03 | L I A N A

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L I A N A


Eu não queria dizer que precisava da ajuda de Felipe, mas se isso significava ele ir embora, eu topava tudo. Fiz que sim com a cabeça para a sua pergunta, passando as mãos pelo rosto, nem me preocupando se teria que retocar a maquiagem depois. Felipe me seguiu, mas antes que ele entrasse novamente no meu quarto, o censurei.

— Eu procuro aqui. Sozinha. — Afastei-o antes que ele desse mais um passo. Ele desceu um pouco o olhar em direção a minha mão espalmada em seu peito, visivelmente sem jeito e concordando. — Procura na cozinha. Se não achar lá, procura no quarto de hóspedes.

— Beleza.

— Ok, então...

Quando entrei no cômodo, fechei a porta atrás de mim. Mas antes de começar a trabalhar naquilo, fiquei algum tempo parada, como se querendo saber o porquê de ele ainda estar parado ali mesmo eu tendo fechado a porta na sua cara. Escutei seu suspiro, fazendo a mesma coisa e sentando sobre o colchão. Tirei os sapatos, enterrando as mãos no rosto e me odiando por chorar.

A verdade era que apesar de todo o mal entendido, eu queria estar com ele. Queria esquecer aquilo e queria que a gente ficasse junto no fim das contas. Só que algo dentro de mim me impedia de esquecer daquele dia. No fim, os dois tiveram culpa, mas a sua parcela naquela história parecia ter sido infinitamente maior pelo simples fato de ele não ter acreditado em mim. Isso me magoou tanto que até aquele momento eu não sabia se ele havia realmente se arrependido de algo.

Fechei os olhos, tentando respirar fundo.

— Lili?

Tentei ignorar a batida na porta, mas foi impossível de ignora-lo quando ele entrou sem nem esperar alguma confirmação.

— Eu... — Ele engoliu em seco, não desviando o olhar do meu rosto um minuto sequer. — Por favor, vamos conversar.

— A gente já conversou, Felipe.

— Não, a gente discutiu. Como todas as vezes que venho aqui para pegar minhas coisas.

— Faz alguma diferença agora? — Franzi a testa, sentindo as lágrimas novamente prejudicarem minha visão. — Depois que você me magoa tanto, faz alguma diferença agora tentar consertar essa merda? Se for algum favor de Natal, não se preocupe, não preciso de nenhum!

As palavras pareceram o atingir em cheio, pois seus olhos brilharam por debaixo das lentes.

Ficamos em silêncio.

Um silêncio que pareceu durar mais que minutos e que só foi quebrado por mim mesma, porque ele mesmo não se atreveu a dizer absolutamente nada.

— Me desculpa se estou sendo tão rancorosa, mas, poxa, se coloca no meu lugar também! Parece que você nunca confiou em mim, que tudo não passou de uma mentira. E eu que sempre acreditei em tudo o que você falava. Caramba, será que é tão difícil entender isso?!

Suspirei.

— Tudo bem que eu estava errada em não ter te contado de imediato que poderia viajar, só que eu estava confusa. Estava confusa se deveria ir e pensar somente na minha carreira ou tentar dar uma chance a minha felicidade. Você sabe como ninguém o quanto foi difícil pra mim me abrir pra um relacionamento... — Encarei bem fundo em seus olhos. — E você vem e acha mesmo que eu queria ir embora porque estava cansada da gente? Francamente...

Felipe veio em direção a mim, ignorando todos os meus protestos anteriores e sentando bem ao meu lado. Ele segurou minha mão, que não recuei. Encarei seus olhos marejados, eu sabia que ele sentia muito, no fundo eu sabia. Mas algo dentro de mim... algo dentro de mim não queria perdoa-lo.

— Lili, eu só quero que me escute. Por favor.

— Tudo bem, eu faço isso. — Suspirei. — É bom eu ouvir o seu lado e não querer brigar no mesmo instante.

— Tudo bem...

Ele acariciou minha mão, fazendo movimentos circulares enquanto buscava as palavras enquanto me fitava.

— Lili, eu sei que eu fui um idiota por me sentir tão inseguro e por não acreditar em você. É que foi doloroso demais pra mim pensar que tudo o que a gente viveu não era tão importante pra você. Cara, isso foi horrível. E não vou mentir, me achei um pouco inútil por não conseguir te fazer feliz. — Mordeu os lábios por uns segundos, logo voltando a falar. — Eu sei que devia ter falado com você, tentar entender os fatos ao invés de tirar minhas próprias conclusões das coisas. Eu errei, reconheço isso. — Senti minha respiração levemente descompassada sem saber ao certo o motivo. Era inútil tentar prender as lagrimas quando ele já havia me visto chorar tantas vezes. — E eu estou péssimo por tudo isso. Por ter sido tão burro, sabe? Mas, caramba, eu não queria que você fosse embora da minha vida como eu acreditei que seria. Eu te apoiaria na viagem, você sabe disso, Lili. Você sabe que eu não faria nada para te impedir de viajar, só queria fazer parte daquilo. Eu só queria ficar do seu lado, torcer por você, te levar pro aeroporto e dizer que em breve eu ia te visitar... você consegue me entender?

Eu sabia. No fundo, eu sabia de tudo aquilo...

— Eu só tive medo... Tive medo de que você não...

— A gente podia ter conversado. — Ele sorriu, limpando mais uma lágrima da minha bochecha. — Garanto que se a gente tivesse conversado, muitas coisas teriam sido resolvidas antes de a gente se separar.

Engoli em seco, tentando eliminar aquele bolo que se formara em minha garganta e soluçando logo em seguida por não conseguir mais segurar o choro forte. Aquilo rasgava meu peito com força, era doloroso e eu tinha a sensação de estar com o corpo em chamas por dentro.

— Só diz que... que você não me o-odeia, por favor. Q-que eu n-não fui tão...

Felipe invadiu ainda mais o espaço que havia entre nós ao me abraçar como se tentasse me proteger do mundo, como sempre fazia quando eu não estava nos meus melhores dias.

Sentir seus braços ao redor do meu corpo e seu queixo repousando sobre minha cabeça me acalmava ao mesmo tempo que me fazia chorar mais e mais. Mas, de alguma forma, aquilo estava me fazendo bem.

O pior e o melhor Natal da genteOnde histórias criam vida. Descubra agora