O espetáculo

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Maxine Burns

Preparo o café com uma toalha rosa bebê enrolada nos cabelos e uso uma camisa larga enquanto penso no que vestir para almoçar no campus

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Preparo o café com uma toalha rosa bebê enrolada nos cabelos e uso uma camisa larga enquanto penso no que vestir para almoçar no campus. Curso cinema, não é um curso muito popular atualmente, mas gosto dos clássicos. Termino de passar o café e me sento na mesa para dois. Há um livro antigo, um tablet sem bateria e uma caneca com marcas de batom alaranjado que acentuam meu cabelo ruivo falso. Mas ninguém aqui sabe. Desde que me mudei mantenho a cor.


Boston não é minha cidade natal, me mudei para o curso de cinema e aqui estou há longos seis meses. Sinto falta da energia de Nova Iorque e seus turistas. Boston é mais calma, as pessoas mais solícitas de certa forma, mas voltando ao cabelo, mantenho a cor e a maioria dos conhecidos acredita ser natural, tento manter assim o segredo. Debbie me envia uma mensagem para correr ao campus. 

Termino meu café e pego a bolsa com livros jogando sobre a cama. Visto jeans, uma camiseta trash de banda e uma jaqueta de couro com botas de salto médio. Preciso me apressar. Ao sair de casa vou até o metrô e de lá sigo para a faculdade. Nos fone ouço uma música antiga do New Radicals. Não há nada como os anos 90. Ou 80. Não consigo escolher. 

Olho ao meu lado e vejo uma criança brincando com um panfleto. Alguns artistas estão no metrô, mas o aglomerado me impede de ver o que é. 

- Posso? - Pergunto ao menino de olhos escuros e sorrio banguela. 

Ele me entrega o panfleto e leio sobre o circo na cidade. Por um momento penso há quanto tempo não vou a um circo. Faz anos. Os passageiros descem e posso avistar ao longe malabaristas felizes. Devolvo o panfleto ao garoto que sorri. 

- Pode ficar com ele - Diz sorridente e retribuo.

- Obrigada, você é muito gentil. - A mãe dele sorri satisfeita pela educação do menino e eu guardo o panfleto entre os livros. 

Desço então perto do campus e me apresso enquanto Sheryl Crow canta nos fones. Há uma brisa boa naquela manhã, são quase 11:30 e Debbie deve estar furiosa. O vento bate nos meus cabelos soltos enquanto cruzo em direção ao meu bloco. Logo vamos almoçar no refeitório. Estou faminta, mas preciso inventar algo 

- DEBBIE! - Aceno para a loira de cabelos cacheados que se vira para mim enquanto tiro o fones. 

 - Maxine! Perdemos o primeiro seminário e vamos ter que integrar com o grupo da tarde.  

Olho para ela desapontada, pois não gosto do grupo da tarde. Há pessoas com as quais não me dou bem, porém a culpa é inteiramente minha. 

- Tudo bem, vamos conseguir - Digo num tom animador. 

Rapidamente nos dirigimos ao refeitório onde todos se reúnem. As mesas estão cheias, porém por sorte encontramos um local. Stuart nos cede um canto ao seu lado. O abraço e me sento. Todos conversamos felizes quando um desavisado passa e derruba meus livros. 

- EI! Grito com ele que não dá ouvidos. Debbie e Stuart me ajudam a pegá-los quando a loira avista o panfleto. 

- MAX! - Seu grito ecoa pelo local e ela se encolhe. - Max, essa é uma oportunidade única pra nós, podemos usar a temática pro nosso projeto. Diz que vamos hoje ao show. Não vou a um circo em... sei lá, 50 anos - Sua risada contagia a mim e Stuart.

 - Eu não posso ir meninas, estou no meu desenvolvimento de códigos até a madrugada. - Faço um gesto com a cabeça como quem entende e sorrio. 

Stuart é nosso melhor amigo no período da manhã, mas terei que me contentar com a presença e animação de Debbie. Terminamos nossos trabalhos e por volta das 17 estou cansada, com fome e quero ir embora quando ela me lembra do nosso compromisso.

 - Deb, não podemos ir amanhã? - Ela nega 

- Não, acho que só ficarão aqui mais uns dias, vamos demorar pra conseguir falar com os donos e desenvolver uma pesquisa, ande, se anime, além disso se lembre das coisas gostosas que têm lá! 

Debbie sempre está animada e disposta. Ela me anima no meio dos meus dias mais ansiosos. 

- Tudo bem! - Rio ao ceder. 

-  Ai eu sabia! Vou chamar um Uber! 

E assim ela faz. O Uber está próximo e não demora para nos levar ao local do circo. Quando desço posso ver as luzes, as cores e sou rapidamente transportada para a minha infância. Tiro meus fones que tocavam Footloose e posso ouvir a música característica. Há muitas crianças juntas.

 - Deb! - Chamo por ela que se exalta animada na bilheteria. Os livros pesam, minha expressão está cansada, no entanto o projeto fala mais alto. Entramos no recinto onde ficam as comidas e o cheiro de cachorro quente me invade as narinas. Fecho os olhos. Deb me puxa pela mão, está eufórica. Até mais que as crianças. Há uma certa fascinação e misticismo com circos, acho que é isso que ela quer explorar. Um grupo animado está bem a nossa frente e posso ver a figura de um palhaço. Não tenho medo deles como a maioria, inclusive Deb, que corta pro outro lado. 

Caminho e sem notar ando pro lado observando senhoras grisalhas que riem quando você se esbarra em mim. Fecho a cara por um momento, pois estou muito cansada e suspiro forte, mas sei que está fazendo seu trabalho. Ao ouvi-lo finalmente eu abro um sorrio e desfaço os punhos cerrados. Tapo a boca ao escutar a voz fingida. Uma música circense toca em loop e quase me deixa louca. 

- Aceito. - Digo sorrindo. 

Noto que é alto, bem mais que eu quando olho para cima para poder respondê-lo e tem olhos verdes e bonitos, brilhantes, mesmo com toda aquela maquiagem. Aos poucos noto os traços quando me oferece o balão vermelho.

 - Tudo bem - Pego o balão das mãos estendidas e cobertas por uma luvinha branca.

- Gosto da sua manicure - Brinco ao ver a mão coberta e seguro o balão.

 - Obrigada.... - A reverência faço de volta e espero que diga seu nome artístico. Vejo ali uma chance de conhecer alguém de dentro da equipe que nos apresente os donos. Espero que se apresente quando estendo a mão.

- Maxine. Max, pra você, palhaço dançarino - Continuo sorrindo quando vejo Deb acenando e pulando com um cachorro quente na mão.

 - Eu vou entrar, mas te vejo lá dentro, Pennywise - Sorrio e saio com o balão na direção dela que parece apavorada pelo ocorrido.

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