Capítulo 20

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Espero a enfermeira remover a agulha e finalmente me levanto dessa maca para deixar esse quarto melancólico, não sei se tem alguém me esperando lá fora e sinceramente, eu voltarei a pé para casa se pudesse. Os frascos de remédios enfiados em meus bolsos são um pouco incômodos, o pouco peso me deixando um pouco agoniado.
Odeio remédios.
A recepção está cheia e se nem mesmo Brandon veio até aqui, significa que meu pai fez de tudo para que esse acidente não apareça nas capas dos jornais e revistas de fofoca durante a manhã.
Significa que ela não sabe.
E eu acho até melhor não saber.
Atravesso em meio ao caos de pessoas enfermas, ainda me sentindo meio zonzo e fraco. Eu precisava da minha cama, deitar nos meus lençóis e ainda sentir que meus ossos estão inteiros antes de voltar para a escola. O vento batendo em minha pele é libertador, estar dentro de um hospital é agonizante, pelo menos quando você é um paciente que não quer estar ali.
Reconheceria meu Mercedes em qualquer lugar, a pequena imagem de um rosto inanimado ao lado do retrovisor do motorista é a minha marca desse que ele fora restaurado.
Quem trouxe o meu carro ?
De longe, o terno caro e escuro não esconde a seriedade do momento, meu pai está parado perto da entrada de uma lanchonete, os olhos focados em mim.
Parece que vamos conversar durante o percurso até a escola.

Caminho tranquilo pelo corredor, tentando não dar importância para os olhares fulminantes dos meus chatos colegas de escola e muito menos para o que o meu pai disse no carro. Empurro a porta da sala de história da arte e pintura, não sabendo o motivo, além da minha popularidade, que faça todos me olharem como se nunca tivessem me visto.
- está atrasado senhor Grayson, mas vou ignorar isso por ter se esforçado para estar aqui. - o senhor Scott sempre com suas palavras bonitas.
- eu agradeço por isso.
Sem olhar para o canto direito da sala me deixo ir até minha carteira no fundo da sala, não acreditando que Daniel possa estar ao lado da única camiseta disponível na sala.
Eu deveria ter ficado em casa.
Jogo a mochila em cima da mesa, encostando o ombro na parede e deixando o queixo sobre o punho fechado.
- bom, espero que todos estejam com os lápis apontados para a tarefa que será designada para vocês na aula de hoje. - o professor se levanta, andando pelo espaço entre as fileiras de carteiras enquanto fala. - eu ainda não sei muito bem o que senti quando vi as telas de vocês e preciso entender o porquê vi tantas diferenças naqueles quadros. Principalmente nas telas que foram premiadas.
E é nesse momento que eu abaixo minha cabeça, deixando a testa apoiada na mochila para não ter que aguentar toda essa merda.
Ele não poderia ter deixado isso quieto ?
Rolo os olhos, praguejando baixo mais de três vezes seguidas por esse filho da mãe estar pedindo esse tipo de coisa. A última coisa que eu preciso é descrever o que senti quando fazia o quadro daquele maldita, e sei que ele não gostaria de ler o quanto eu a odeio. Ou será que gostaria ?
- então espero que durante essa aula vocês reflitam sobre o que aconteceu durante a sua convivência com aquela pessoa que afetou o seu desenvolvimento da tela, vou esperar ancioso pelas redações.
Respiro fundo, bloqueando toda e qualquer lembrança relacionada aquela vadia.
Seja do tempo em que nos conhecemos até o última dia em que fizemos sexo.

Raven não merecia nem mesmo que eu a fodesse.

Sempre se jogava em cima de mim, não importava na frente de quem eu estivesse e por um lado isso me incomodava. Ter a atenção de uma garota neurótica como ela não era legal fora do sexo, era irritante, tão irritante que eu tentava manter as coisas por debaixo dos panos. Transava escondido no vestiário, nos armários de limpeza, na parte escura da biblioteca e principalmente, debaixo das arquibancadas do campo de futebol. Era assim com ela e com todas as outras garotas que já transei.
Só uma foi diferente.
Só uma me fez ser diferente.
E agora eu tomei um pé na bunda da única garota que conseguiu me fazer dizer aquelas três palavras !
Relacionamentos estavam fora da minha lista de desejos do último ano, largar minhas festas e curtição também não estavam, mas Mia realmente me fez mudar de idéia com sua cama quente e ... Aquela boca macia.
- senhor Grayson, sua tarefa não vai se fazer sozinha. - saio de meu devaneio, levantando a cabeça rapidamente para encarar esse bombado de meia idade.
- não vou fazer nada de produtivo com a cabeça doendo senhor Scott.
- temos a enfermaria por um motivo e se não está se sentindo bem eu lhe dou o passe para ir até lá, não se preocupe.
- eu agradeceria se me desse.
Scott se vira para ir até sua mesa, aproveito para me levantar e agarrar a mochila, evitando a todo custo de olhar para o lado esquerdo da sala e encontrar aqueles olhos que tanto me trazem dor. Agarro minha mochila com violência, sentindo o pano grosso da alça raspar na palma da minha mão e causar uma leve queimação.
- me traga a tarefa feita na próxima aula senhor Grayson, isso vale nota e sei que você odiaria ficar com uma nota vermelha agora que já tem um jogo marcado. - ele me estende o passe e eu o pego rápido, acenando positivo com a cabeça antes de deixar a sala.
Ao fechar a porta me permito dar uma pequena espiada pela pequena janela, ela está com a cabeça escorada na parede, os olhos focados em alguma coisa no lado de fora desse prédio ou, talvez, ela saiba que eu estou olhando e prefere evitar o contato visual.
Ela parece perdida.
Com certeza, não mais perdida quanto eu.
Coloco uma das mãos dentro do bolso, seguindo até a enfermaria.
Dessa vez eu não a tenho quase desmaiada em meus braços.
Aquele dia foi decisivo, não só para eu enfim a chamar para sair mas também começar a entender o efeito que ela causava em mim.

" "

Acompanho meu pai até uma das temidas salas de reuniões na cobertura do prédio, rezando para que isso termine rápido para que eu saia daqui o mais depressa possível.
- espero que seu italiano esteja afiado, os investidores gostaram de saber que você já está entrando nos assuntos da empresa.
- por que não trouxe o Anthony ? Ele é fluente em italiano e com certeza queria estar aqui. - resmungo, já incomodado com a gravata.
- Anthony já está lá dentro, preciso mostrar que meus dois filhos estão aptos a esse cargo Andrew.
Mordo o lábio inferior, entediado com a idéia de conversar de assuntos chatos como investimentos, compras, vendas e novas idéias de expansão.
Duas mulheres se encontram na frente da porta, uma de cada lado com as mãos nos puxadores, ao nos aproximarmos elas abrem a porta com enormes sorrisos nos rostos.
- senhoritas. - meu pai cumprimenta breve.
- senhor Grayson. - o uníssono é quase robótico, o que me causa náusea.
Trato de me enfiar dentro da sala, as sobrancelhas subindo instantemente ao ver meu irmão enfiado em uma pilha de papéis sem aquela maldita expressão de ironia.
- já que vocês chegaram cedo podem me ajudar com esses papéis ? Sua secretária me pegou de surpresa com os assuntos da filial de Milão.
- vá Andrew, pegue algumas pastas e entenda da onde veio o dinheiro que compra os seus carros.
Eu sabia que não demoraria muito para que ele jogasse na minha cara a dívida que terei de quitar, afinal, meu querido e adorado BMW I8 não servirá mais para nada, deu perda total e eu poderia ter ido junto. Avanço para perto de Anthony, pegando as primeiras pastas e me sentando na cadeira ao seu lado, ele me encara de lado por um momento mas logo volta a encarar os papéis.
- temos quinze minutos antes da reunião começar então aprenda o que puder com esses relatórios e não nos envergonhe fratellino (irmãozinho).
- sou mais inteligente do que pareço babaca, e logo você vai ver isso quando eu sentar naquela cadeira para a sua infelicidade. - aponto para aonde meu pai está sentado, na ponta da mesa.
Uma cadeira Importante
A cadeira do CEO.
- e você vai ser obrigado a engolir as minhas ordens.
- só por um tempo pirralho e eu ainda tenho poderes aqui.
- tempo que será um inferno para você e eu terei mais poderes, plenos poderes sobre aquilo que você mais quer na vida.
Sorrio fraco, deixando de provocar esse idiota para voltar ao meu " trabalho ", o carro valia cerca de cento e vinte e cinco mil dólares e enquanto eu não ganhar esse dinheiro de volta serei prisioneiro dessa empresa.
E terei de aturar Anthony por mais tempo do que gostaria.
Muito mais tempo.
Eu só espero que não seja tanto, gosto de manter minha cabeça no lugar e os punhos inteiros.

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