho é de cinco anos e depois disso, o contratado só permanecerá no cargo se desejar. Quer a cópia para confirmar ou podemos ir jantar antes que sua mãe venha nos pegar pelas orelhas ?
- por que não me contou isso antes ? Dessa cláusula ?
- você nunca perguntou, na verdade, nem mesmo quis saber o que tinha no contrato desse que soube que ele era relacionado a minha empresa.
Assim ele sai, me deixando atormentado, não só com meus pensamentos, mas também com o que acabou de acontecer. Meu tempo naquele lugar tem um prazo de validade e isso, com toda a certeza do mundo, já me deixa mais eufórico com a idéia de conseguir seguir os passos do meu avô.
Pena que não tenho ao meu lado alguém que gostaria de ouvir essa novidade.

O dia foi um verdadeiro fracasso, não consegui falar com a ruiva e muito menos chegar perto dela, a cada vez que a lembrança dela se escondendo de mim atrás de Anthony surge em minha cabeça a vontade de arrastar aquele desgraçado para fora daqui aumenta. Observando de vez em quando o jeito delicado com que minha mãe leva a taça de vinho a boca me faz recordar da primeira vez em que levei Mia para sair, a sensação de que a qualquer momento eu irei acordar desse pesadelo batendo forte em meu crânio.
- está tão calado Andy. - olho para a mulher de olhos azuis rapidamente.
Os mesmos olhos de Anthony.
- só pensando mãe. - tento soar macio, evitando dela fazer mais perguntas.
Perguntas nas quais eu não quero responder por saber que elas serão direcionadas a Mia e a conversa que tive com meu pai.
- sabe, foram poucas vezes em que eu vi você tão distraído assim e me recordo de que todas elas envolviam uma confusão no dia seguinte.
- na verdade, a confusão foi ontem, mas já está tudo resolvido. - ela me olha sorrindo de lado com o olhar desaprovador.
Minha mãe melhor do que ninguém sabe que eu não curto muito me abrir, mas ela respeita esse fato até receber alguma ligação da direção da escola ou até mesmo do treinador Martin reclamando sobre a minha conduta.
- espero que não ande quebrando ossos por aí, você e seu irmão tem essa mania feia de achar que tudo se resolve na base do soco e eu não quero receber reclamações da sua escola Andy.
- relaxa mãe, foi só o nariz. - rio baixo.
- ah sim, você diz que foi só o nariz porque o nariz quebrando não foi o seu. Não quero saber de você quebrando mais nenhum osso por ai Andrew, fui clara ?
- ele mereceu, me provocou e acabou saindo com o nariz fora do lugar. O que eu posso fazer se a confusão vem atrás de mim ?
- ignore filho, em toda a sua vida existiram vários como esse e não vai conseguir socar todos eles.
- mas eu posso tentar.
- eu disse chega Andrew, agora coma e me conte o que aconteceu com as suas mãos.
- soquei o saco de box com muita força.
- não sei como você consegue fazer isso, saber que pode se machucar ao socar um saco cheio de areia.
- é melhor eu socar o saco cheio de areia do que socar a cara do Anthony ou de qualquer outro que me tire do sério.
Meu pai solta uma risada fraca, mostrando que acha graça do fato de seu filho ser tão impaciente quanto ele próprio. Um barulho alto me faz soltar os talheres e levantar rapidamente, os olhos vasculhando os cantos da sala de jantar a procura do que causou o estrondo. Na porta de acesso a cozinha consigo ver alguns pratos caídos no chão, os cacos espalhados pelo piso de madeira e Susan com uma das mãos no peito.
- o que aconteceu Susan ? - pergunto baixo, notando que ela está assustada.
- nada Andy, só me assustei com um gato.
- gato, que gato ?
- ele correu quanto derrubei os pratos, deve ter ido para a lavanderia.
- eu vou atrás dele.
Deixo a cozinha e sinto minha testa se enrugar ao notar o rabo branco balançando em baixo de um cesto de roupas sujas.
Charlie.
Sorrio e me abaixo, pegando o bicho e o colocando em meu colo. Os olhos curiosos do gato analisando meu rosto, a cabeça se esfregando em meu peito.
- então foi você quem causou aquela confusão né ?
O ronronar dele chamando minha atenção, a forma com que ele me olha transmite calma, coisa que eu não tenho a algum tempo.
- eu também senti sua falta Charlie.
Eu sinto falta de tantas coisas.
Coisas que eu pensei que não teria.
Coisas que eu pensei não serem pra mim.
Coisas que entraram tão fundo em meu ser.
Coisas que eu nunca achei precisar.

Mas eu preciso dela...
Mais do que eu imaginava.

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